Se
a consciência é juiz incompetente em matéria de vontade, também a percepção
exterior o é, pois se volta para fora. Então, não é de nossa vontade que se
trata, mas da dos outros seres que se apresentam a nós. A energia cognitiva
deve se concentrar no exame desse objeto exterior através da lei da causalidade,
que nos é conhecida a priori, e versa
sobre fenômenos que aparecem a partir de causas e efeitos com regressão infinita
(efeito<=causa<=efeito<=causa... não se descobre o ponto inicial!). Para
Schopenhauer, a forma geral de nossa inteligência é dada pelo princípio de
causalidade kantiano, por ele recuperado como princípio de razão suficiente, e
significa que, dada uma causa, há produção do efeito, necessariamente. Assim,
todos os seres da experiência que nos são dados como objetos reais, divididos
em inorgânicos, vegetais e animais, estão submetidos a esse princípio, nas
seguintes formas motoras: 1) Causalidade, 2) Excitação e 3) Motivação.
A
causalidade é caracterizada pelas segunda e terceira lei de Newton (identidade
de ação e reação e intensidade do efeito proporcional à intensidade da causa) e governa
as mutações mecânicas, físicas e químicas distintivas dos corpos inorgânicos. A excitação governa o desenvolvimento da vida
vegetal e não segue as leis de Newton. Por isso, há um grau de excitação que
ultrapassado produz resultado inverso. Por exemplo, a água faz a planta crescer,
mas, em excesso, a faz morrer. Já a motivação é distintiva dos seres animais e
supera as excitações, dado que as suas necessidades são mais complexas e seus
movimentos dependem da escolha de diversos motivos. Essa é a vontade, representação da inteligência guiada por um objeto exterior. Ao passo que a
excitação se dá pelo contato imediato da causa excitadora (luz, por exemplo)
com o efeito no objeto por intermédio da atmosfera, o intermediário da
motivação é a inteligência e, independentemente de que distância um objeto esteja
do sujeito, não se poderá prever a influência que será exercida sobre ele. Há a
atividade de uma “força vital” nos vegetais, aparente, e a atividade de uma
força natural nos animais, que se esconde no interior de cada consciência. Essa
mola propulsora é caracterizada por Schopenhauer como a vontade, que conduz o nosso
movimento e é comparada à coisa em si
de Kant.
Como
os animais não passam da representação sensível, eles agem influenciados pelos
objetos que lhe são acessíveis em determinado momento. Esse é o instinto
animal, guiado sempre por um motivo mais forte que determina sua vontade. Já a
inteligência humana é muito superior à de outros animais, pois, pelo poder de
abstração da razão, combina palavras em conceitos universais pela faculdade do
pensamento e forma representações não sensíveis através das quais pensa e
reflete e agrega, para sua escolha, objetos ausentes além dos objetos
exteriores que a influenciam. Na maioria das vezes, são esses pensamentos
que orientam a ação e não o que se apresenta externamente naquele momento. Tal
existência interior revela a intencionalidade
da ação humana, desconhecida dos animais. Mas a diferença não passa disso: o
pensamento do homem se torna um novo motivo que pode, por força do intelecto,
ser revisitado quando a vontade se encontra sob a causalidade oriunda da percepção
exterior. Essa operação é a deliberação.
(*) Schopenhauer, Arthur. O Livre Arbítrio
- Col. Saraiva de Bolso. Considerações iniciais do capítulo terceiro (p. 51-63).
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