sexta-feira, 2 de maio de 2025

Introdução ao livre-arbítrio

Aborda aspectos desse conceito tão complexo e multifacetado[i]

A questão da liberdade. Vitor Lima introduz o tema problematizando a questão da liberdade[ii], se agimos espontaneamente ou envoltos pela cultura e sociedade e que levanta reflexões existenciais, metafísicas e éticas. O livre-arbítrio, inicialmente, estaria ligado ao controle de nossas ações e se relacionando com a filosofia da mente, dependendo de cada teoria. Assim, a causalidade das ações pode ser livre (mente com natureza imaterial) ou determinada (mente física regulada por leis, possivelmente sem escolha). O desafio é explicar a liberdade dentro de um mundo físico, tema tratado no idealismo alemão, conforme lembra Lima, pelo escape da mente do mundo material rumo ao ideal, seja um “eu” ou o absoluto.

Liberdade e filosofia da mente. Entrando na filosofia da mente, para o dualismo a mente, sendo imaterial, não está sujeita a leis físicas, abrindo espaço para a vontade livre, mas trazendo problemas na explicação de como a mente se relaciona com o corpo, sendo coisas diferentes. Já o fisicalismo, postulando uma mente física, precisa responder se há liberdade. Se parece que as teorias físicalistas, mais populares atualmente, tem maior proximidade com a ciência, conforme ressalta Lima, ainda há falta de explicação. Outra teoria importante, o funcionalismo pode pleitear processos que sejam ou não determinísticos, independentemente do suporte material. Nessa visão de mente como software e dentro de um sistema arquitetural e com regras, há dificuldade em encontrar a liberdade. Por fim, o eliminativismo interpreta o livre-arbítrio como um conceito que pode ser redefinido, tratando-o como ilusão porque não usa os termos da psicologia popular.

Temas centrais. Entrando em questões centrais do livre-arbítrio, Lima contrasta liberdade de ação com autodeterminação, o valor de uma ação moral e sua responsabilização e implicações sobre qual a natureza da realidade e o sistema ético que a ela está atrelado.

Determinismo. Mas é o determinismo[iii] ponto de partida para Vitor Lima, conceituado como mundo regido por leis naturais e nada além disso, do ponto de vista metafísico, isto é, mesmo que algo nos pareça “surpreendente”, como que com uma causa outra qualquer, isso seria porque não conhecemos (do ponto de vista epistemológico) todas as variáveis que atuam sobre o mundo físico, se mantido esse enfoque determinista.

Determinismo e correlações. Vitor associa o determinismo ao princípio de razão suficiente[iv] (PRS) proposto por Leibniz, isto é, tudo o que existe tem uma razão suficiente que o causa, como uma explicação para as coisas serem como são, embora não restrito ao mundo físico, porque Deus entra na causa das razões como causa primeira, à maneira de Aristóteles ou Tomás. Então, o determinismo não busca a cadeia de causas, como o PRS. Vitor também distingue o determinismo do fatalismo, quando as coisas acontecem independentemente de uma ação, associado a algo sobrenatural: “aconteceu porque tinha que acontecer”. Por fim, o determinismo não se confunde com a previsibilidade, Vitor traz o exemplo do demônio de Laplace – uma entidade que tudo sabe e conhece todas as leis – ela poderia prever o futuro? Vitor ressalta que o determinismo independe se podemos ou não prever o futuro (e vice-versa), mesmo uma inteligência infinita teria dificuldade de lidar com a complexidade do caos.

Inserindo livre-arbítrio pela visão antiga-helenística. Voltando ao livre-arbítrio, Lima pontua que este é tema em debate e remete sua origem seja a Agostinho (origem na intenção) ou ao Epiteto (origem externa). Em Platão, há conceituação da razão como guia de instintos e desejos, trazendo harmonia interna e implicando liberdade. Em Aristóteles parece que há um conceito de vontade que parte de um processo de deliberação interna, mesmo que baseado em fatores externos, mas garantido autonomia. Aristóteles não se vale de princípios universais, como é o caso platônico, o estagirita presta atenção nas situações particulares, mas ambos alçam a razão ao patamar elevado na condução das ações. Os estoicos e epicuristas acreditam que tudo é corpóreo e sujeito a leis naturais, portanto deterministas. Vitor pontua que os estoicos eram compatibilistas por aceitarem o livre-arbítrio no sentido de que nossas ações dependem de nós. Os epicuristas entendiam que a natureza da realidade podia ter desvios, fugindo de um determinismo rígido.

O livre-arbítrio na filosofia medieval. Então Vitor traz Agostinho que, neoplatônico, tem sua visão teológica e cristã e, nessa abordagem, busca incluir a liberdade humana (livre-arbítrio) dentro de um mundo criado por um Deus onisciente. E é por aí que o mal tem espaço para agir, a partir de uma vontade má que, lá na frente, buscará a salvação divina. Filosoficamente falando, em Agostinho a vontade é autodeterminante e racional, não determinada por fatores externos e nem por outras faculdades internas, como pontua Vitor. Embora os desejos nos desestabilizem, a verdadeira liberdade deve buscar o Bem – ideia platônica reguladora de uma realidade ordenada, agora transformada em Deus (transubstanciada?). Então, a liberdade é, contra intuitivamente, obedecer a Deus e não se manter indeterminada[v].

Modernos e contemporâneos. Resumidamente, a questão moral permeia o livre-arbítrio porque sem ele não teríamos responsabilidades pelos nossos atos, ainda que ela remeta a Deus como norma de ação. Por outro lado, a descrição do mundo é primariamente fisicalista, cientificista e dificulta a explicação do livre-arbítrio, quando podemos lembrar do PRS como pilar da metafísica moderna. Mas o livre-arbítrio se situa entre agir de outra forma ou autodeterminadamente, conciliando com a responsabilidade moral. Já Espinosa é uma voz destoante nesse debate porque traz uma visão necessitarista – as coisas acontecem assim porque deveriam acontecer, retirando margem de liberdade e sendo um cético radical do livre-arbítrio. Como o Deus de Espinosa[vi] é a natureza, ele não delibera, não pune e nem recompensa. Porém, é exatamente por não esperarmos uma recompensa que a ação moral deve ser virtuosa em si mesma. Não devemos desejar nada além do que deve ser, mas orientar o que queremos para o que irá acontecer, ou seja, desejar o que já aconteceria, aceitando a realidade. Nas palavras de Vitor Lima: “liberdade não é livre-arbítrio, mas harmonização entre aquilo que acontece e aquilo que você quer que aconteça”, não lutar contra a “verdade das coisas”.[vii]



[i] Conforme a aula do canal INEF no YT: https://youtu.be/DxQS_1Bi8o8, usa como fontes SEP: Determinismo causal https://plato.stanford.edu/entries/determinism-causal/ e livre-arbítrio https://plato.stanford.edu/entries/freewill/.

[ii] Lembremos, foi o primeiro tópico explorado nesse espaço, quando especulávamos de modo bem iniciante sobre temas aleatórios: https://www.reflexoesdofilosofo.blog.br/2013/11/liberdade-liberdade-liberdade.html.

[iii] Interessante, no nosso Espaço, Liberdade aparece muito e determinismo muito pouco. Aqui on passant: https://www.reflexoesdofilosofo.blog.br/2024/11/revisitando-o-mito-cartesiano.html, mas associado livre-arbítrio e ao mito. De toda forma vamos precisar olhar o Prigogine – ele fala de caos e ali pode abordar o assunto, a ver. Claro, essa oposição é tema clássico, lembremos a terceira antinomia, por aqui bastante abordada.

[v] Vitor passa lateralmente por Aquino que concilia a visão aristotélica com a cristã e também mantem a primazia da razão sobre a vontade.

[vi] Conforme https://www.reflexoesdofilosofo.blog.br/2017/02/deus-ou-seja-natureza1.html e o resumo da IA: O texto discute a filosofia de Espinosa, focando em sua caracterização de Deus e sua visão revolucionária.  Espinosa contesta a visão tradicional de Deus, argumentando que Deus, ou seja, a Natureza, é a única substância, eterna e livre, que causa a si mesma e a todas as coisas no universo.  Ele rejeita a ideia de um Deus pessoal, com intelecto e vontade, que cria o mundo por escolha, e em vez disso, propõe uma "ontologia do necessário", onde tudo é determinado pela natureza divina.  Essa despersonalização de Deus tem implicações políticas, libertando o campo político da imagem de governantes com poderes divinos.

[vii] Ao final da aula, três breves assuntos foram tratados, registremos: 1.) dignidade do herói, oriundo da tragédia, mas que enfatiza o caráter do herói a seguir princípios para além dos atos de coragem; 2.) amor fati, que se refere a amar o próprio destino, tema tratado pelo estoicismo e Nietzsche, lidar com as dificuldades da vida; 3.) por fim lembrar que a conceituação determinista de universa está mais associada a uma visão de mundo clássica, hoje há espaço para a probabilidade, por meio da física do século XX.

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