sábado, 28 de agosto de 2021

Democracia Tecnológica

Feenberg mostra que há subdeterminação no desenvolvimento tecnológico[i]

Feenberg entende o desenvolvimento tecnológico como espaço de disputa política a partir da formulação de uma teoria crítica da tecnologia influenciada pela Escola de Frankfurt, entre outros, tomando a tecnologia não como instrumental, mas a partir de valores éticos e políticos.

Sociologia da Tecnologia. Há subdeterminação no desenvolvimento tecnológico[ii], ou seja, há várias soluções, por exemplo escolha entre agroecologia e agronegócio, etc. Como as soluções passam pelo tipo de realidade ou ordenamento social que criam, as decisões não se limitam aos elementos instrumentais e cognitivos, posto que trazem consequências e, assim, “tecnologia e sociedade se conformam mutuamente constituindo, na verdade, um ordenamento sociotécnico uno”.

Teoria da dupla instrumentalização. Se passa que, para Feenberg, há um processo de redução de tudo a suprimentos e, depois, uma contextualização para a inserção no mundo humano, composto pelos quatros estágios que se seguem.

Descontextualização e sistematização. Descontextualizar é isolar uma matéria-prima tornando-a útil para o desenvolvimento técnico, mas que possa ser sistematizada dentro do sentido humano, ex.: madeira para construção ou o trabalhador que se descontextualiza do papel de pai para sistematizar o papel de funcionário.

Reducionismo e mediação. Reduz-se algo da matéria-prima para ser usado, por exemplo, madeira de acabamento e não para celulose, mas que deve ser mediada por um tratamento estético. Retira-se do ambiente original para se inserir em um mundo social específico.

Autonomização e identidade. A pessoa que gera a ação técnica se autonomiza no efeito gerado, porém vai sendo identificada com aquilo em um processo de interdependência que necessita de um limite (ou não, observado por cada um).

Posicionamento e iniciativa. Como a ação técnica tende ao controle, ela cria uma hierarquia: posicionamento de quem manda e quem obedece, mas que pode deixar brechas para a subversão, essa a iniciativa. Isto é, o aumento de um reduz o outro e vice-versa. O capitalista indiferente perde humanidade e fica com o comportamento formatado.

Racionalidade sociotécnica e democratização da tecnologia. Portanto, a racionalidade não é instrumental e, por isso, o desenvolvimento da tecnologia deve ser disputado democraticamente. Porém, são os códigos técnicos que imperam na construção de artefatos e soluções e que normatizam o trabalho técnico, muitas vezes ao preço da exploração humana e custando vidas, como nos mostra a história do desenvolvimento técnico.

Então, a democratização tecnológica deve ser pautada pela subversão do uso, ou seja, trata-se de operar a tecnologia de forma diferente do projetado, regulação do desenvolvimento, submetendo regulamentações a partir de controvérsias técnicas, e associação com os técnicos, incorporando valores dos usuários[iii].

A democratização só se dá com luta e, além de sindicatos e movimentos sociais, Feenberg traz a “rede de interesses” que se articulam entre pessoas com causas comuns durante algum tempo contra condições não aceitáveis, para transformar um aspecto específico da realidade sociotécnica (ex.: protesto contra uso de animais em experimentos).

Contudo, muitas iniciativas são cooptadas pela tecnocracia capitalista que deverá ser derrubada para a implementação do socialismo democrático. Mas, é de caráter sociotécnico o desenvolvimento tecnológico, conforme esse texto nos mostra, e dois fatores usados pela Engenharia Popular no Brasil, a formação de consciência crítica e o desenvolvimento de metodologias contra hegemônicas são exemplos de caminhos para a democratização tecnológica.



[i] Filosofia da Tecnologia. Seus autores e seus problemas. Organização de Jelson Oliveira e prefácio de Ivan Domingues, resultado da iniciativa do GT de Filosofia da Tecnologia da ANPOF. Caxias do Sul, RS: Educs, 2020. Conforme capítulo 8, O desenvolvimento tecnológico é uma arena política – Andrew Feenberg, por Cristiano Cordeiro Cruz.

[ii] Segundo Cruz, como já mostraram Pinch e Bijker e Winner.

[iii] Cruz traz como exemplo a Engenharia Popular Brasileira que será abordada ao final.

quinta-feira, 26 de agosto de 2021

Mediação e sua ausência

Já pregoou Hobbes que o homem é o lobo do homem[i] e, então, só nos resta sermos mediados por leis, instituições ou outro tipo de ordenamento ou abstração responsável. Ou não? Bem, o caso político no Brasil é exemplar e repetitivo: ante a luta entre vizinhos, vale a luta entre partidos, etc. Ou seja, sair da esfera privada em busca da esfera pública.

Porém, a mediação não deve ser fantasiosa, como no caso do homem que busca prazer com a travesti imaginando que é uma mulher. Não, não é (e nada contra), mas a aparência feminina da travesti é a mediação que faltava para que a relação entre o homem e a ela pudesse acontecer.

Já em um âmbito individual, há casos de mediação tanto na vida pessoal como profissional e é quando nos tornamos atores da mediação, aquele que traduz uma informação de um estado a outro [supostamente] mais promissor ou mesmo quando há uma indução e, nesse caso, a mediação funciona, a priori, como filtro, mas pode tender a uma censura ou autoritarismo. No primeiro caso, é uma mediação parcial (ou falsa mediação) e, no segundo, uma não mediação.

Isso posto, fica a pergunta se tal mediação deve ser anulada ou apagada. Em muitos casos, podem ser apresentadas situações em que o contato imediato pode ser mais vantajoso, transparente e significar potencialização de oportunidades. Relações não mediadas também podem gerar choques que sublinhem pontos de vista que não ficariam evidentes perante o crivo da mediação. Porém, são casos privados. Já no público, a prudência é a mediação.



[i] Segundo Significados, https://www.significados.com.br/o-homem-e-o-lobo-do-homem/: A frase original é da autoria do dramaturgo romano Platus e faz parte de uma das suas peças. Em latim, esta frase é traduzida como homo homini lupus.