Investiga se as formas platônicas podem ser
consideradas universais ou particulares
Teoria das formas ou ideias.
Sabemos que a teoria das formas, proposta por Platão, é uma das possibilidades
de resolver o problema de Parmênides[i]. Há o mundo das formas onde
habitam Beleza, Justiça, Igualdade, entre outras e há o mundo sensível,
acessível a nós, onde as coisas são cópias das formas (ou ideias). Platão, no diálogo
Parmênides, caracteriza a relação entre elas de “participação”, isto é, uma
coisa bela participa da Beleza, mas não é o Belo[ii]. Porém, esse tipo de
teoria levanta muitas questões que são abordadas por ele nesse diálogo, principalmente
de ordem lógica. Algumas delas nós verificamos na dissertação da nota anterior,
e uma pergunta: as formas platônicas poderiam ser consideradas universais ou
particulares? Nesse ínterim, apontamos para um possível nominalismo em Platão,
que pode assim ser caracterizado dadas as dificuldades que ele tem de lidar com
as objeções[iii].
Definições.
Lembremos que um particular é algo que nos é dado pela sensação enquanto um universal
é compartilhado por muitos particulares, como uma qualidade daquele particular,
por exemplo, ser belo. Se assumimos que essas qualidades são coisas elas mesmas
particulares, temos uma posição nominalista, mas, por outro lado, considerando algumas
dessas qualidades não como particulares, mas como universais, estamos em uma
posição realista.
Crítica dos contrários.
Uma das primeiras críticas apresentadas por Zenão, versa a respeito da pluralidade
das coisas, resguardando o princípio parmenidiano de que “o ser é, e o não ser
não é”. Ora, se uma coisa é justa, ela é semelhante à Justiça, mas dessemelhante
à Injustiça, parecendo aí haver uma contradição lógica, isto é, a coisa
participa do Semelhante e do Dessemelhante. Ou, é justa em um momento e injusta
em outra, não se mantendo uma suposta semelhança.
Distinguindo semelhanças.
Mas, não é o que acontece, conforme salienta Platão, porque temos de considerar
coisas que são simplesmente semelhantes de coisas que são
semelhantes, mas não simplesmente semelhantes. Há objetos que compartilham
semelhanças em certas características, mas possuem diferenças em outras, ou
seja, o segundo caso. A participação de uma coisa em uma Forma implica uma
semelhança deficiente com essa Forma, enquanto a Forma perfeitamente se
assemelha a si mesma.
Unidade da forma.
As coisas "participam" de uma Forma de maneira imperfeita, enquanto a
Forma em si possui uma qualidade de forma absoluta e as Formas em si não podem
ser uma pluralidade; a Forma da Unidade é simplesmente Uma. Citemos: “Mas se
alguém puder provar que o que é simplesmente a Unidade em si é muitos ou que a
Pluralidade em si é uma, então começarei a ficar surpreso.” Para evitar a
conclusão de Parmênides, Platão insiste que as Formas permanecem puras e sem
contradições, enquanto os objetos do mundo sensível podem exibir semelhanças e
diferenças simultaneamente.
Indivisibilidade das Formas. Segunda
crítica. Ocorre que, quando uma forma participa de muitas coisas, ela parece se
dividir e, para respeitar o princípio da "Discernibilidade de
Não-Idênticos", ela deveria diferir de si, o que contradiz a ideia de que
as Formas possuem um caráter único e indivisível. Mas, como só possuem uma
característica, não deveriam ser discerníveis.
Metáfora da Vela.
O argumento parmenidiano da metáfora da vela (ou lona) traz dificuldades. Podemos
pensar que a vela grande cobre várias pessoas, mas aí ela estaria em vários ao
mesmo tempo, ferindo o princípio da unidade. Podemos pensar, por outro lado,
que cada pessoa é coberta por um pedaço da vela, mas isso fere o princípio da indivisibilidade.
Ainda há a possibilidade de que cada pessoa fosse coberta por um pedaço
diferente da vela, mas, nesse caso, como comparar cada pedaço da vela presente
em cada pessoa?
Separação das formas.
Brownstein argumenta que a necessidade de Platão responder aos argumentos de
Parmênides o leva a uma posição nominalista. Para evitar que as Formas sejam
divisíveis (o que violaria os princípios de Parmênides), Platão precisa
separá-las do mundo sensível. Essa separação, no entanto, dificulta a
explicação de como as coisas participam das Formas.
Particularização das formas. Brownstein
sugere que Platão, ao priorizar a unidade das Formas, acaba sacrificando sua
imanência nos objetos comuns. Isso implica que a Forma (círculo, por exemplo)
não é necessariamente universal, e a distinção entre universal e particular se
torna menos clara. Em vez de uma qualidade universal compartilhada, a
participação em uma Forma se assemelha a uma atribuição de nome ou marca. Isso
coloca a Forma em um nível superior, dotada de qualidades superparticulares, em
vez de ser uma característica universal compartilhada pelos objetos.
[i] Como vimos aqui: https://www.reflexoesdofilosofo.blog.br/2025/02/o-problema-de-parmenides.html
[ii] Monstramos a relação de participação
no segundo capítulo da dissertação https://drive.google.com/file/d/16_oIdJMEAtmrv-aATZiUSMe_7HsD-QvF/view?usp=drive_link - UNIVERSALS IN THE “THEORY OF
FORMS” OR “THEORY OF IDEAS”, disciplina LÓGICA I, 1o Semestre de 2013 (FLF0258
- Rodrigo Bacellar). Não consideraremos agora a perspectiva de Russell que,
utilizando um contexto linguístico, argumenta que as relações entre as coisas
na linguagem podem levar a uma interpretação universalista da teoria das formas.
[iii]
Assim pensa Brownstein que usamos como fonte: Donald Brownstein, Aspects of the
Problem of Universals. Lawrence: University of Kansas Publications, Humanities
Studies, 44, 1973, principalmente Capítulo IV: Platonismo e a Rejeição do
Universal.
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