quarta-feira, 3 de março de 2021

Ciência, técnica e realidade

Anotações da Palestra de Abertura do “I Simpósio Internacional de História da Ciência e Epistemologia”, realizada por Milton Vargas de 9 a 11 de outubro de 1991, em Piracicaba-SP[i].

Em um primeiro momento, Milton Vargas traz uma concepção da Ciência Moderna, transformadora da realidade, como uma fusão do que seria a teoria e a techne na Grécia do século VI ac. A ciência, enquanto atividade construtiva, associa saber, teoria e atividade, ou seja, há uma via teórica associada a uma via prática.

Se a teoria grega se fazia pela abstração, a partir de dados essenciais e pela utilização da matemática e da filosofia passando de uma contemplação para a atividade, a teoria atual é um sistema lógico composto por enunciados, hipóteses e leis gerais. Há um leque de teorias sobre a realidade, sobre algo imaginado (como a geometria não-euclidiana) ou teorias capazes de mudar a realidade (como a marxista) sob os olhares da filosofia, história e ciência.

A origem da ciência se liga à filosofia, pois essa última parte do espanto das coisas à nossa volta, sobre o que é o ente, em que ele consiste. Da árvore, a filosofia visa extrair a arboridade, isto é, sua quididade. O conceito de ousia vem dos gregos significando substância, essência ou entidade e a teoria é a busca por essa ousia. Então, ciência e filosofia tem o viés da episteme, que é ver teoricamente. Desde Aristóteles, analisando os princípios e as causas até Heidegger, que diz que, embora o quid procurado possa variar em cada filósofo e tempo, sempre há um diálogo. Milton Vargas postula o saber filosófico associado à busca da verdade absoluta, mas pelo diálogo e define a Filosofia da Ciência como a busca da quididade da ciência que tem como aspecto principal o espanto.

A técnica não é a techne. A técnica é tão antiga quanto o homem, pois não há homem sem instrumento, há um saber-fazer que nasce com o homem da pedra lascada. A techne só se inicia na Grécia a partir da sistematização da técnica e depois a ars[ii] romana, ambas suportando a arquitetura, medicina, etc.

No Renascimento, a burguesia, liderada pelos príncipes, retoma os tratados antigos, mas é só em 1600 que a tecnologia une a técnica com a experimentação científica. Vargas traz uma metáfora de Spengler: enquanto o cientista é como o boi que tudo vê “desinteressadamente”, o tecnólogo é como águia que da o tiro certo. E é predador? Então, a tecnologia, com o esclarecimento da teoria e a manipulação e controle da técnica se desenvolve em um mundo aberto ao saber, progressista.

Vargas traz a conceituação de realidade de Julián Marías[iii] como sendo composta pelo eu mais o que eu encontro no mundo, encontro do subjetivo com o objetivo. O real é composto por homens e objetos formando a natureza que, se inicialmente sobrenatural, passa a ser domesticada e instrumentalizada. Também há valores como o belo e feio, útil e inútil, e pela valoração temos a cultura. Temos ideias e objetos ideais (formas, números) e Ultimidades[iv]. Tudo isso é a realidade e a ciência se ocupa do que se dá no mundo: natureza, cultura e ideias.

Por fim, Vargas traz a visão de Jaspers de ciência moderna[v], que teria como características: o método, fazer as coisas metodicamente, uma certeza irresistível (sob certas condições) e validez universal, essa última ao lembrar que a episteme grega era válida somente no mundo sublunar.

Contudo, se a ciência buscou uma concepção geral do mundo, o conhecimento se desenvolveu e não abrangeu. De acordo com Jaspers, o mundo não é um objeto que podemos abarcar, pois só vemos fenômenos e não o fundo das coisas. Ao não atingirmos a totalidade, nos prendemos na busca por cada coisa, que é indefinida.



[i] Conforme Ciência, Técnica e Realidade, Capítulo 1 de Vargas, M. (1994). Para uma filosofia da tecnologia. São Paulo: Alfa Omega.

[ii] Conforme https://www.eba.ufmg.br/graduacao/materialdidatico/apl001/aula006web.html, acesso em 02/03/2021: “Arte - do latim ars; corresponde ao termo grego techne (técnica); significa: o que é ordenado ou toda espécie de atividade humana submetida a regras. Seu campo semântico se define em oposição ao acaso, ao espontâneo e ao natural. Arte é um conjunto de regras para dirigir uma atividade humana qualquer.”

[iii] Julián Marías Aguilera foi um filósofo espanhol, considerado o principal discípulo de José Ortega y Gasset, conforme Wikipedia.

[iv] Conceito de Marías abrange o reino dos mortos, fé, crenças, etc.

[v] O texto de Vargas oscila entre teoria, ciência, tecnologia, técnica, techne, etc., que muitas vezes se confundem.

Um comentário:

  1. Bora pro cap. 2: https://www.reflexoesdofilosofo.blog.br/2021/03/girando-em-torno-da-metafisica.html

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