Reavaliar leituras estereotipadas do Aufbau
visando mostrar que se trata mais de um projeto lógico-linguístico do que
somente epistemológico.[i]
O Aufbau[ii]
tinha por fim lançar as bases para a construção da ciência unificada sobre um
sistema lógico (linguístico)-epistemológico (psicológico) de conceitos
(objetos) visando a redução de cognições umas às outras por uma linguagem fenomenalista
com a certeza do imediatamente dado na experiência, mais certo que as coisas
materiais.
Tentando desintrincar o lógico-psicológico, Pizzutti
e Liston argumentam que as cognições básicas seriam derivadas não dos dados dos
sentidos, mas metodologicamente tidas com válidas. O próprio Carnap
afirmara que a epistemologia era de base metodológica visando justificar as
cognições relacionadas. Assim, a premissa do Aufbau é de ordenação lógica dos
conceitos, visando o sistema construcional, mas que teria um base auto
psicológica, na medida em que essa ordenação também dependeria do conhecimento
dos objetos inferiores, trazendo uma primazia epistêmica.
Conforme citações de Carnap, o sistema construcional
é baseado em conceitos sobre conceitos e transitivo, ou seja, os conceitos
superiores podem ser reduzidos a enunciados sobre os fundamentais, etc. É
fundado na lógica e teoria dos tipos do Principia
Mathematica, ou seja, conforme os autores, projeto
lógico-linguístico. Haveria quatro domínios base para construção dos conceitos
das ciências empíricas em um único sistema:
i. Auto psicológico: formam a base do sistema de reconstrução racional do conhecimento pela sua redutibilidade lógica e têm primazia epistêmica. São os objetos do mundo subjetivo do sujeito.
ii. Físico: se baseiam nos anteriores para construir os objetos do mundo da física. Se reduzem pela percepção.
iii. Hetero psicológico: outras mentes e sujeitos dotados de consciência. Se reduzem por meio da externalização dos estados psicológicos (comportamento).
iv. Cultural: mundo dos objetos culturais. Se reduzem através de manifestações psicológicas e suas documentações físicas.
Se a base foi auto
psicológica em função da base lógica construcional e epistêmica e por possuir
poucos objetos básicos, envolveu dificuldades:
1. Aparente solipsismo, mas que teria apenas essa forma
pois trata-se de um solipsismo metodológico e não somente experiências
particulares de um indivíduo.
2. Se a base subjetiva permitiria objetividade e, segundo
Carnap, sim, por propriedades estruturais análogas a todos os sujeitos e que
perpassam qualquer fluxo de experiência.
3. A base formada por percepções, que são experiências
elementares não sujeitas a análise, seria superada por meio da descrição das
relações das propriedades individuais das experiências, num processo de
quase-análise.
A partir desses pontos
Carnap estabelece como sustentação das relações o reconhecimento de similaridade,
comparando a imagem memorética de duas percepções para considerá-las
semelhantes e construir o domínio auto psicológico subindo para os outros níveis.
Pizzutti e Liston mostram que as críticas de Quine e
outros foram enviesadas e criaram uma visão caricatural do movimento de Viena. Para
Quine, Carnap traria um empirismo clássico seguindo a lógica de Frege e
Russell, ou seja, uma versão ingênua de
empirismo fundacionista e reducionismo fenomenalista. Segundo Quine, teria
havido fracasso na busca pelos fundamentos da matemática, ou seja, no
logicismo, dentro do campo conceitual das ciências exatas, de um significado
teórico.
Entretanto, haveria o
campo doutrinal nas ciências naturais, reduzindo o significado à experiencia
sensorial e daí, a verdade do conhecimento através de leis. O pai do projeto
era Russell e sua proposta de dados dos sentidos como construto lógico do mundo
exterior que, segundo Quine, teria quase obtido êxito por Carnap no Aufbau, mas
a busca de uma certeza cartesiana teria fracassado via experiência imediata.
Segundo o próprio Carnap, uma base fiscalista seria
mais interessante do ponto de vista científico, entretanto sua escolha foi pela
ordenação auto psicológica privilegiando o aspecto epistemológico na esteira do
realismo, idealismo e fenomenalismo e formação de uma base convencional.
Na visão de Carnap, a epistemologia, ao mesmo tempo em que justifica o conhecimento, é relativa porque relaciona cognições. No caso do
Aufbau, a construção do sistema é ordenada pelo conhecimento partindo dos dados
dos sentidos e cognições pressupostas como válidas. Mas a condição suficiente
do sistema construcional é lógica e só metodologicamente é feita a análise
epistemológica. A reconstrução racional é de inferência lógica partindo de cada
um dos constituintes das experiências que podem ser epistemicamente
independentes, mas a análise epistemológica para ser válida, deve permitir uma
redução das cognições. Conforme os autores:
No projeto de sistemas construcionais
de modo geral, a análise lógica é condição suficiente para construir um
sistema, a análise epistemológica é condição necessária se o sistema proposto
deve refletir, além de uma ordenação lógica, uma ordenação epistemológica do
conhecimento.
Ao tratar do sistema,
os autores acreditam que o Aufbau é fundacionista, mas não da maneira vista por
Quine, qual seja, de que Carnap teria assumido o reducionismo como dogma da tradição
empirista, isto é, a verdade “cartesiana” seria dada pela tradução do discurso
significativo na linguagem dos dados dos sentidos, constatado diretamente da experiência.
Na visão de Pizzutti e Liston, o sistema de Carnap é fundacionista com o
domínio auto psicológico das percepções e enunciados fenomenalistas baseados em
crenças básicas justificadas por si (irrevisáveis) e construcional pois permite
a redução dos objetos do conhecimento científico à sua base, pela primazia epistêmica.
Entretanto, se há esse justificacionismo epistemológico por enunciados básicos
autoevidentes, ele não é infalível, tal como ocorre em Descartes, mas segue uma
razão metodológica e, por isso, escolhida convencionalmente e substituível.
Por fim, os autores reforçam que, no Aufbau, o “projeto é guiado por uma reconstrução racional do conhecimento científico cuja base é uma ordenação lógica com elementos psicológicos” e que não está comprometido com a análise epistêmica do conhecimento. Eles tentaram defender a tese de que Carnap não é dogmático por defender o convencionalismo e a tolerância linguística, desde que explicitada a clareza das regras o invés de argumentos filosóficos. Segundo ele, em lógica não há moral.
[i] Pedro Henrique Nogueira Pizzutti e
Gelson Liston. O PROJETO LÓGICO-LINGUÍSTICO E EPISTEMOLÓGICO DO AUFBAU DE RUDOLF
CARNAP. Na Revista Problemata, acessado em 10/02/2021 pelo link https://periodicos.ufpb.br/ojs/index.php/problemata/article/view/44612/29117.
Sem a marcação de em qual obra de cada autor está cada argumento, apenas uma tentativa
de expor a visão panorâmica da discussão.
[ii] The logical structure of the world. Aufbau
= construção.
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