Nicolelis já anuncia a força do conceito no capítulo 1: “introduzo uma noção fundamental para a minha tese central: uma nova definição operacional para o conceito de informação, que chamei de informação gödeliana, podendo ser manipulada por tecidos orgânicos e cérebros animais como o nosso[i]”.
Pois bem, no capítulo 3 a informação
gödeliana entra em cena para interagir com o bit de Shannon. Por um lado, a
informação medida em bits é a informação digital, por outro lado nosso cérebro
e nosso organismo armazenam informação não quantificável (um punhado). E são
justamente essas noções que me despertam velhos fantasmas[ii]:
1. Como
processamos e armazenamos as informações do mundo?
2. Em
que momento ocorre nosso processo decisório?
3. Há
decisões conscientes?
4. Haveria
espaço para o livre-arbítrio em alguma situação?
5. Haveria
espaço para um epifenomenalismo?
O grau com que venho me tornando descrente
já me faz praticamente abandonar a última questão e talvez me torne um
materialista radical[iii].
E, pelo que aparenta até agora, a argumentação de Nicolelis procede nesse
sentido, é evidente, já que o criador de tudo é o cérebro orgânico [e suas ficções?][iv].
Se voltarmos para as questões iniciais
vemos que elas dão conta de um assunto inter-relacionado e que tentei tratar en
passant em um trabalho acadêmico. Convém esquematizar o raciocínio pobre.
Imaginando que a figura acima ilustra um
esquema epifenomenalista, ou seja, a mente seria espirrada do cérebro como uma
sobra ou uma fumaça de um processo de combustão. O organismo, por sua vez e
pelos sentidos, absorve o que está por aí, seja no mundo ou nas entrelinhas,
nas nuances[v]. O trabalho acadêmico era
sobre educação e, qual foi o ponto: problematizar o torpedeamento informativo,
a guerra de narrativas que, proveniente do mundo, influenciaria corpo, cérebro
e mente (etc.). Isso seria possível em esquema onde não há uma decisão
consciente, voluntária tão clara, tão óbvia. O trabalho foi um fiasco.
Entretanto, a informação gödeliana que
Nicolelis conceitua, também advoga contrariamente ao nosso argumento, pois ela
ainda salvaguardaria a livre decisão, inclusive recorrendo-se aos experimentos
de Libet! [vi] Mas então voltemos ao terceiro
capítulo e vamos fazer um recorte da argumentação do pensador catedrático.
* * * * *
De acordo com Nicolelis, viver consiste em
dissipar energia para embutir informação no organismo. Ou seja, há uma base
termodinâmica na argumentação que ele traz de Prigogine[vii]. Nicolelis observa que
árvores estocam informação climática em seus anéis enquanto crescem. Assim como
em nosso processo de aprendizado há um armazenamento de memórias no tecido
nervoso – essa é a plasticidade do cérebro, sua capacidade de mudar de
configuração física.
Então, a termodinâmica da vida é dissipar
energia para produzir conhecimento. “O que é a vida?”, perguntaria Abu[viii]. A vida é liberar calor
(respirar). Há queima de alimentos pelo oxigênio[ix]. É um processo de
entropia que gera informação. E aí Nicolelis vai ao pai do bit, Shannon, bit:
unidade de mensuração (S-info). E aqui o interessante é que informação é a medida
incerteza, informação é surpresa. Ou seja, a mesmice não traz informação. Mas o
bit é a medida é o computador digital. É Turing.
Por outro lado, Gödel conceitua a
informação contínua e analógica (G-info) e que não pode ser copiada por um
algoritmo. E Nicolelis mostra sua face anti-IA. A abstração mental é a conversão
computador-cérebro (“S-info”-“G-info”). Entretanto, o computador não da conta
do ambíguo, como o cérebro. É uma relação sintático-semântica. E ocorre que, nessa
perspectiva, a possível experiência da decisão inconsciente de Libet torna-se uma
decisão da G-info acumulada que é armazenada pela queima de energia que traz o
acúmulo orgânico.
[i] Nicolelis, Miguel. O verdadeiro
criador de tudo: Como o cérebro humano esculpiu o universo como nós o conhecemos.
São Paulo: Planeta, 2020. Pg. 18.
[ii] Não tão velhos assim...
[iii] Será?
[iv] Segundo Nicolelis, o cosmos é uma
gigantesca massa de informação esperando observação.
[v] Pensemos que mesmo a fumaça
dissipada pela combustão e que “não serve para nada” vai para algum lugar.
[vi] Ver: https://www.reflexoesdofilosofo.blog.br/2018/03/nao-estamos-no-comando.html.
[vii] Nobel de química de 1977. Termodinâmica:
parte da física que estuda as trocas ou transformações de energia.
[viii] Houve uma resposta anterior: https://www.reflexoesdofilosofo.blog.br/2014/08/serie-3-perguntas-eu-respondo.html.
[ix] Conforme http://www.usp.br/qambiental/combustao_energia.html,
acesso em 3/12/2020: A respiração é um processo de combustão, de “queima de
alimentos” que libera energia necessária para as atividades realizadas pelos
organismos. É interessante notar que a reação inversa da respiração é a
fotossíntese (...) onde são necessários gás carbônico, água e energia (vinda da
luz solar) para liberar oxigênio e produzir material orgânico (celulose)
utilizado no crescimento do vegetal.
Porém, para o comportamento humano há um background não representacional de um ser-no-mundo que é inesgotável e dialético, difícil de ser artificializado
ResponderExcluirhttps://www.reflexoesdofilosofo.blog.br/2020/06/ia-do-representacao-cognitiva-ao.html?m=1
Da última frase fica a pergunta de que tipo de decisão ou consciência estaria presente na G-info
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