segunda-feira, 31 de outubro de 2022

Filosofia da linguagem - introdução e referência

Começando um novo passeio pela filosofia da linguagem[i]

Bem, nesse blog já há algumas introduções à filosofia da linguagem que pretendemos continuá-las, mas nunca é tarde parece recomeçar. E é partir das aulas de Sagid que pretendemos fazer um panorama, começando por uma limpeza de terreno e pela conceituação de referência. De acordo com ele, os dois conceitos fundamentais da filosofia da linguagem são: referência e significado – sobre os quais temos falado ultimamente nesse espaço.

Isso posto, Sagid distingue a filosofia da linguagem da filosofia linguística, esta última pretendendo resolver problemas filosóficos pela linguagem, seja na busca por uma linguagem ideal, logicamente perfeita e sem defeitos, seja pela linguagem comum e, nesse caso, pelos seus usos e contextos.

Já a filosofia da linguagem visa resolver problemas de linguagem e ela procede por teses, apontando argumentos, soluções favoráveis e contrárias. E, como temos visto, três são seus principais problemas[ii]: qual o mecanismo que faz com que o mero proferimento de um som, por exemplo, “Belo Horizonte”, nos permita selecionar um lugar no universo (referência)? Por que determinadas frases têm significado e outras não? Como alguém consegue compreender o que dizemos? Essas questões de largada, salienta Sagid, mostram que é fácil usar a linguagem, mas difícil explica-la.

Problema da Referência

Começando pela referência, podemos perceber que algumas expressões linguísticas pretensamente[iii] se conectam a realidade. Um nome seleciona um indivíduo, a expressão “isto” seleciona um objeto, quando falamos “cavalo” podemos nos referir ao grupo dos cavalos e “todavia” não seleciona nada[iv]. Daí que o problema da referência pode ser analisado de duas formas diferentes, o primeiro verifica qual item da realidade uma expressão pretensamente seleciona; o segundo como uma expressão pretensamente seleciona aquele item.

Sagid denomina o primeiro o problema descritivo da referência, tipicamente metafísico, que investiga do que a realidade é composta. Por exemplo, a expressão “O Saci Pererê é arteiro” seleciona um item da realidade ou um item ficcional? Expressões linguísticas que selecionam referentes que são personagens da ficção são tratadas pelo paradoxo das existenciais negativas singulares e sobre elas não há consenso. O problema descritivo é caracterizado por Sagid como de fronteira, isto é, não é propriamente linguístico e sobre eles há desacordo metafísico. Mesmo os termos gerais, que veremos a seguir, corresponderiam exatamente a quê? Ao pensarmos em “cavalo”, nos vemos as voltas com um determinado tipo de cavalo, com o conjunto de todos os cavalos possíveis ou apenas com a propriedade de um animal ser um cavalo?

O segundo é o problema fundacional da referência, isto é, aquele que trata do mecanismo que garante a seleção dos itens, mais especificamente, consoante Sagid: “em virtude de quais fatos há correspondência entre sons, tinta no papel e um indivíduo do mundo?”. Desse problema surgem as teorias da referência que trazem cada qual um mecanismo que pode bem funcionar ou não e que o escrutínio informará.

Termos singulares e termos gerais

Sagid argumenta que o método de proceder da filosofia da linguagem é o de quebrar o problema em partes, no que podemos caracterizar como um método analítico. Então, o problema fundacional da referência pode ser dividido em um problema da referência singular, que verifica o que faz com que um termo singular se refira ao objeto ao qual se refere e um problema da referência dos termos gerais, que verifica o que faz com que um termo geral se refira aos objetos aos quais se refere. Isso porque, aparentemente, há diferença entre o mecanismo referencial para termos gerais e termos singulares.

Tomemos os exemplos de Sagid de expressões linguísticas que pretensamente se referem a itens da realidade:

1.     Aristóteles é sábio.

2.     Isto é uma cadeira.

3.     Aqui é Ouro Preto.

Podemos dividi-las em expressões subfrásicas: “Aristóteles”, “isto”, “aqui” e “Ouro Preto” como sendo termos singulares; “sábio” e “cadeira” como sendo termos gerais[v]. Ora, os termos singulares seguem a condição de no máximo um que, embora não sendo uma definição exata de termo singular, já que pode eventualmente acontecer a um termo geral, ainda assim nos permite certa caracterização. A condição de no máximo um permite caracterizar que uma expressão se refere a algo e que se refere a no máximo uma coisa. Ela trabalha com condições de verdade, quais sejam, condições que devem ser satisfeitas para uma afirmação ser verdadeira[vi]. Por exemplo, “Aristóteles” costumeiramente é tido como termo singular, mas pode vir a ser usado como termo geral em “Há mais de um Aristóteles na sala”.

Uma forma de tratar o problema, proposta por Strawson, é não fazer a distinção entre tipos de termos, mas entre tipos de uso dos termos, isto é, quando determinada expressão é usada como um termo singular, etc., entretanto haveríamos que sempre qualificar sua utilização.

De todo modo, Sagid de claro que procedemos à imagem de um funil, que ele exemplifica trazendo classes de termos singulares como os indexicais, que mudam em cada contexto. Dentre eles, há os indexicais puros, nos quais há um referente para cada contexto como em “eu” (o referente é a pessoa que usou a palavra) ou “aqui” (o referente é o lugar que a pessoa está) e há os verdadeiros demonstrativos que, diferentemente dos indexicais puros que estão associados a um significado linguístico, dependem de outros fatores, como uma intenção direcionadora. O significado de “Isto é uma caneta” depende de que se aponte ou direcione para algo. Tal qual “ele”, “aquele”: não se atém somente a uma regra de uso. Ou seja, o funil divide as classes em diferentes mecanismos referenciais cada qual com uma explicação. No caso dos termos singulares podemos ter indexicais puros, verdadeiros demonstrativos ou nomes próprios, que Sagid terá como foco para estudar as diversas teorias da referência, já que é tema dominante no debate.

Cabe ressaltar, por fim, que esse é o método da ciência, isto é, embora queiramos compreender o todo, a ciência parte do particular ao geral, assim como para entender a linguagem geral temos que entender os diversos mecanismos subjacentes.



[i] Recortes feitos das aulas 01, 02 e 03 do professor Sagid Salles disponíveis no Youtube. Curso IF - Filosofia da Linguagem: https://www.youtube.com/playlist?list=PLb6DzdXIOv4EtJpTp1G9kThcOi_DATFyS.

[iii] Pode haver determinado grau de ceticismo que torne a referência impossível e, no limite, até a nossa própria existência e, aí, Sagid menciona Peter Unger para investigação posterior. Quine também aborda o tema de fronteira com a epistemologia (por exemplo, tradução radical).

[iv] Aqui vale a distinção de uso e menção das expressões linguísticas que Sagid ressalta. Podemos usar um nome para falar de uma pessoa, por exemplo, “O Aristóteles é filósofo” ou podemos pela expressão mencionar como em “Aristóteles” tem 11 letras.

[v] Poderíamos também incluir nos termos que se referem à realidade expressões como “Alguém foi reprovado” ou “Todos foram reprovados”, mas se tratam de quantificadores, termos que contam a frequência de ocorrência de termos gerais ou singulares.

[vi] Parece-nos uma abordagem bastante lógica.

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