segunda-feira, 30 de dezembro de 2024

Maiêutica

Esse texto visa localizar o método socrático[i]

A maiêutica é o método socrático pelo qual há parturição do conhecimento. No Teeteto, Euclides conta a Terpsion que fez anotações da conversa entre Sócrates e Teeteto e que as revisou algumas vezes com o primeiro para que pudesse ter um texto acabado. Depois dessa introdução, ele pede a um “pequeno escravo” que o leia.

O diálogo começa com Teodoro apresentando Teeteto a Sócrates, falando sobre sua “procedência” e qualidades e, inclusive, Teodoro destaca a semelhança física entre Sócrates e Teeteto, ambos feios no seu ponto de vista e por quem não se apaixonaria. Daí em diante, entra-se na discussão técnica, e Sócrates passa a falar com o Teeteto questionando-o a respeito do que é o conhecimento. Teeteto elenca coisas que seriam conhecimento, como a geometria (ensinada por Teodoro) e a sapataria, ambos tipos de arte. Porém, Sócrates rechaça essa abordagem porque Teeteto falava sobre algo a que o conhecimento pertence e pela resposta ser cheia de rodeios.

Uma outra abordagem de Teeteto é tratar de termos para nomear coisas matemáticas, mas para o conhecimento ele tem dificuldades, do que solicita Sócrates: “empenha-te em designar as múltiplas formas do conhecimento por meio de uma única definição” (p. 65). É nesse ponto que Teeteto cita sua preocupação em responder as questões levantadas por Sócrates e quando ele compara as preocupações de Teeteto com as dores do parto. Sócrates alude a Fenarete – robusta parteira, dizendo-se filho dela e que pratica a mesma arte das parteiras, que normalmente são mulheres velhas que já tiveram a experiência do parto, mas não podem mais ter filhos pela idade avançada. Tal costume teria sido herdado de Ártemis, deusa estéril, por vê-las em situação semelhante.

Ressaltando a importância das parteiras, Sócrates faz a seguinte ressalva:

“Contudo, o trabalho delas é menos importante do que o meu, pois as mulheres não dão à luz, numa oportunidade crianças reais e, em outra, meras imagens que são difíceis de distinguir do real, como meus pacientes.” (p. 68)

Notemos que Sócrates busca 1.) pela definição e 2.) pela verdade. Mas Sócrates diz-se estéril em matéria de conhecimento, como um parteiro que nunca deu  à luz. Entretanto, do mesmo jeito que faz as dores aparecem também as fazem cessar, por seu método maiêutico. Ora, Teeteto está grávido e o diálogo agora deverá buscar uma forma de parir o conhecimento. Mas isso são cenas dos próximos capítulos.



[i] Notas sobre o diálogo Teeteto (ou do Conhecimento). PLATÃO. Diálogos I – Teeteto, Sofista, Protágoras. Tradução de Edson Bini. São Paulo: Edipro, 2007. 

quarta-feira, 25 de dezembro de 2024

De Kant a Schopenhauer: a fundação da moral passa da razão ao caráter

Parte superior do formulário

Documento de Briefing: Análise Comparativa da Moral Kantiana e Schopenhaueriana[i]

Introdução

Este documento tem como objetivo apresentar uma análise comparativa das filosofias morais de Immanuel Kant e Arthur Schopenhauer, baseada no texto "De Kant a Schopenhauer: a fundação da moral passa da razão ao caráter". O artigo explora a crítica de Schopenhauer à ética kantiana, mostrando a transição da fundamentação da moral da razão para o caráter.

A Moral Kantiana. Uma Fundamentação Racional e Autônoma

Razão como Fundamento. Kant estabelece uma moral baseada na razão, anterior a qualquer experiência sensível. Essa moral é autônoma, livre e se manifesta através do imperativo categórico.

Vontade Boa. A ação moral, para Kant, deve ser guiada por uma "vontade boa" que é um fim em si mesmo e não busca a felicidade como objetivo primário. A felicidade é uma consequência da ação moral, não sua motivação.

Imperativo Categórico. A moral kantiana é regida pelo imperativo categórico, uma lei prática incondicional que ordena a vontade e que tem validade universal. "A representação de um princípio objetivo, enquanto obrigante para uma vontade, chama-se um mandamento (da razão), e a fórmula do mandamento chama-se Imperativo." (Fundamentação, p. 48)

Liberdade Transcendental e Prática. Kant distingue entre liberdade transcendental (conceito especulativo) e liberdade prática (independência da coerção sensível). A liberdade prática é fundamentada pela liberdade transcendental que permite a autonomia moral.

Reino dos Fins. A ideia de um "reino dos fins" representa um estado ideal onde seres racionais, legisladores e governantes, agem de acordo com o princípio da autonomia da vontade.

Sumo Bem. Conceito da Segunda Crítica que liga virtude e felicidade, onde a virtude é a dignidade de ser feliz.

A Crítica de Schopenhauer à Moral Kantiana. Egoísmo e Caráter.

Rejeição da Razão Pura como Fundamento. Schopenhauer critica a ideia de uma moral racional a priori, argumentando que a ação humana é motivada por uma vontade egoísta, determinada pelo nosso caráter.

Imperativo Categórico como Construção Vazia. Schopenhauer considera o imperativo categórico kantiano uma "proposição vazia", sem sustentação real, e o vê como um processo de pensamento puramente lógico e não um princípio moral.

Crítica ao Conceito de Dever. Schopenhauer questiona a noção de "dever" kantiano, argumentando que, sem a expectativa de recompensa ou punição, o dever seria um conceito vazio. Assim, o dever é uma contradictio in adjecto porque só faria sentido sustentado por uma recompensa ou ameaçado por um castigo.

Prioridade do Egoísmo. Para Schopenhauer, o egoísmo é a principal força motivadora da ação humana, e a moral kantiana, ao ignorar essa realidade, não tem base empírica. Mais do que isso, em detrimento da racionalidade da lei, é o egoísmo que impera em nossas ações.

O Caráter como Base da Moral. Schopenhauer afirma que nossas ações são fruto do nosso caráter, que só se revela pela experiência, e não de leis ou princípios racionais.

Vontade como Núcleo Metafísico[ii]. Schopenhauer recupera o a priori para fundamentar a vontade como a base da moral, como sendo a própria coisa em si.

Razão Secundária. Schopenhauer considera a razão secundária em relação à vontade. A razão serve para a comunicação entre seres racionais, mas a vontade é o núcleo da ação.

Comparação e Contraste

Aspecto

Kant

 Schopenhauer

Fundamento da Moral

Razão pura, a priori, imperativo categórico

Vontade, caráter, egoísmo, motivos empíricos

Liberdade

Transcendental (especulativa) e prática (autonomia da vontade)

Livre-arbítrio é uma ilusão; a ação é determinada pelo caráter

Dever

Essencial, incondicionado, agir por respeito à lei moral

Conceito vazio sem recompensa ou punição; ligado a coerção

Motivação

Razão, lei universal, respeito à lei moral

Egoísmo, motivos empíricos, busca pelo bem-estar

Papel da Razão

Primária, legisladora, orienta a ação moral

Secundária, serve para comunicação e compreensão do mundo, não para determinar a ação moral

Natureza Humana

Seres racionais capazes de agir de acordo com a lei moral; dualidade sensível e inteligível

Determinados por sua vontade egoísta e caráter; razão como ferramenta de comunicação e não guia moral

Metodologia

Parte do saber comum, passa pelo campo filosófico para construir a razão prática

Parte da crítica à moral Kantiana para fundamentar sua própria moral

 

Conclusão

O artigo demonstra como Schopenhauer radicalmente se opõe à moral kantiana. Enquanto Kant busca uma fundamentação racional, universal e autônoma da moral, Schopenhauer aterrissa essa discussão na realidade concreta do egoísmo e da vontade que, para ele, são as forças motrizes da ação humana. A ética de Schopenhauer não é racional, mas sim baseada na experiência e no caráter individual. Essa crítica de Schopenhauer à filosofia de Kant marca uma mudança significativa na história do pensamento ético, deslocando o foco da razão para a vontade e o caráter como elementos centrais da ação moral. 



[i] Resumo fornecido pelo NotebookLM da dissertação final da disciplina de FILOSOFIA GERAL IV, relativo ao 1º Semestre de 2016 e ministrada pelo Prof. Eduardo Brandão. NotebookLM (Google NotebookLM) is a research and note-taking online tool developed by Google Labs that uses artificial intelligence (AI), specifically Google Gemini, to assist users in interacting with their documents. It can generate summaries, explanations, and answers based on content uploaded by users. It also includes "Audio Overviews", which summarizes documents in a conversational, podcast-like format. The team building the product includes popular science author Steven Johnson and product manager Raiza Martin. (https://en.wikipedia.org/wiki/NotebookLM). Ementa: https://drive.google.com/file/d/111cO0WCz6DT8yvZMjQB-norPdu2y9Lln/view?usp=drive_link. Dissertação: https://drive.google.com/file/d/14UMwBCb_aQnx0_qE3F8eGHGQrjJFD5jh/view?usp=drive_link.

[ii] Aqui necessita aprofundamento. A vontade é a força motriz fundamental e metafísica da existência, um impulso cego e irracional que determina nossas ações e que o egoísmo, determinado pelo nosso caráter e não por leis morais racionais, é a principal lei de motivação. 

domingo, 1 de dezembro de 2024

O peso da consciência

 Procura mostrar como a consciência muda seu estatuto, na modernidade, de ontológico para lógico[i]

De um lado o racionalista Descartes, de outro o empirista Hume e sintetizando-os, Kant. Esse é um esquema bem conhecido e vejamos o recorte que faz Vitor Lima. O professor recapitula a sua abordagem da alma/mente: nos gregos e medievais, valorizava-se a racionalidade humana, como capacidade de nos diferenciar dos outros animais. Uma alma, tomando todos os seres, abrange instintos e desejos, mas quando a alma é vista sob o prisma racional do intelecto e vontade, ali no final da Idade Média, já estamos delimitando o que seria a mente.

Na modernidade, a mente passa desse aspecto racional para o aspecto introspectivo, isto é, vista a partir de uma perspectiva interna, da consciência. É a coisa pensante cartesiana. Isso mesmo, “res cogitans” com atributos que diferem da coisa material, “res extensa”. Para Descartes, somos seres pensantes.

Já Hume, via a questão por outro prisma. Para ele o nosso conhecimento vem dos sentidos, da experiência e não é algo inato. É uma abordagem baseada na percepção, seja pelo que nos vem de fora ou seja pelo que pode ser percebido internamente, um tipo de percepção particular oriunda do exterior, mas que se pode articular. Porém, diferentemente de um polo invisível que nos comanda, há uma mente com impressões e ideias, quais sejam, as percepções que não incluem aí um "eu". O “eu” não é observável, tampouco, internamente. As percepções são particulares, e o que as percepções percebem são só percepções, não há "eu" lá. Quando Hume olha para dentro ele não vê o eu cartesiano e ele o caracteriza como simplesmente um sensor interior, segundo caracterização. E o professor traz a seguinte citação: “Não há impressão do Eu e nenhuma ideia do Eu. Há apenas aglomerados de impressões e ideias.”[ii]

De um lado, impressões e ideias, de outro uma consciência acabada. Será, então, Kant que vai unir as duas concepções, e postular que o “eu penso” existe, mas não tem conteúdo, ele é a condição lógica para que haja pensamento. Kant conceitua a mente nas capacidades cognitivas, de sentir dor e prazer e a de desejar. O primeiro é analisado na Crítica da Razão Pura e dividido em entendimento, razão e juízo. Se a razão é livre (especulativa), o entendimento se guia pela experiência e forma conceitos dados pelas categorias. Ele une os itens da percepção na consciência, numa autoconsciência, conforme já postulava Descartes.

Segundo o professor Vitor, a câmera captura os dados dos sentidos, mas não é consciente de si. Para Kant as percepções que nos chegam pelo sentido, que são caóticas, se organizam pela apercepção, essa a priori. Empírico, de maneira direta e transcendental, esse “algo” que organiza, já que o mundo em si é desorganizado. Se o mundo é o mundo, cada ser percebe seus efeitos de determinada maneira. Em nosso caso é um algo lógico e a priori. Transcendental, mas não transcendente, dependente de outro mundo. A unidade da experiência se dá pela síntese das intuições, não percebida empiricamente.

A apercepção ressignifica o eu penso, não por observação direta que vê um algo, mas é um a priori que unifica e garante a percepção. Se existe um "eu mesmo" consciente e que pensa, nada podemos dizer do que ele é, embora saibamos que há necessidade de colocar a experiência nessa equação. Na psicologia empírica, argumenta Vitor, a alma é um objeto do sentido interior e na racionalista ela é o sujeito pensante. Ora, deve haver um "eu penso", uma autoconsciência que acompanha os pensamentos, mas a razão pura tem paralogismos também, isto é, falsos silogismos que permitiriam a inferência de um "eu" como coisa pensante. Embora a razão prática vá readmitir determinados conceitos que a sua epistemologia afastou e que trará diretrizes de como viver e agir.



[i] Seguindo o curso de Vitor Lima, esse é o fichamento de Filosofia da Mente: alma na Filosofia Moderna (Parte 2), que trata de Hume e Kant. Conforme https://youtu.be/xHH9yIpd6No, em 30/11/2024.

[ii] Minuto 26.