quinta-feira, 11 de fevereiro de 2021

A disseminação da atitude científica pelo Círculo de Viena

Trata-se de olhar duas propostas científicas do Círculo de Viena: o fiscalismo de Carnap e o movimento pela unificação da ciência, liderado por Neurath, dentro de um contexto social obscuro.[i]

Fiscalismo de Carnap. O fiscalismo de Carnap visava a criação de uma linguagem que tratasse dos objetos físicos que se dão no espaço-tempo, uma linguagem das coisas que seria utilizada por cada ciência em seu domínio. Nesse sentido, para Carnap a linguagem fisicalista unificaria a ciência através de um sistema lógico ligado ao conhecimento empírico dos objetos experienciados intersubjetivamente.

Dessa maneira, toda ciência falaria de objetos, traduziria seus enunciados em objetos formando uma unidade, sem as distinções entre ciência pura e aplicada ou ciências da natureza e do espírito. A compreensão dos objetos de maneira lógica seria própria da ciência, legando o que não se desse na experiência intersubjetiva para a metafísica, que ficaria com temas sem conteúdo cognitivo. E a tarefa da filosofia se daria analisando as relações entre o conhecimento e essa linguagem fisicalista, no campo da lógica.

Ciência unificada. Se houve críticas de que tal tarefa era muito restrita ao excluir, por exemplo, política ou ética, Ivan nos lembra que os participantes do Círculo de Viena eram humanistas, como é o caso de Otto Neurath. Carnap, Neurath e Hahn foram os principais elaboradores do Manifesto do Círculo de Viena (29) que pautava uma atitude científica orientada à pesquisa para obter uma ciência unificada e compartilhada, com conceitos comuns em um trabalho coletivo. Então, na medida em que essa ciência tentava se afastar das “profundezas”, a linguagem fisicalista surgia como resultado do manifesto.

A ciência unificada englobaria ambos os projetos: por um lado, a linguagem fisicalista, ao se relacionar logicamente com os ramos da ciência, se liberta de obscuridades e, por outro, a atitude científica trazendo clareza na resolução dos problemas e se opondo a querelas metafisicas, como o conhecimento a priori na ciência e matemática. O manifesto refuta a filosofia como ciência fundamental acima das ciências empíricas, mas a situa em um estudo das relações lógicas entre objetos utilizando-se de definições e convenções e empiricamente, porém sem entidades que não podem ser conhecidas. Visava-se, nos parece, uma investigação que tenha utilidade para a vida humana e cotidiana.

Utopia de Neurath. Ivan traz então a visão utópica de Neurath de implementação de modelos sociais baseados em sociedades ideais, do quais ele participou, mas que não seriam implementados tecnocraticamente e sim através da participação e envolvimento dos afetados. Entretanto, Neurath sabe que o trabalho é coletivo e falível, assim como a ciência, que precisa ser reconstruída constantemente. Isso posto, vê-se que, na visão utópica de Neurath, a ciência construiria uma sociedade melhor, mas não sem discussão e colaboração.

Nesse contexto, Neurath deu início a construção de uma Enciclopédia da Ciência Unificada, aos moldes de d'Alembert e Diderot, mas trazendo uma visão plural de ciência, à maneira de um mosaico, mostrando diversas concepções de ciência que no total não formam um sistema uniforme. Ivan também traz o contexto de tendência ao misticismo que se abatia na Europa dos anos 30, de governos totalitários e uma sociedade entregue, contexto esse que o movimento pela unidade da ciência visava superar pela atitude científica perante os mistérios incognoscíveis. Conforme Ivan, pelo “esforço coletivo, contínuo, plural, e falível, como no mosaico da ciência.”.

Fiscalismo como ferramenta. A ferramenta do projeto científico de rejeição ao obscurantismo é o fiscalismo de Carnap, marcado pela articulação lógica que é livre de ambiguidades e referenciando os objetos do cotidiano intersubjetivo. Entretanto, na proposta lógica de Carnap, o que unifica o sistema é se referir a esses objetos, já que cada ciência tem sua teoria particular que forma o mosaico [lógico] proposto por Neurath. E, como é falível, o fiscalismo não é uma proposta estritamente racional e fechada e sim focado em soluções, como se estabelece no Princípio de Tolerância Linguística de Carnap, segundo o qual filósofos e lógicos não proíbem, mas ampliam e convencionam. Segundo Ivan, já no Aufbau Carnap apresentava um sistema lógico que não mapeasse exatamente todas as características do conhecimento, mas com um viés orientado a compreender cada ciência.

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Por fim, Ivan elenca os principais pontos de unidade da ciência:

·         Promover a clareza científica através da divulgação da atitude científica;

·         Investigação lógica relacionada à experiência intersubjetiva cotidiana;

·         Filosofia se afastar da teologia e metafísica.

Com a vertente de Neurath associada aos aspectos políticos e a de Carnap marcada pela lógica, o manifesto tentou fracassadamente frear o totalitarismo, sem se limitar ao aspecto gélido da lógica, mas pela discussão científica. Para Ivan, a grande contribuição do projeto foi de como a lógica e a ciência podem iluminar a compreensão política e educacional.



[i] Conforme Ivan Ferreira Cunha. Acesso em 08/02/2021. Na Revista Educação e Filosofia mantida pela Faculdade de Educação e pelo Instituto de Filosofia da Universidade Federal de Uberlândia. Link de acesso ao texto: http://www.seer.ufu.br/index.php/EducacaoFilosofia/article/view/41040.

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