segunda-feira, 16 de maio de 2022

Além da referência, o sentido

Sobre o objeto da filosofia da linguagem em uma introdução às ideias de Frege [i]

Se a semântica estuda significados, a filosofia da linguagem é um estudo geral do significado e, nesse sentido, não empírico, isto é, não é um levantamento do significado que as pessoas atribuem a cada palavra ao longo do tempo, etc. Logo, a semântica filosófica vai olhar o tipo do significado de acordo com categorias linguísticas como, por exemplo, os advérbios, adjetivos, nomes próprios, etc.

Dentre essas categorias, os nomes próprios possuem um tipo de significado peculiar porque versam sobre apenas um indivíduo, embora caiba ressaltar que nem todo sujeito gramatical é um nome próprio[ii]. De todo modo, há indivíduos particulares como George Bush, Edson Arantes ou Caçapava, que se ligam a objetos. Já a expressão “amarelo” é um adjetivo, qual seja, uma propriedade de uma multiplicidade de objetos. Também "caneta" se refere a todos os objetos com a propriedade de ser caneta. Mesmo os algarismos são nomes, do ponto de vista semântico. Por exemplo, 10, um número dez, um objeto. Do que se conclui, do que foi dito, que um nome próprio designa um objeto particular, por oposição aos universais, relações, etc.

Então, Ruffino retoma questão de Kripke[iii]: que tipo de significado os nomes próprios têm e por quê? Bem, esta é uma reflexão antiga, mas que fica sistemática a partir de Frege (XIX): a problemática dos nomes próprios e sua contribuição semântica em uma proposição[iv]. Mas Kripke rompe com a tradição inaugurada por Frege, que se interessava pela natureza da aritmética e por sua fundamentação epistêmica. Ora, em que é baseada uma ciência que trata de operações sobres números? Desde Platão, a aritmética é paradigma de uma ciência conhecida à priori. Se a matemática pode ser aprendida contando-se objetos, sua justificação é dada de maneira inata. Não está na experiência, mas na razão, ideias, formas, etc. Mas, para Frege, qual a fonte?

A aritmética, conforme Kant chamou a atenção, tem aplicabilidade universal. Frege, para entender as fontes da aritmética, procurou representar as etapas do raciocínio aritmético para verificar se havia elemento empírico ou a intuição pura kantiana, daí uma ciência sintética a priori. Frege, por seu lado, acreditava ser analítica.

Em1879, ele trata da escrita conceitual pela proposta de uma linguagem formal para modelar raciocínios matemáticos. Considerado o pai da lógica contemporânea, traz uma teoria geral dos significados que compunham essa linguagem [simbólica]. Linguagem artificial que representa os raciocínios lógicos e introdução dos quantificadores. Dada a época, havia uma pressão pelo rigor matemático, e de raciocínios clarificantes que podiam se dar nessa linguagem formal.

Já em1892, Sobre o sentido e a referência apresenta a referência como significado: “isso significa aquilo”. Ele investiga a conotação semântica: que tipo de significado linguístico as expressões têm. E mostra que os nomes próprios não tem um único significado, conforme falamos acima, mas dois: um é a coisa no mundo que a palavra designa, um indivíduo, referência, entidade no mundo. Entretanto, além da referência, o sentido (sínn), é uma caraterística objetiva das palavras. Ruffino explica que, para cada pessoa, um nome pode conter um significado com conotação subjetiva, mas há um sentido objetivo que é [quase] o mesmo para todos.

Por exemplo, há duas designações de Vênus: a estrela da tarde e a estrela da manhã, Héspero e Fósforo. Mas o nome próprio designa um objeto particular e, nesse caso, há duas expressões que apontam para Vênus. Isto é, há duas perspectivas ou modos de apresentação para uma mesma referência. Há um segundo conteúdo cognitivo diferente e que é o mesmo para todo mundo. Sem saber que se tratava da mesma referência, havia os dois sentidos diferentes de Vênus. Assim como o número sete, que pode ter diversos sentidos objetivos, como os dias da semana, o número da sorte ou o número de gols da Alemanha. São perspectivas diferentes, diferentes formas de apresentação.

Enfim, há aqui um pontapé na problemática que Frege desenvolve em SSR e que trataremos, com a ajuda de Ruffino, com mais detalhes adiante.


[i] Um resumo, quase transcrição de https://www.youtube.com/watch?v=KwIcKdLdVs0, “Filosofia da Linguagem - Ep. 1: Introdução à Semântica Fregeana” e https://www.youtube.com/watch?v=kcFTJBF_gS0.

[ii] Aqui Ruffino lembra dos quantificadores: nenhum, todo, etc.

[iii] Que é mote do curso.

[iv] Proposição: sentença com significado.

Um comentário:

  1. Conforme Ruffino e o texto tenta transparecer, a noção de sentido parece muito natural, a partir de cada perspectiva ou propriedade.

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