Eu,
quando criança, fiz aula de capoeira e o mestre me apelidou papagaio porque eu
estava sempre de prosa enquanto ele palestrava. Fato psicológico passível de explicação, não trataremos dele aqui, trataremos da linguagem e da comunicação trazendo nossa pergunta retórica: “Eu falo e você em escuta, mas entende?”. Bem,
não há dúvidas que sim pois estamos aí nos comunicando há milênios, mas como
isso acontece?
Ora,
pelo que pudemos apreender até agora por estudos da Filosofia da Linguagem e
correlatos, isso se dá pelo significado, isto é, a palavra, o texto, os ruídos que
emitimos, todos eles carregam significado e, devido a ele, nos
entendemos. Mas que chatice essa de nos perguntarmos sobre esse tipo de
coisa, não é mesmo? Conversamos e pronto! Ora bolas. Entretanto, não é bem assim,
vejamos.
Há uma
ordem no universo? Essa pergunta evasiva nos leva a pensar se há algum tipo de substrato,
seja ele material ou espiritual, em todas as coisas que nos cercam. Podemos
atribuir isso a Deus e seguirmos nessa viagem "desinteressada" ou podemos investigar. E a
filosofia está aí justamente para isso, investigar se há leis na natureza, se seguimos
essa lei, se há o livre-arbítrio e quais ações deveríamos escolher em
determinadas ocasiões, etc. Não só a filosofia, obviamente, mas ela, primordialmente.
Soma-se
a esse leque de questões aquelas relacionadas à linguagem e voltamos ao
significado. Se nos comunicamos porque a linguagem é feita de significados, o
que eles são? Mais comumente pleiteia-se que o significado se refere a algo no
mundo, a chamada teoria ingênua da referência, qual seja, que o significado
é a referência. Então, eu falo sobre algo, você vê aquele algo e nos
entendemos. Porém, isso não é assim em muitos casos, ainda que geralmente o
seja. Por exemplo, se eu falo “O atual rei da França é careca” eu não estou me
referindo a algo, pois tal objeto (o rei da França) não existe. E é aí que
começam os problemas, avaliemos.
A
Filosofia da Linguagem reflete sobre o significado, a referência e suas
teorias. Contudo, ela se mostra muito lógica e podem haver outras abordagens,
como a Linguística, análise do discurso ou mesmo a destituição de uma abordagem
tão estrita e que, muitas das vezes, desconsidera os próprios falantes responsáveis
pela existência da linguagem e etecetera.
Isso
posto, já há um edifício da filosofia da linguagem de aproximadamente 150 anos
que não pode ser descartado. Se o significado é a referência, se o significado
está na proposição, em outras palavras, se eu analiso a própria frase para
extrair dela o significado (uma verdade que frase expressa) ou se ele é uma questão de uso da linguagem, definido
pelos falantes em jogos de linguagem. Também podemos ter um enfoque mais
subjetivo ou intersubjetivo entre nós que falamos ou objetivo, como investigar se a
linguagem per se poderia ser analisada.
É justamente aí que nos lembramos do papagaio. Ele fala, eu escuto, mas entendo??? Depende, ele pode falar coisas com sentido ou sem sentido para nós, mas para ele, há sentido, isto é, significado? Se ele fala “são 10 horas” e são dez horas, posso entender, mas se ele fala “hoje é televisão”, a primeira vista eu posso não entender, mas ele pode estar a se referir que "hoje é o dia de comprar a televisão", já que ontem comprei um chiclete.
De todo modo, há muitas cartas nesse jogo da filosofia da linguagem, mas muitas delas já marcadas e não podemos nos embaralharmos, por isso é vital uma análise mais aproximada do assunto que nos permita limpar o terreno e verificar se o que o papagaio fala tem sentido, aquele do poleiro ou a criança que fazia bagunça na capoeira.
O interessante do exemplo do papagaio é que ele fala coisas com significado mas não entende
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