segunda-feira, 2 de novembro de 2020

Quine e os problemas do positivismo lógico*

A asserção inicial de Quine que Schwartz nos traz já revela a eficácia dos mitos sobre os quais se assentam nossa base epistemológica: quando um físico leigo acredita em objetos físicos. Nesse sentido do conhecimento, o tema em que Quine está aqui inserido é o do desmantelamento do Positivismo Lógico e das ideias do Tractatus, ou seja, a rejeição do uso da lógica formal para “resolver” problemas filosóficos e na direção de uso da uma linguagem comum[i].

Quine é um empirista pragmático estadunidense que pretende arrumar o empirismo que ainda apresentava resíduos da velha filosofia no programa positivista, como, por exemplo:

·         Confiança na teoria dos dados dos sensoriais;

·         Reducionismo;

·         Lógica Formal;

·         Princípio de Significatividade[ii].

A ruína do critério de verificabilidade para a significação. Para o positivismo, o enunciado é significativo sse é ou uma tautologia (ou uma autocontradição) ou empiricamente verificável (ou falsificável). Então todo conhecimento não analítico se baseia na experiência e a eliminação da metafisica pela aplicação da lógica passa pela destituição de seu significado pela semântica da linguagem.

Hempel procura mostrar que o critério de verificabilidade da significação (ou critério empirista do significado cognitivo, como ele o chamava) era um trabalho prodigioso, porém uma tarefa irrealizável. Além de apresentar um problema autorreferencial: o critério de verificabilidade da significação não se aplica a si mesmo pois é cognitivamente sem sentido, daí que se torna uma recomendação. Mas, se é assim, por que segui-lo?

Da significação à verificabilidade. Popper irá propor um critério diferente de demarcação baseado no princípio da falsificação, ou seja, de falsificabilidade ou refutabilidade e, portanto, testatibilidade das proposições. Levando-se em conta esse critério de Popper o marxismo seria intestável.[iii]

O problema do critério de Popper é a dificuldade em se testar teorias científicas de maneira direta, pois até o darwinismo seria não testável assim, se tornando uma “metafísica útil”.  Porém, o critério da verificabilidade de Popper é menos rígido que o critério de verificabilidade da significação, pois visa checar se uma teoria (ou a metafísica) é ou não ciência, não questionando o seu significado. Assim, Popper rejeita Carnap e o positivismo.

Quine e a rejeição da distinção analítico/sintético. Quine enfatiza a distinção criada por Kant e muito usada pelos positivistas, principalmente no critério de verificabilidade da significação, pela qual podemos assumir: tautologia = “analiticamente verdadeiro”. Para ele, trata-se de um dogma metafísico pois não foi traçada uma fronteira entre proposições analíticas e sintéticas, permanecendo um artigo de fé metafísico.

A fonte da distinção, conforme Schwartz, é o texto de Quine “Dois dogmas do empirismo”, considerado o mais lido da filosofia analítica, que revela os dois dogmas infundados: crença na clivagem entre as verdades analíticas e as sintéticas baseadas em fatos e no reducionismo de proposições significativas a construtores lógicos.

Schwartz ressalta que, embora a argumentação de Quine seja compreensível, os detalhes não são evidentes e utilizam noções complexas como analiticidade e sinonímia. Na verdade, para Quine, a explicação das proposições analíticas dependem de sinônimos em sua definição, ao invés do significado, que levam a recorrência da analiticidade e isso torna a argumentação circular.

A crítica ao significado usado pelos positivistas parece tão evidente que fica difícil que Quine nos convença do contrário. Porém, se os exemplos são investigados, em algum momento a indistinção entre generalizações empíricas e elementos puros de significado linguístico tornam essa fronteira indiscernível.[iv]



* Uma breve história da filosofia analítica de Russell a Rawls. Schwartz, Stephen P. São Paulo: Edições Loyola, 2017, Capítulo Três.

[i] Sobre o Tractatus e a teoria da afiguração que já nos dá uma boa ideia de como Wittgenstein pretendia resolver os problemas: https://www.reflexoesdofilosofo.blog.br/2020/09/wittgenstein-e-teoria-da-figuracao.html.

[ii] Sobre os princípios norteadores do programa positivista, consultar em nosso blog uma reflexão anterior: https://www.reflexoesdofilosofo.blog.br/2020/10/o-programa-do-positivismo-logico-i.html.

[iii] Aqui há uma certa querela entre os empiristas que consideravam o marxismo não científico e os marxistas que consideram o empirismo uma doutrina burguesa reacionária.