Problematizando o livre-arbítrio[i]
Nessa segunda aula, Vitor discute se
existe livre-arbítrio e qual a sua natureza, considerando dois aspectos
importantes, o constitutivo e o ético. Entende-se o livre-arbítrio como o mecanismo que um agente usa para controlar suas escolhas e ações, seja se ele
poderia escolher de outra forma ou se é ele próprio a fonte de sua ação. Isto
é, pode haver mais de uma alternativa de escolha, mas mesmo que seja apenas
uma, é ele que escolhe.
O argumento da consequência, fundado no
determinismo, versa que tudo o que acontece na realidade é oriundo de uma
cadeia de acontecimentos e não temos poder para mudar o passado e as leis. Isto
é, não temos controle sobre nossas ações. Isso posto, não há livre-arbítrio e,
consequentemente, responsabilidade moral porque não podemos agir de outro modo
ou de maneira autônoma.
Caracteriza-se o livre-arbítrio como a
“liberdade de fazer diferente”, seja por uma capacidade física, psicológica ou
com base em desejos. Nesse contexto, há uma vertente compatibilista que aceita
o livre-arbítrio mesmo em um mundo determinado e há os que aceitam o
livre-arbítrio desde que o mundo não seja determinado.
Pela análise categórica, poderíamos agir
de outra forma contanto que não houvesse nenhuma mudança nas “variáveis do
mundo”. Aí ignora-se a causalidade da natureza, incompatibilizando
livre-arbítrio e determinismo.
Pela análise condicional simples um agente
faria o contrário se escolhesse fazer o contrário, mesmo em um mundo
determinado causalmente. Entretanto, parece que a ação poderia ser diferente,
mas não a escolha em si, porque ela seguiria o nexo natural. Parece que as
escolhas estão predeterminadas e oriundas de fatores como cultura, sociedade e
características biológicas, entre outras. Nesse caso, há uma ilusão de escolha,
conforme comenta Vitor.
Então, reformula-se a análise condicional
simples para que o controle ocorra efetivamente na escolha e não somente na
ação, isto é, na capacidade escolher de outra forma, mesmo que não a desejada
ou escolhida, mediante condições de terceiros, que é quando cedemos. Conclui
Vitor que essa formulação de livre-arbítrio associada a desejo ou escolhas é
falha porque não satisfeita somente pelo ator.
Então ele traz o exemplo de um agorafóbico
que não escolhe nem ao menos ficar em casa porque não se trata de uma escolha,
mas de uma imposição psicológica. Ele escolhe ficar em casa dentro dessa
circunstância.
Então, estamos no campo do livre-arbítrio
de escolhas entre alternativas, conforme ressalta Vitor e o que está envolvido
nessa escolha, seja se “escolhemos a escolha” ou se ela decorre de outros
fatores. O agente é livre se prefere uma escolha, não uma ação, mas acabamos
cedendo a outras pessoas ou fatores
Tentando salvar a análise condicional, a
análise condicional pode se valer das propriedades do próprio agente que não
são as leis deterministas da natureza, externas a nós. Ficamos entre uma
incompatibilização do livre-arbítrio com o determinismo ou reformular o que
significa ser livre.
Adentramos no campo das teorias da fonte
da ação, quando provém do próprio agente, sem coerção. Vitor então traz um
experimento mental de um neurocirurgião que instala um chip no paciente que
controla suas ações e é ativado quando ele for tomar uma decisão errada. Ocorre
que ele toma uma decisão correta, por conta própria, sem que tenha sido
necessário ativar o chip. Por um lado, ele fez uma ação positiva,
independentemente das possibilidades alternativas e de não poder agir,
negativamente, de outra forma. Então há responsabilidade moral porque ele foi a
origem da ação.
O dilema Wiederkehr-Ginet procura
problematizar este experimento, mostrando que, em um mundo determinado, mesmo
que o paciente tenha sido a fonte da ação, não se comprova que foi independente
de fatores externos. Já em um mundo indeterminado, se não houvesse o chip, há
possibilidade de agir de forma diferente e agir por conta própria, nesse caso, é
irrelevante.
Então Vitor traz o tema do libertarianismo
que é incompatibilista, e tem versões não causal (espontânea, parece não haver
responsabilidade moral porque aleatória e incontrolável), causal de eventos
(por causas internas, mas difícil de explicar a independência das causas
externas) e de agentes (o agente é a causa primeira, não um evento e aí fica a
mercê das críticas dualistas, como explicar a natureza do agente e como se
relaciona com o mundo físico).
Se o livre-arbítrio postula um “eu” que
toma decisões, há dificuldades de explicar o que é esse tomador de decisão e
como ele age, de um ponto de vista metafísico e no contexto de um mundo
determinado e causal.
Falando dos argumentos contra o
livre-arbítrio, há um argumento a priori, de ordem lógica, já que a liberdade
viola o princípio de razão suficiente e que livre-arbítrio sempre recorre a uma
causa outra daquela ação livre, tendendo a uma sequência infinita para a razão
daquela ação.
Há o argumento da sorte, também a priori e
contra o libertário, que procura enfatizar que se não há causa somos guiados pela
sorte e, portanto, sem liberdade. Entretanto, podemos pensar no controle
metafísico, que procura pelo sujeito como causa real, e no controle epistêmico,
que procura entender por que uma decisão foi tomada. Podemos ter uma escolha
que, mesmo indeterminada, pode ser explicada e compreensível. Vitor comenta
que, trazendo a explicação para dentro do contexto, é um livre-arbítrio
possível e não que busque por todas as causas.
No campo empírico, a posteriori, pesquisas
indicam que o comportamento humano é estatístico, seguindo tendências e não
regras determinísticas. A liberdade seria o caso de quebrar um padrão
estatístico ou ainda dentro dos padrões já que as pesquisas retratam o que as
pessoas querem, de acordo com Vitor.
Então Vitor traz o experimento de Libet[ii] que mostra que há uma
atividade cerebral precedente à decisão consciente indicando uma liberdade
ilusória e a consciência como que justificando a escolha. Mele[iii] entende que esse
potencial de prontidão não passa de uma preparação fisiológica e dentro do
processo contínuo decisório. Além disso, o experimento trata de movimentos
simples e não de um processo complexo de decisão. Também é mencionada a abordagem
de Sapolsky em defesa do determinismo e de que o livre-arbítrio é uma sensação subjetiva,
apenas, um reflexo condicionado de experiências passadas que ele aborda com
exemplos práticos[iv].
Por
fim, argumentos favoráveis ao livre-arbítrio. Primeiro que, por hipótese, seres
racionais são livres para tomarem suas decisões, ainda que isso seja um
postulado ao modo kantiano. De outra forma não teríamos responsabilidade moral
e etc. O’Connor entende que mesmo esse agir racional ainda pode ser
determinado. Há ainda a experiência interna da liberdade que não precisa de explicação
metafisica, mas é intuitiva, ao modo agostiniano. Por fim, do ponto de vista
teórico, o livre-arbítrio pode ser considerado uma crença básica, como um fundamento
da realidade. Os materialistas eliminativistas tentam explicar a realidade sem crenças,
mas ainda não obtiveram sucesso.
[i] Última aula do curso do INEF - Filosofia da Mente (curso): aula de abertura: https://www.youtube.com/live/zHjo3whbSgs?si=9TAJty8-9qV7S23e.
[iv] Vitor discorda por se tratar de estatísticas e, nesse sentido, mostra que não se aplica a todos os casos.
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