A asserção inicial de Quine que Schwartz nos traz já revela a eficácia dos mitos sobre os quais se assentam nossa base epistemológica: quando um físico leigo acredita em objetos físicos. Nesse sentido do conhecimento, o tema em que Quine está aqui inserido é o do desmantelamento do Positivismo Lógico e das ideias do Tractatus, ou seja, a rejeição do uso da lógica formal para “resolver” problemas filosóficos e na direção de uso da uma linguagem comum[i].
Quine é um empirista pragmático
estadunidense que pretende arrumar o empirismo que ainda apresentava resíduos
da velha filosofia no programa positivista, como, por exemplo:
·
Confiança na teoria dos dados dos
sensoriais;
·
Reducionismo;
·
Lógica Formal;
·
Princípio de Significatividade[ii].
A ruína do critério de verificabilidade
para a significação. Para o positivismo, o enunciado é
significativo sse é ou uma tautologia (ou uma autocontradição) ou
empiricamente verificável (ou falsificável). Então todo conhecimento não
analítico se baseia na experiência e a eliminação da metafisica pela aplicação
da lógica passa pela destituição de seu significado pela semântica da
linguagem.
Hempel procura mostrar que o critério de
verificabilidade da significação (ou critério empirista do significado
cognitivo, como ele o chamava) era um trabalho prodigioso, porém uma tarefa
irrealizável. Além de apresentar um problema autorreferencial: o critério de
verificabilidade da significação não se aplica a si mesmo pois é cognitivamente
sem sentido, daí que se torna uma recomendação. Mas, se é assim, por que
segui-lo?
Da significação à verificabilidade.
Popper irá propor um critério diferente de demarcação baseado no princípio da
falsificação, ou seja, de falsificabilidade ou refutabilidade e, portanto,
testatibilidade das proposições. Levando-se em conta esse critério de Popper o
marxismo seria intestável.[iii]
O problema do critério de Popper é a dificuldade
em se testar teorias científicas de maneira direta, pois até o darwinismo seria
não testável assim, se tornando uma “metafísica útil”. Porém, o critério da verificabilidade de
Popper é menos rígido que o critério de verificabilidade da significação, pois
visa checar se uma teoria (ou a metafísica) é ou não ciência, não questionando
o seu significado. Assim, Popper rejeita Carnap e o positivismo.
Quine e a rejeição da distinção
analítico/sintético. Quine enfatiza a distinção criada por
Kant e muito usada pelos positivistas, principalmente no critério de
verificabilidade da significação, pela qual podemos assumir: tautologia =
“analiticamente verdadeiro”. Para ele, trata-se de um dogma metafísico pois não
foi traçada uma fronteira entre proposições analíticas e sintéticas,
permanecendo um artigo de fé metafísico.
A fonte da distinção, conforme Schwartz, é
o texto de Quine “Dois dogmas do empirismo”, considerado o mais lido da
filosofia analítica, que revela os dois dogmas infundados: crença na clivagem
entre as verdades analíticas e as sintéticas baseadas em fatos e no
reducionismo de proposições significativas a construtores lógicos.
Schwartz ressalta que, embora a argumentação
de Quine seja compreensível, os detalhes não são evidentes e utilizam noções complexas
como analiticidade e sinonímia. Na verdade, para Quine, a explicação das
proposições analíticas dependem de sinônimos em sua definição, ao invés do significado,
que levam a recorrência da analiticidade e isso torna a argumentação circular.
A crítica ao significado usado pelos
positivistas parece tão evidente que
fica difícil que Quine nos convença do contrário. Porém, se os exemplos são investigados, em algum momento a indistinção entre generalizações empíricas e elementos puros de significado linguístico tornam essa fronteira indiscernível.
* Uma breve história da filosofia
analítica de Russell a Rawls. Schwartz, Stephen P. São Paulo: Edições
Loyola, 2017, Capítulo Três.
[i] Sobre o Tractatus e a teoria da
afiguração que já nos dá uma boa ideia de como Wittgenstein pretendia resolver
os problemas: https://www.reflexoesdofilosofo.blog.br/2020/09/wittgenstein-e-teoria-da-figuracao.html.
[ii] Sobre os princípios norteadores do
programa positivista, consultar em nosso blog uma reflexão anterior: https://www.reflexoesdofilosofo.blog.br/2020/10/o-programa-do-positivismo-logico-i.html.
[iii] Aqui há uma certa querela entre os
empiristas que consideravam o marxismo não científico e os marxistas que
consideram o empirismo uma doutrina burguesa reacionária.
[iv] Sobre generalização: https://www.reflexoesdofilosofo.blog.br/2019/06/principios-logicos.html.
Como é difícil comprender e usar termos como semântica, significado e sinônimo
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