Seguindo
o modelo emprestado da Genealogia da
Moral, de Nietzsche[2],
Foucault afirma que em toda sociedade há práticas e, ao se perguntar sobre o
surgimento da prisão, nesse seminário e no próximo, analisará a prática de
castigar. Já Nietzsche, lá, afirmava que bem e mal são valores transcendentes,
são criações humanas que se estabelecem perante relações de poder. Essas
relações de poder, para Foucault, estão associadas a um saber: há produções de
verdade em cenários de conflito e as práticas de castigo produzem verdade. Nesse
estudo sobre as instituições penais, Foucault verificará que práticas jurídicas
(saberes) produzem castigos (verdades). Relações de poder produzem saberes que
retroalimentam o mesmo poder [dominante, estabelecido].
Aqui,
Gustavo faz uma digressão, a saber, compara a equação de poder de Foucault com
a teoria marxista. Em Marx, há um vínculo entre poder e saber, a conhecida
ideologia. Porém, a ideologia, enquanto conjunto de falsas representações do
mundo porque se orientando pelos interesses de quem manda, está associada aos
donos dos meios de produção. Ou seja, o poder é “um algo” que deve ser tomado[3].
Mesmo Althusser, mestre de Foucault, referia o poder aos donos da produção. Já
em Foucault, o poder não é só criação dos poderosos, mas depende dos dominados.
O poder não está somente de um lado, mas em uma relação de forças e é nesse
cenário de conflito que surge um saber. Essas relações de forças não são fixas,
estáveis, senão que há um movimento, tensão constante e um novo saber modifica
a relação de poder. Vejamos um exemplo prático das estratégias de poder. No
início do capitalismo industrial, os donos dos meios de produção criaram uma “caixinha”
financeira que serviria de provento para os momentos de crise e que pudesse
manter os empregados vinculados ao patrão, enquanto a situação não melhorasse. Porém,
como a crise não veio, os empregados passam a pedir demissão de seu emprego
atual em busca de novas posições, já que conseguiam se sustentar por algum tempo
com a renda proveniente dessa caixinha. Ou seja, uma ideia para dominar promove
uma possibilidade de ascensão e a prática se expande. Por fim, esse novo saber
gera uma retaliação do poder: fica proibido o resgate dessa caixinha em casos
de demissão.
No caso
do nascimento da prisão, Foucault se pergunta quais eram as forças em luta para
criar o conceito de uma sociedade disciplinária, que teria surgido no século
XIX, a partir dos saberes emergentes das ciências humanas: psicologia,
sociologia, etc. Ao fazer a genealogia das formas jurídicas para a resolução de
conflitos, Foucault identifica a medida, o inquérito e o exame. A forma da
medida é a da resolução de conflitos no mundo grego, onde ou se jura pelos
deuses ou se enfrenta o oponente a partir de um desafio, em busca da verdade no
litígio. A segunda forma, da investigação, é uma técnica que, apesar de oriunda
da tragédia de Édipo Rei[4],
toma lugar no início da renascença, a partir dos saberes empíricos empregados
pelas ciências da natureza. É o método da observação e descrição de Bacon,
Newton, usado na prática jurídica para colher o depoimento das testemunhas do
litígio, quem viu o ocorrido, como pode ser provado, etc. A terceira forma jurídica
de descobrir a verdade é o exame, que é característico da sociedade disciplinária,
panóptica. Ela se orienta por uma norma, determinada regra de conduta que deve
ser seguida.
Definamos
Disciplina: conjunto de técnicas e procedimentos para produzir corpos economicamente rentáveis e
politicamente dóceis. A Disciplina é usada por Foucault para mostrar como se controla a população de maneira individual (microfísica) ao passo que depois
será usado o termo Biopolítica para tratar do controle geral. Na Disciplina, o
poder invade o mais íntimo do ser e chega ao mais corporal possível. Novamente
relacionando com o marxismo, verifica-se que a doutrina foca no aparato de
estado e não vê ao nível de corpos. A sociedade disciplinária surge para fazer
os corpos cumprirem sua função de produzir e tem por objetivo a normalização
dos corpos. Nesse contexto do século XIX, anormal é aquele corpo que não é
economicamente produtivo ou aquele corpo que não é politicamente dócil[5].
A sociedade disciplinária precisava dos conhecimentos humanos para normalizar,
mas, ao fazê-lo, produz o anormal.
O
conhecimento humano, a sociologia, cria um saber para dominar. Durkheim estuda
o suicídio: por que tantos? Corpos não se adaptam, é preciso enquadrá-los,
restabelecer o equilíbrio. Mas se as ciências humanas são saberes da sociedade
disciplinária, ainda assim há uma filosofia social como a de Marx, que reage a
essa sociedade. E a saída pode ser a revolução...
(*) Conforme informações fornecidas pelo Prof. Dr.
Gustavo Adolfo Romero, em: “81565 - Michel Foucault, filósofo de la verdad. Un
estudio de sus cursos en el Collège de France”.
1º Summer School da FFLCH: Janeiro/2018.
[2] Segundo informação fornecida pelo prof.
Gustavo, Nietzsche tinha teses brilhantes, porém lhe faltavam fontes
históricas. Isso porque, como se sabe, a doença de Nietzsche fazia com que ele
se deslocasse constantemente e tivesse pouco acesso aos livros. Apesar da Genealogia da Moral ser um tratado
sistemático, segundo Gustavo, Foucault, frequentador da Biblioteca Nacional da
França, pode realizar seus estudos de maneira muito mais embasada.
[3] Vemos essa mesma concepção de poder em
Espinosa, o poder como uma força com propriedade ontológica.
[4] Édipo busca com tanto empenho a verdade que não a suporta.
[5] O Anormal: o hermafrodita, os
siameses são problemas para a ordem judicial e trazem questões legais. Quem
decide a sexualidade dx hermafrodita? Um siamês que matou alguém, como
prendê-lo sozinho, sem o outro?
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