Funda a filosofia analítica em Russell, destacadamente,
e Moore[i]
Nesse capítulo introdutório, Schwartz
finca as bases da filosofia analítica em Russell e Moore, com destaque também
para Frege e Wittgenstein, que têm como principais pontos a recuperação do clássico
empirismo britânico (mas corrigindo-o), a invenção da lógica simbólica e a
repulsa ao idealismo hegeliano. Além disso, Schwartz passa pela filosofia da linguagem, mas com uma abordagem muito lógica e distante da linguística. Enfim,
é um passeio inicial nessa visão positivista que tanto influenciou a filosofia
do século XX até os nossos dias.
Schwartz destaca o pioneirismo de Frege,
mas que foi popularizado por Russell nos Principia mathematica (com Whitehead)
e que expõe a nova lógica simbólica que influencia, por exemplo, Kurt Godel e
posteriormente a computação e o estudo da linguagem. Então, a lógica matemática
pode resolver a questão deixada em aberto pelos empiristas que é “Como é
possível a matemática pura?”[ii]. Conforme Schwartz: “Russell
não podia aceitar o “empirismo puro” – a ideia de que todo o conhecimento é
derivado da experiência sensorial imediata...” (p. 11) e que levaria ao
ceticismo, senão solipsismo. Bem, isso mostra a faceta racionalista de Russell,
quando diz que o “empirismo tradicional é um erro e que há um conhecimento a
priori e universal”, mas que o leva a ter de explicar a independência empírica, digamos
assim. Para esse fim, Frege e Russell reconceitualizam a matemática pelo uso da
lógica simbólica que trata a lógica matematicamente e a matemática como uma forma
de lógica. Isso permite responder a questão deixada em aberta por Kant e não
explicada pelos empiristas e que aponta para uma matemática analítica.
Ora, se Kant estabeleceu que “7 + 5 = 12” é
sintético a priori, Frege procura mostrar que a aritmética pode ser deduzida da lógica pura. Mas os
idealistas tinham a geometria como uma fortaleza, segundo Russell, pois com
validade independente da experiência ou mesmo a questão relacionada à infinitude
dos números primos não possível de prova via teste empírico. Há uma solidez
matemática racionalista já que as proposições matemáticas, se independentes da experiência,
são necessariamente verdadeiras e oriundas da razão pura. Entretanto, ao mesmo
tempo, tal conceituação abre as portas metafísica, ontologia, etc., e para a falência do
empirismo. É aí que o logicismo de Russell visa mostrar que a matemática pura é
um prolongamento da lógica dedutiva e que não há proposições sintéticas a
priori; toda a matemática poderia ser derivada da pura lógica, em um trabalho
gradual. Poder-se-ia partir dos postulados de Peano, demonstrar que são puramente
lógicos e, daí, com base analítica para a matemática. Mas, ao mesmo tempo, leva Wittgenstein
a mostrar que a matemática é toda tautológica. Isso desmistifica não somente as
verdades matemáticas como também o uso racionalista das verdades da religião ou
da metafísica[iii].
Schwartz também enfatiza a importância da
linguagem para o desenvolvimento da filosofia analítica. Sua análise se inicia com
teoria das descrições definidas de Russell, que aparece na obra “Da denotação”,
de 1905 e que se baseia em sua lógica simbólica. Como sabemos, uma descrição
definida se destina a selecionar (denotar) um objeto, mas pode ocorrer de
selecionar algo inexistente, mais de uma coisa, etc., e daí que Russell procura
mostrar que as descrições definidas não denotam de forma isolada[iv], elas não denotam por si
mesmas. Isso pode ser demonstrado se analisadas logicamente, o que revelará o
que está por trás de uma descrição enganadora como “o presidente do Canadá é
uma mulher” que se transforma em “há um e somente um presidente do Canadá e é
uma mulher” (a predicação "uma mulher" é falsa, e não o caso de que haja um
objeto inexistente). O uso da lógica simbólica faz com que a expressão não se
refira a um indivíduo, mas seja uma expressão geral da forma: Ǝx{[Fx & ∀x (Fy ⊃ x = y)] & Mx} :: há
ao menos uma coisa, no máximo uma coisa e a predicação.
Para além das descrições definidas, Russell
desenvolveu uma metafísica com base na sua lógica simbólica, conhecida como
atomismo lógico. Conforme Schwartz, “Russell sustentava que a linguagem, quando
totalmente analisada, consiste em proposições atômicas e proposições
moleculares constituídas delas pelas funções lógicas: não, ou, e, se ..., então
...”. Isto é, há átomos lógicos que podem ser descobertos pela análise
filosófica, um tipo de realidade que não pertence a nenhuma outra coisa, mas que são
metafisicamente necessários. Tanto mundo quanto linguagem tem uma estrutura
comum que pode ser representada pela lógica simbólica, visão esta que influenciará
Wittgenstein, mas será negada pela filosofia da linguagem comum.
Por outro lado, a contribuição de Moore é no
sentido de uma filosofia do senso comum. Schwartz mostra que o positivismo foi
uma reação contra a dialética hegeliana, que tratava da negação da negação e
considerada por eles obscura. De acordo com Moore a metafísica hegeliana negava
a realidade em prol do espírito absoluto, legando o senso comum a mera aparência.
Então, Moore visa limpar essa crosta filosófica por um apelo à simplicidade do
senso comum. Se Hegel (e Bradley, contemporâneo de Moore) procurou negar a
realidade dos objetos do mundo, isso poderia ser configurado como ilusão filosófica.
Porém, embora influenciando Wittgenstein e a filosofia de Oxford, a proposta de
Moore do senso comum não teve força suficiente para superar os argumentos tanto
de céticos quanto de idealistas.
Moore fundamentava a sua filosofia do
senso comum nos dados dos sentidos, quer dizer, sensações oriundas dos sentidos
e privadas de cada pessoa. De acordo com Moore, vemos algo, mesmo que não seja
o próprio objeto e, segundo ele, para saber o que é um dado do sentido basta
olharmos para a nossa mão. Contudo, Schwartz alerta para complexidade da
teoria, já que o senso comum não conhece dados dos sentidos e sim os próprios
objetos e tal conceito foi questionado mesmo por Austin e Wittgenstein. Já
Russell tomou por base os dados dos sentidos para propor um tipo de
conhecimento por familiaridade, mas para falar de um objeto usamos o conhecimento
por descrição, que é indireto. Dados dos sentidos, então, fazem parte daqueles átomos
metafísicos da proposta russelliana e que, de fato, nos afasta do senso comum.
Essas são, então, resumidamente, as impressões
que mais nos chamaram a atenção na abordagem de Schwartz sobre os primórdios da
filosofia analítica e que marca toda uma nova forma de fazer filosofia passando
a limpo o idealismo alemão e fundando o positivismo lógico que propõe uma junção
entre lógica e matemática, mas que não deixa de mostrar uma certa tendência de
Russell por um tipo de platonismo negado pelos positivistas, quando postula certos entes metafísicos.
[i] Conforme Uma breve história da
filosofia analítica de Russell a Rawls. Schwartz, Stephen P. São Paulo:
Edições Loyola, 2017, capítulo 1: Russell e Moore.
[ii] Destaque para a citação inicial do
capítulo.
[iii] Ficamos com o nem-nem: nem experiência
e nem mística. O programa de Frege e Russell teve que enfrentar vários
problemas, como o da autorreferência, mas mostrou que as noções da matemática clássica
podem ser definidas pelas noções da lógica como “ou”, “se ..., então ...”, “todos...”,
etc., e foi quase concluído com êxito.
[iv] Repetimos o foco de Schwartz na abordagem da filosofia da linguagem: uma que não nos ajuda em nossas competências linguísticas, mas que se vale da lógica como ciência do raciocínio e inferências e impacta em muitas áreas e domínios. A despeito das descrições definidas, ainda suscitam discussões filosóficas, mas é uma alternativa profícua ao postulado de Meinong (anti occaminiano).