quinta-feira, 3 de dezembro de 2020

Informação gödeliana anti-IA

Nicolelis já anuncia a força do conceito no capítulo 1: “introduzo uma noção fundamental para a minha tese central: uma nova definição operacional para o conceito de informação, que chamei de informação gödeliana, podendo ser manipulada por tecidos orgânicos e cérebros animais como o nosso[i]”.

Pois bem, no capítulo 3 a informação gödeliana entra em cena para interagir com o bit de Shannon. Por um lado, a informação medida em bits é a informação digital, por outro lado nosso cérebro e nosso organismo armazenam informação não quantificável (um punhado). E são justamente essas noções que me despertam velhos fantasmas[ii]:

1.      Como processamos e armazenamos as informações do mundo?

2.      Em que momento ocorre nosso processo decisório?

3.      Há decisões conscientes?

4.      Haveria espaço para o livre-arbítrio em alguma situação?

5.      Haveria espaço para um epifenomenalismo?

O grau com que venho me tornando descrente já me faz praticamente abandonar a última questão e talvez me torne um materialista radical[iii]. E, pelo que aparenta até agora, a argumentação de Nicolelis procede nesse sentido, é evidente, já que o criador de tudo é o cérebro orgânico [e suas ficções?][iv].

Se voltarmos para as questões iniciais vemos que elas dão conta de um assunto inter-relacionado e que tentei tratar en passant em um trabalho acadêmico. Convém esquematizar o raciocínio pobre.


Imaginando que a figura acima ilustra um esquema epifenomenalista, ou seja, a mente seria espirrada do cérebro como uma sobra ou uma fumaça de um processo de combustão. O organismo, por sua vez e pelos sentidos, absorve o que está por aí, seja no mundo ou nas entrelinhas, nas nuances[v]. O trabalho acadêmico era sobre educação e, qual foi o ponto: problematizar o torpedeamento informativo, a guerra de narrativas que, proveniente do mundo, influenciaria corpo, cérebro e mente (etc.). Isso seria possível em esquema onde não há uma decisão consciente, voluntária tão clara, tão óbvia. O trabalho foi um fiasco.

Entretanto, a informação gödeliana que Nicolelis conceitua, também advoga contrariamente ao nosso argumento, pois ela ainda salvaguardaria a livre decisão, inclusive recorrendo-se aos experimentos de Libet! [vi] Mas então voltemos ao terceiro capítulo e vamos fazer um recorte da argumentação do pensador catedrático.

*    *    *    *    *

De acordo com Nicolelis, viver consiste em dissipar energia para embutir informação no organismo. Ou seja, há uma base termodinâmica na argumentação que ele traz de Prigogine[vii]. Nicolelis observa que árvores estocam informação climática em seus anéis enquanto crescem. Assim como em nosso processo de aprendizado há um armazenamento de memórias no tecido nervoso – essa é a plasticidade do cérebro, sua capacidade de mudar de configuração física.

Então, a termodinâmica da vida é dissipar energia para produzir conhecimento. “O que é a vida?”, perguntaria Abu[viii]. A vida é liberar calor (respirar). Há queima de alimentos pelo oxigênio[ix]. É um processo de entropia que gera informação. E aí Nicolelis vai ao pai do bit, Shannon, bit: unidade de mensuração (S-info). E aqui o interessante é que informação é a medida incerteza, informação é surpresa. Ou seja, a mesmice não traz informação. Mas o bit é a medida é o computador digital. É Turing.

Por outro lado, Gödel conceitua a informação contínua e analógica (G-info) e que não pode ser copiada por um algoritmo. E Nicolelis mostra sua face anti-IA. A abstração mental é a conversão computador-cérebro (“S-info”-“G-info”). Entretanto, o computador não da conta do ambíguo, como o cérebro. É uma relação sintático-semântica. E ocorre que, nessa perspectiva, a possível experiência da decisão inconsciente de Libet torna-se uma decisão da G-info acumulada que é armazenada pela queima de energia que traz o acúmulo orgânico.



[i] Nicolelis, Miguel. O verdadeiro criador de tudo: Como o cérebro humano esculpiu o universo como nós o conhecemos. São Paulo: Planeta, 2020. Pg. 18.

[ii] Não tão velhos assim...

[iii] Será?

[iv] Segundo Nicolelis, o cosmos é uma gigantesca massa de informação esperando observação.

[v] Pensemos que mesmo a fumaça dissipada pela combustão e que “não serve para nada” vai para algum lugar.

[vi] Ver: https://www.reflexoesdofilosofo.blog.br/2018/03/nao-estamos-no-comando.html.

[vii] Nobel de química de 1977. Termodinâmica: parte da física que estuda as trocas ou transformações de energia.

[ix] Conforme http://www.usp.br/qambiental/combustao_energia.html, acesso em 3/12/2020: A respiração é um processo de combustão, de “queima de alimentos” que libera energia necessária para as atividades realizadas pelos organismos. É interessante notar que a reação inversa da respiração é a fotossíntese (...) onde são necessários gás carbônico, água e energia (vinda da luz solar) para liberar oxigênio e produzir material orgânico (celulose) utilizado no crescimento do vegetal.

2 comentários:

  1. Porém, para o comportamento humano há um background não representacional de um ser-no-mundo que é inesgotável e dialético, difícil de ser artificializado

    https://www.reflexoesdofilosofo.blog.br/2020/06/ia-do-representacao-cognitiva-ao.html?m=1

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  2. Da última frase fica a pergunta de que tipo de decisão ou consciência estaria presente na G-info

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