Do maravilhar-se antigo ao contemporâneo[i]
Álvaro Vieira Pinto traz a concepção grega do pensar
racional associado ao estado de espanto. É o maravilhar-se, seja no Teeteto,
de Platão, com a Íris (filosofia) filha de Taumante (maravilha) ou na Metafísica,
de Aristóteles, trazendo o filósofo como amante de mitos, o mito composto de
maravilhas.
Entretanto, para Vieira, ao falar dos gregos não faz
sentido falar em “origem da filosofia” pois, para ele, ela surge com a
capacidade de pensar. O homem antigo, segundo ele, se definia pelo
maravilhar-se pelos céus, ordem perfeita, imutável e inexplicável e que,
portanto, procurava descobrir suas causas.
Sobre o maravilhar-se, Vieira faz uma digressão, trazendo uma série de traduções deturpadas da Antígona, de Sófocles, que mostram o homem como uma das maravilhas da natureza, corrompendo o sentido original. Segundo Vieira, Sófocles não faz menção à noção de maravilha e a tradução da passagem é: “há muitas coisas terríveis, mas nenhuma é mais terrível que o homem”. A má-fé teria se originado da tradução errada do termo “deinós” como maravilha, ao invés de terrível, no contexto correto da peça .
Porém, a atitude do homem antigo se contrapõe à do
homem atual pois, se esse reedita o velho espanto, ele se maravilha diante de
suas próprias obras. E Vieira Pinto caracteriza justamente
esse novo estado de maravilha como sendo a concepção filosófica ingênua. A chamada
“era tecnológica” não passa de um embasbacamento com a ciência moderna e há, segundo
Vieira, um exercício de futurologia que não deixa acabar o encanto atual pois,
se por um lado, há intenção justa, por outro, há a ideologia da propaganda das grandes
nações metropolitanas.
Vieira Pinto analisa o espanto em seu
fundamento histórico e social. No início, havia debilidade das forças produtivas
e então o homem se impressiona com a natureza material. Acontece que o ambiente
rústico se transforma em urbano alterando a função cosmogônica da natureza para
o homem. Ao criar uma natureza artificial e ideológica, quem não tem acesso a tal conforto está
na pobreza ou atraso. Os objetos de conforto, por exemplo, os meios de transporte, passam a
serem vistos como naturais e uma situação como a falta luz já
significa anormalidade.
Se o mundo dos objetos é fonte de reprodução indefinida,
o espanto pelos objetos artificiais vira ideologia. Eles devem ser substituídos
constantemente para não se banalizarem e o próprio maravilhar-se se naturaliza[ii]. Outrora[iii], o assombro era a regularidade
da realidade e havia a tentativa de explicar essa ordem, mas a multiplicação de
artefatos reduz nossa capacidade de maravilhamento. O espanto já não é mais com o Universo,
mas com o próprio “fazer” humano que ocasiona que percamos de vista nossa noção biológica e nos tornemos os criadores do
mundo.
Pois que há o pensamento ingênuo que se agarra ao
absolutismo de uma época e o crítico como fenômeno histórico e social, mediante
o qual se pode ver que sempre os possuidores de bem ideologizam o presente e, no
nosso caso, os trabalhadores esperam pelo barateamento dos bens. O pensamento ingênuo
faz com que, em seu maravilhamento, os grupos sociais dominantes vejam sua época
como privilegiada, como término de um processo de conquistas. Assim, eles sacralizam
o presente para evitar a mudança e domesticar o futuro. Evitando falar em transformações
políticas e sociais, para eles importa as realizações técnicas sempre progredindo.
[i] VIEIRA PINTO, Álvaro. O
Conceito de Tecnologia. Rio de Janeiro: Contraponto, 2005. O homem maravilhado - p 29 e seguintes.
[ii] Vieira Pinto cita que apenas quatro
meses após a ida a Lua as pessoas já estavam cansadas de reverem a cena.
[iii] Reforçando, quando do fraco desenvolvimento
das forcas sociais produtivas.
Parte Um: Análise de algumas noções fundamentais
ResponderExcluirCapítulo I: Em face da "era tecnológica"