Mostra que a linguagem, aparentemente coisa simples e
natural, tem uma teoria do senso comum que não responde a questões básicas e, por
isso, instaura um ramo de investigação filosófico[i]
Introdução.
Uma teoria filosófica do significado deve responder questões como:
1. O
que é isso de certos tipos de marcas e ruídos terem significado?
2. Por
que uma expressão tem o significado que tem, isto é, expressões têm significados
distintos?
3. Como
é possível que nós produzamos e compreendamos elocuções com significado?
O senso comum indica que as expressões possuem
significado por estarem no lugar de coisas do mundo – essa a chamada teoria
referencial do significado. Mas, ela é inadequada porque, na realidade,
poucas palavras estão no lugar das coisas e se palavras fossem somente para
relacionar coisas não formaríamos frases gramaticais.
Significado e compreensão.
A partir da sentença (1) “Papa Francisco jogou futebol no América de MG.”,
consideremos:
4. A
sentença não exprime uma verdade, mas a compreendemos sem esforço
5. Naturalmente
lemos e compreendemos frases imediatamente
6. Mesmo
sem nunca as ter visto antes
Daí que pode se tratar de uma capacidade até
mais espantosa do que comer ou respirar, argumenta Lycan. Podemos pensar que
compreendemos 1.) porque falamos português, 2.) compreendemos cada palavra e 3.)
compreendemos o modo como essas palavras estão ligadas. Porém, além da
compreensão humana, expressões linguísticas são objetos em si, algo particular,
sejam frases com significado ou frases algaraviadas (que não dizem nada, ex. “Eu
tatu pão de queijo”). Temos, então, os dados:
7. Algumas
sequências de marcas ou ruídos são frases com significado.
8. Cada
frase com significado tem partes que também tem significado.
9. Cada
frase com significado significa algo em particular.
10. Quem
domina uma língua tem a capacidade de compreender muitas das frases dessa
língua, sem esforço e quase instantaneamente, e formula também frases do mesmo
modo.
A teoria referencial.
Bem, conforme dito, para o senso comum o significado se reduz a coisas, as
palavras são como etiquetas, um nome denota[ii] uma pessoa. Há
significado porque as frases espelham estados de coisas que descrevem, mas as
palavras aparecem em sentido convencional, ou seja, arbitrariamente associadas às
coisas (ex., eu me chamar Luís, etc.). Se parece que sei o que significa
pois sei o que refere[iii],
há objeções.
Objeção 1.
“Nem toda palavra nomeia verdadeiramente ou denota um o” objeto de fato
existente, com Pégaso, o cavalo alado. Ou pronomes de quantificação, como em “Ninguém
viu”. Mesmo frases do tipo sujeito-predicado, como “O Raul é magro”, traz magro
descrevendo Raul, mas o que magro nomeia? Ora, magro é uma propriedade[iv] de Raul, algo abstrato: “O
Magro”. Além desses pontos, há substantivos que não nomeiam, por exemplo, “prol”
,”bel” e outras palavras que têm significado mas não nomeiam como “sim”, “muito”.
Objeção 2.
Uma lista de nomes nada diz: “João Gabriela José”.
Objeção 3.
O significado não se esgota na referência, como podemos lembrar de termos
correferenciais que podem não ser sinônimos. Conclui-se que a referência é
importante em si, apesar das inadequações da teoria referencial do significado.
[i] Fichamento de Filosofia da
linguagem: uma introdução contemporânea. LYCAN, William. Tradução Desiderio
Murcho. Portugal: Edições 70, 2022. Capítulo I, introdução.
[ii] Denota * Nomeia * Designa * Refere.
[iii] Como fica evidente, para a teoria
referencial do significado, o significado é a referência, mas Frege, por
exemplo, irá mostrar que o significado é o sentido e ainda sobra a referência.
Já explorado em: https://www.reflexoesdofilosofo.blog.br/2022/05/alem-da-referencia-o-sentido.html:
“(...) E
mostra que os nomes próprios não tem um único significado, conforme falamos
acima, mas dois: um é a coisa no mundo que a palavra
designa, um indivíduo, referência, entidade no mundo. Entretanto, além da
referência, o sentido (sínn), é uma caraterística objetiva das palavras.
Ruffino explica que, para cada pessoa, um nome pode conter um significado com
conotação subjetiva, mas há um sentido objetivo que é [quase] o mesmo para
todos.”
[iv] Atributo * Característica * Particularidade.
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