Anotações da Palestra de Abertura do “I Simpósio
Internacional de História da Ciência e Epistemologia”, realizada por Milton
Vargas de 9 a 11 de outubro de 1991, em Piracicaba-SP[i].
Em um primeiro
momento, Milton Vargas traz uma concepção da Ciência Moderna, transformadora da
realidade, como uma fusão do que seria a teoria e a techne na Grécia do século
VI ac. A ciência, enquanto atividade construtiva, associa saber, teoria e
atividade, ou seja, há uma via teórica associada a uma via prática.
Se a teoria grega se fazia pela abstração,
a partir de dados essenciais e pela utilização da matemática e da filosofia
passando de uma contemplação para a atividade, a teoria atual é um sistema lógico
composto por enunciados, hipóteses e leis gerais. Há um leque de teorias sobre
a realidade, sobre algo imaginado (como a geometria não-euclidiana) ou teorias
capazes de mudar a realidade (como a marxista) sob os olhares da filosofia,
história e ciência.
A origem da
ciência se liga à filosofia, pois essa última parte do espanto das coisas à
nossa volta, sobre o que é o ente, em que ele consiste. Da árvore, a filosofia
visa extrair a arboridade, isto é, sua quididade. O conceito de ousia
vem dos gregos significando substância, essência ou entidade e a teoria é a
busca por essa ousia. Então, ciência e filosofia tem o viés da episteme,
que é ver teoricamente. Desde Aristóteles, analisando os princípios e as causas
até Heidegger, que diz que, embora o quid procurado possa variar em cada
filósofo e tempo, sempre há um diálogo. Milton Vargas postula o saber
filosófico associado à busca da verdade absoluta, mas pelo diálogo e define a
Filosofia da Ciência como a busca da quididade da ciência que tem como aspecto
principal o espanto.
A técnica não é
a techne. A técnica é tão antiga quanto o homem, pois não há homem sem
instrumento, há um saber-fazer que nasce com o homem da pedra lascada. A techne
só se inicia na Grécia a partir da sistematização da técnica e depois a ars[ii] romana, ambas suportando
a arquitetura, medicina, etc.
No Renascimento, a burguesia, liderada pelos
príncipes, retoma os tratados antigos, mas é só em 1600 que a tecnologia une a
técnica com a experimentação científica. Vargas traz uma metáfora de Spengler: enquanto
o cientista é como o boi que tudo vê “desinteressadamente”, o tecnólogo é como
águia que da o tiro certo. E é predador? Então, a tecnologia, com o
esclarecimento da teoria e a manipulação e controle da técnica se desenvolve em
um mundo aberto ao saber, progressista.
Vargas traz a conceituação de realidade de Julián Marías[iii] como sendo composta pelo
eu mais o que eu encontro no mundo, encontro do subjetivo com o objetivo. O
real é composto por homens e objetos formando a natureza que, se inicialmente
sobrenatural, passa a ser domesticada e instrumentalizada. Também há valores
como o belo e feio, útil e inútil, e pela valoração temos a cultura. Temos ideias
e objetos ideais (formas, números) e Ultimidades[iv]. Tudo isso é a realidade
e a ciência se ocupa do que se dá no mundo: natureza, cultura e ideias.
Por fim, Vargas traz a visão de Jaspers de ciência
moderna[v], que teria como
características: o método, fazer as coisas metodicamente, uma certeza irresistível
(sob certas condições) e validez universal, essa última ao lembrar que a episteme
grega era válida somente no mundo sublunar.
Contudo, se a ciência buscou uma concepção
geral do mundo, o conhecimento se desenvolveu e não abrangeu. De acordo com
Jaspers, o mundo não é um objeto que podemos abarcar, pois só vemos fenômenos e
não o fundo das coisas. Ao não atingirmos a totalidade, nos prendemos na busca
por cada coisa, que é indefinida.
[i] Conforme Ciência, Técnica e
Realidade, Capítulo 1 de Vargas, M. (1994). Para uma filosofia da
tecnologia. São Paulo: Alfa Omega.
[ii] Conforme https://www.eba.ufmg.br/graduacao/materialdidatico/apl001/aula006web.html,
acesso em 02/03/2021: “Arte - do latim ars; corresponde ao termo grego techne
(técnica); significa: o que é ordenado ou toda espécie de atividade humana
submetida a regras. Seu campo semântico se define em oposição ao acaso, ao
espontâneo e ao natural. Arte é um conjunto de regras para dirigir uma
atividade humana qualquer.”
[iii] Julián Marías Aguilera foi um
filósofo espanhol, considerado o principal discípulo de José Ortega y Gasset,
conforme Wikipedia.
[iv] Conceito de Marías abrange o reino
dos mortos, fé, crenças, etc.
[v] O texto de Vargas oscila entre
teoria, ciência, tecnologia, técnica, techne, etc., que muitas vezes se confundem.
Bora pro cap. 2: https://www.reflexoesdofilosofo.blog.br/2021/03/girando-em-torno-da-metafisica.html
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