segunda-feira, 30 de abril de 2018

Aparato Terra Dois*

É difícil admitir, mas o mundo mudou. Há um novo tempo e nele estamos iguais ou diferentes, embora perceber o hoje possa diminuir nosso sofrimento. Simplesmente porque não há como resistir, ninguém escapa. Tudo o que era de uma forma estável e equilibrada, agora balança. O natural, o cotidiano se transformou e nos impacta. Esse novo tempo é Terra Dois. Em Terra Dois os pontos de vista se equiparam e a relação vertical se horizontaliza. A ética horizontal traz um novo tipo de responsabilidade e atua nas mais diversas áreas. Os pontos fixos de Terra Um, pontos de referência, são explodidos em Terra Dois e deles novos pontos aparecem espalhados, cindindo aqui e acolá, iluminando, apagando, criando.
Terra Dois não é melhor nem pior que Terra Um, mas as qualidades adquirem novo aspecto. O que era garantido e planejado, agora é provisório e inesperado, mas tanto lá como cá, deve ser construído e sedimentado. A dinâmica de Terra Dois é a do múltiplo e o farol aponta para muitas direções. A observância cede terreno para o questionamento e a imposição não se sustenta. O querer compete em pé de igualdade com o dever e não há nada que não possa ser de outro jeito. O controle espacial do tempo de Terra Um, segmentado, passa a ser um não controle atemporal já que algo sempre pode acontecer. Porém, a ética de Terra Dois não é superficial, é uma ética horizontal, não importando tanto a profundidade, mas a abrangência e o alcance.
Mas Terra Dois tem algo muito específico: seu aparato. O que salta aos olhos, primeiramente, é a ruptura: de repente nos encontramos em Terra Dois. Não há um fio que conduza de Terra Um a Terra Dois, Terra Dois é o agora a ser enfrentado. Marca fundamental de Terra Dois, a ruptura é o aparato essencial que permite abandonar Terra Um e relativizar Terra Dois. Um segundo ponto é o tecnológico. Não parece haver Terra Dois sem o digital que dita seu ritmo e dimensão. É o tecnológico que tudo conecta e Terra Dois é permanentemente conectada. O digital, por outro lado, se destaca, se descola e se desloca do concreto e, em algum sentido, nos remete ao mais remoto futurismo que, de supetão, está presente e nos abduz. O terceiro aspecto de Terra Dois é a pós-modernidade. Terra Dois significa que houve (há) Terra Um e por isso é o pós. Terra Dois substitui Terra Um, que ficou para trás. As bases de Terra Um são de alguma maneira todas diametralmente recortadas para que Terra Dois se apresente como horizonte.
Estando em Terra Dois, precisamos nos conscientizar de seu aparato e sua ética. E urge transportar tais aspectos para o econômico e o social. A universalidade de Terra Dois de algum modo tem que ser aplicada a certa coletividade que a teste e reproduza. A rede que Terra Dois proporciona deve ser capaz de abarcar o recôndito mais irracional e subjugado, de outro modo não será Terra Dois, mas Terra Meio, um pedaço de terra que descolou de Terra Um. Será a jangada de pedra de Saramago, que veleja pelo mar.

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