Trata-se de olhar duas propostas
científicas do Círculo de Viena: o fiscalismo de Carnap e o movimento pela
unificação da ciência, liderado por Neurath, dentro de um contexto social
obscuro.[i]
Fiscalismo de
Carnap. O fiscalismo de Carnap visava a criação de uma linguagem que
tratasse dos objetos físicos que se dão no espaço-tempo, uma linguagem das
coisas que seria utilizada por cada ciência em seu domínio. Nesse sentido, para Carnap
a linguagem fisicalista unificaria a ciência através de um sistema lógico
ligado ao conhecimento empírico dos objetos experienciados intersubjetivamente.
Dessa maneira, toda
ciência falaria de objetos, traduziria seus enunciados em objetos formando uma
unidade, sem as distinções entre ciência pura e aplicada ou ciências da
natureza e do espírito. A compreensão dos objetos de maneira lógica seria
própria da ciência, legando o que não se desse na experiência intersubjetiva
para a metafísica, que ficaria com temas sem conteúdo cognitivo. E a tarefa da
filosofia se daria analisando as relações entre o conhecimento e essa linguagem
fisicalista, no campo da lógica.
Ciência unificada. Se houve críticas de que tal tarefa era muito restrita ao excluir, por exemplo, política ou ética, Ivan nos lembra que os participantes do Círculo de Viena eram humanistas, como é o caso de Otto Neurath. Carnap, Neurath e Hahn foram os principais elaboradores do Manifesto do Círculo de Viena (29) que pautava uma atitude científica orientada à pesquisa para obter uma ciência unificada e compartilhada, com conceitos comuns em um trabalho coletivo. Então, na medida em que essa ciência tentava se afastar das “profundezas”, a linguagem fisicalista surgia como resultado do manifesto.
A ciência unificada
englobaria ambos os projetos: por um lado, a linguagem fisicalista, ao se
relacionar logicamente com os ramos da ciência, se liberta de obscuridades e,
por outro, a atitude científica trazendo clareza na resolução dos problemas e
se opondo a querelas metafisicas, como o conhecimento a priori na ciência e
matemática. O manifesto refuta a filosofia como ciência fundamental acima das
ciências empíricas, mas a situa em um estudo das relações lógicas entre objetos
utilizando-se de definições e convenções e empiricamente, porém sem entidades
que não podem ser conhecidas. Visava-se, nos parece, uma investigação que tenha
utilidade para a vida humana e cotidiana.
Utopia de Neurath. Ivan traz então a visão utópica de Neurath de
implementação de modelos sociais baseados em sociedades ideais, do quais ele
participou, mas que não seriam implementados tecnocraticamente e sim através da
participação e envolvimento dos afetados. Entretanto, Neurath sabe que o
trabalho é coletivo e falível, assim como a ciência, que precisa ser reconstruída
constantemente. Isso posto, vê-se que, na visão utópica de Neurath, a ciência
construiria uma sociedade melhor, mas não sem discussão e colaboração.
Nesse contexto,
Neurath deu início a construção de uma Enciclopédia da Ciência Unificada,
aos moldes de d'Alembert e Diderot, mas trazendo uma visão plural de ciência, à
maneira de um mosaico, mostrando diversas concepções de ciência que no total
não formam um sistema uniforme. Ivan também traz o contexto de tendência ao
misticismo que se abatia na Europa dos anos 30, de governos totalitários e uma
sociedade entregue, contexto esse que o movimento pela unidade da ciência
visava superar pela atitude científica perante os mistérios incognoscíveis. Conforme
Ivan, pelo “esforço coletivo, contínuo, plural, e falível, como no mosaico da
ciência.”.
Fiscalismo como ferramenta. A ferramenta do
projeto científico de rejeição ao obscurantismo é o fiscalismo de Carnap,
marcado pela articulação lógica que é livre de ambiguidades e referenciando os
objetos do cotidiano intersubjetivo. Entretanto, na proposta lógica de Carnap,
o que unifica o sistema é se referir a esses objetos, já que cada ciência tem
sua teoria particular que forma o mosaico [lógico] proposto por Neurath. E,
como é falível, o fiscalismo não é uma proposta estritamente racional e fechada
e sim focado em soluções, como se estabelece no Princípio de Tolerância
Linguística de Carnap, segundo o qual filósofos e lógicos não proíbem, mas
ampliam e convencionam. Segundo Ivan, já no Aufbau Carnap apresentava um
sistema lógico que não mapeasse exatamente todas as características do conhecimento,
mas com um viés orientado a compreender cada ciência.
* * * * *
Por fim, Ivan elenca
os principais pontos de unidade da ciência:
·
Promover a
clareza científica através da divulgação da atitude científica;
·
Investigação lógica
relacionada à experiência intersubjetiva cotidiana;
·
Filosofia se afastar
da teologia e metafísica.
Com a vertente de Neurath
associada aos aspectos políticos e a de Carnap marcada pela lógica, o manifesto
tentou fracassadamente frear o totalitarismo, sem se limitar ao aspecto gélido da
lógica, mas pela discussão científica. Para Ivan, a grande contribuição do
projeto foi de como a lógica e a ciência podem iluminar a compreensão
política e educacional.
[i] Conforme Ivan Ferreira Cunha.
Acesso em 08/02/2021. Na Revista Educação e Filosofia mantida pela Faculdade de
Educação e pelo Instituto de Filosofia da Universidade Federal de Uberlândia.
Link de acesso ao texto: http://www.seer.ufu.br/index.php/EducacaoFilosofia/article/view/41040.
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