sexta-feira, 10 de julho de 2015

A necessidade da filosofia

  Meirieu defende que o aprendizado se dá em níveis de representação e gostaríamos de concordar com essa tese. Cada criança que chega à escola traz consigo certas noções de casa, da convivência familiar, etc., cada criança traz um nível de representação diferente das outras; é um olhar para o mundo e um conhecer o mundo individualmente e pessoalmente. A escola, então, procura fazer com que as crianças superem seu nível de representação e atinja outro, em teoria, superior, mais promissor: isso seria o aprendizado. Mais ainda, cada criança tem um ritmo de aprendizagem próprio que é único e diferente das demais. 
  Esse processo de aprendizagem por representações remete à proposta de Khun sobre os paradigmas da ciência: em certos momentos acontecem saltos que estabelecem um outro conjunto de proposições diferentes do anterior, existem rupturas aí. Parece que há uma irracionalidade operando por trás do salto, afinal é um salto. É diferente, por exemplo, do modelo de educação bancária, onde a criança se torna um depósito de conhecimentos, mas que vai se dando por acréscimos, de forma mais plástica e contínua. Esse último quantitativo e o primeiro qualitativo: como um quebra cabeças, cada peça nova vai configurando o quadro, ele vai aparecendo. No primeiro há um estalo, é quando retiramos a trave que estava nos olhos e enxergamos com clareza.
  A qualidade se evidencia dada a dificuldade e o dispêndio de tempo necessários para subir um degrau, até porque não se tem muita certeza se o degrau novo foi atingido em parte ou inteiramente: não dá para ser certificado, apenas podemos ter indicações de que a direção é a correta. A transmissão de conteúdos permite medir, a intenção é outra e pode ser aplicada em algumas situações. Podemos apontar para uma possível utilidade dessa transmissão mais pragmática em detrimento da capacidade crítica que se daria pela nova representação.
  Diferentes representações, diferentes ritmos de aprendizagem, impossibilidade de verificação do conhecimento: características que retiramos desse método pedagógico. Abordagem construtivista sem receita, prática desafiadora. Por outro lado, sabemos que não há uma filosofia, mas uma para cada filósofo, sabemos que há diversas correntes filosóficas que abordam determinados problemas e agregam soluções dentro de um mesmo plano de imanência. Não há acordo sobre qual utilidade da filosofia ou de cada filosofia, os debates se multiplicam sobre os métodos pedagógicos de ensino de filosofia. Não há consenso nem mesmo sobre o que é a filosofia. Diante disso, dessa amplitude da filosofia e das peculiaridades das representações individuais, podemos fazer uma aproximação dessas e daquela. A filosofia como forma do conteúdo representativo, como orientação que permite a abrangência necessária ao material prático. Seria através de uma orientação filosófica que se poderia chegar ao método prático construtivista porque haveria sempre um questionamento capaz de reorientar as rotas. A multiplicidade de abordagens filosóficas que se dirigem a resolver problemas de forma sistemática, investigativa, crítica e reflexiva é a pedra de toque do método. Não se parte de um pressuposto único e avaliativo, não se formula perguntas a partir de respostas, mas se constroem pensamentos e soluções, sem saber de antemão aonde se vai chegar. Suprime-se a competição, retira-se a finalidade para ir em busca de uma simples busca construtiva. Cada passo fecha e abre o campo de investigação, há várias direções que levam a diferentes representações. Nortear cada consciência nessa investigação, apresentar outras concepções surpreendentes, questionar, subverter conceitos e dogmas estabelecidos, enfim, quebrar paradigmas e estabelecer relações, ansiar sempre por um novo patamar de compressão transformar possibilidades em atitudes e resultados por um caminho consistente que tragam estalos, para tudo começar novamente. Essa necessidade é filosófica e pedagógica.

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