sexta-feira, 2 de março de 2018

Não estamos no comando

Daniel Wegner articula a tese de que a vontade consciente é um truque da mente[i]. Segundo ele, a mente é conhecida por pregar peças. Isso quer dizer que as nossas ações podem não ser causadas por nossa vontade e, que desse jeito, a mente exerceria uma autoridade aparente. Apesar do espanto, já que quase todos nós cremos que a mente é uma força ativa, um “motor de vontade”, a vontade consciente, na verdade, não nos revela como nossas ações são causadas e, daí o truque: embora a mente não seja responsável por nossas ações ela “faz com que acreditemos” que sim, ela está no comando. O esquema abaixo ilustra a experiência da vontade consciente onde o caminho real mostrado pela seta amarela é inconsciente, ao passo que acreditamos haver um pensamento que leva a ação (seta roxa), quando eles seriam causados por eventos inconscientes (setas verdes).
Essa experiência consciente é formulada por Wegner como a Teoria da Causação Mental Aparente, que se vale dos princípios de: 1) prioridade - quando um pensamento ocorre na consciência logo antes de uma ação, 2) consistência - quando esse pensamento é consistente com a ação e 3) exclusividade - não há uma causa alternativa acompanhando a ação. Não entraremos nos detalhes desses princípios e de por que eles causariam uma vontade ilusória, mas, para Wegner, é a partir deles que nos imputamos a autoridade sobre nossas ações e experimentamos uma suposta vontade consciente.
O que nos interessa no artigo de Wegner, além da proposta de colocar em dúvida essa relação que seria indiscutível para quase todos nós, são dois tópicos que veremos a seguir. Porém, mostraremos antes, de posse da ilusão da vontade consciente causadora da ação, alguns estudos que, segundo Wegner, explicariam casos estranhos em que há um desencontro entre vontade consciente e ação. Focaremos nos estudos neurocientíficos, como os de Penfield, através dos quais pacientes conscientes sofriam estímulos elétricos no córtex cerebral que provocavam movimentos que eles diziam não terem feito, reduzindo a importância da vontade consciente como causa da ação[ii]. Além desse, destacamos os experimentos de Benjamin Libet que fornecem mais provas de que a vontade consciente pode ser uma experiência que não corresponde à causação. No movimento espontâneo e intencional dos dedos, Libet descobriu que um potencial de prontidão cerebral (PPC), gravado no couro cabeludo, precedeu o movimento em um mínimo de 550ms. Isso apenas indica que algum tipo de atividade cerebral precede, de forma confiável, o início da ação voluntária. No entanto, ao recordar a posição de um relógio em sua consciência inicial de querer movimentar o dedo, os participantes verificaram que ela se seguiu ao PPC por 350-400ms. Então, embora a intenção consciente precedesse o movimento dos dedos, ela ocorreu bem depois de qualquer evento cerebral que o PPC indicou.


O primeiro ponto que gostaríamos de ressaltar é que Wegner usa os termos mente e cérebro indiscriminadamente: “you think of doing X and then do X – not because conscious thinking causes doing, but because other mental processes (that are not consciously perceived) cause both the thinking and the doing.” (p. 65, grifo nosso em processos mentais) e “This finding suggests that the experience of consciously willing an action begins after brain events that set the action into motion.” (p. 66, grifo nosso em eventos cerebrais). Isso fica ainda mais claro na legenda da figura 1: “and these unconscious mental events might also be linked to each other directly or through yet other mental or brain processes.” (p. 66, grifo nosso). Esse ponto é importante para uma teoria epifenomenalista da Filosofia da Mente, o que parece não ser a preocupação de Wegner, muito embora a desmistificação da vontade consciente já seja um passo importante. Mais ainda, Wegner cita “os processos causais atuais”, representados pela seta verde na primeira figura, que indicam que a vontade se origina de processos inconscientes e não refletem a percepção da consciência causando a ação. Inferimos que a consciência causa a ação sem saber do caminho real.
O segundo ponto é a referência que Wegner faz a Hume. A inferência, acima citada, seria causada pela nossa percepção de causalidade. Este sim, um argumento filosófico no sentido de que nos “acostumamos” com a percepção de causalidade que acompanha os eventos no mundo. Ou seja, primeiro vemos, recebemos um estímulo e depois aparece uma consciência. Esses dois pontos se referem tanto a uma suposta ordem de precedência entre cérebro e mente, no tempo, como que hierarquicamente a partir da superveniência de um sobre o outro, etc. Dados esses que podem nos dar subsídios para as pesquisas do Epifenomenalismo.



[i] Wegner DM. The mind's best trick: How we experience conscious will. Trends in Cognitive Science. 2003;7 :65-69. In: https://scholar.harvard.edu/files/dwegner/files/minds_best_trick.pdf (Fornecido pelo prof. Osvaldo Pessoa em junho/2016)
[ii] Esse ponto é importante para estudos futuros de Epifenomenalismo.

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