quarta-feira, 30 de abril de 2025

Superparticulares

Investiga se as formas platônicas podem ser consideradas universais ou particulares

Teoria das formas ou ideias. Sabemos que a teoria das formas, proposta por Platão, é uma das possibilidades de resolver o problema de Parmênides[i]. Há o mundo das formas onde habitam Beleza, Justiça, Igualdade, entre outras e há o mundo sensível, acessível a nós, onde as coisas são cópias das formas (ou ideias). Platão, no diálogo Parmênides, caracteriza a relação entre elas de “participação”, isto é, uma coisa bela participa da Beleza, mas não é o Belo[ii]. Porém, esse tipo de teoria levanta muitas questões que são abordadas por ele nesse diálogo, principalmente de ordem lógica. Algumas delas nós verificamos na dissertação da nota anterior, e uma pergunta: as formas platônicas poderiam ser consideradas universais ou particulares? Nesse ínterim, apontamos para um possível nominalismo em Platão, que pode assim ser caracterizado dadas as dificuldades que ele tem de lidar com as objeções[iii].

Definições. Lembremos que um particular é algo que nos é dado pela sensação enquanto um universal é compartilhado por muitos particulares, como uma qualidade daquele particular, por exemplo, ser belo. Se assumimos que essas qualidades são coisas elas mesmas particulares, temos uma posição nominalista, mas, por outro lado, considerando algumas dessas qualidades não como particulares, mas como universais, estamos em uma posição realista.

Crítica dos contrários. Uma das primeiras críticas apresentadas por Zenão, versa a respeito da pluralidade das coisas, resguardando o princípio parmenidiano de que “o ser é, e o não ser não é”. Ora, se uma coisa é justa, ela é semelhante à Justiça, mas dessemelhante à Injustiça, parecendo aí haver uma contradição lógica, isto é, a coisa participa do Semelhante e do Dessemelhante. Ou, é justa em um momento e injusta em outra, não se mantendo uma suposta semelhança.

Distinguindo semelhanças. Mas, não é o que acontece, conforme salienta Platão, porque temos de considerar coisas que são simplesmente semelhantes de coisas que são semelhantes, mas não simplesmente semelhantes. Há objetos que compartilham semelhanças em certas características, mas possuem diferenças em outras, ou seja, o segundo caso. A participação de uma coisa em uma Forma implica uma semelhança deficiente com essa Forma, enquanto a Forma perfeitamente se assemelha a si mesma.

Unidade da forma. As coisas "participam" de uma Forma de maneira imperfeita, enquanto a Forma em si possui uma qualidade de forma absoluta e as Formas em si não podem ser uma pluralidade; a Forma da Unidade é simplesmente Uma. Citemos: “Mas se alguém puder provar que o que é simplesmente a Unidade em si é muitos ou que a Pluralidade em si é uma, então começarei a ficar surpreso.” Para evitar a conclusão de Parmênides, Platão insiste que as Formas permanecem puras e sem contradições, enquanto os objetos do mundo sensível podem exibir semelhanças e diferenças simultaneamente.

Indivisibilidade das Formas. Segunda crítica. Ocorre que, quando uma forma participa de muitas coisas, ela parece se dividir e, para respeitar o princípio da "Discernibilidade de Não-Idênticos", ela deveria diferir de si, o que contradiz a ideia de que as Formas possuem um caráter único e indivisível. Mas, como só possuem uma característica, não deveriam ser discerníveis.

Metáfora da Vela. O argumento parmenidiano da metáfora da vela (ou lona) traz dificuldades. Podemos pensar que a vela grande cobre várias pessoas, mas aí ela estaria em vários ao mesmo tempo, ferindo o princípio da unidade. Podemos pensar, por outro lado, que cada pessoa é coberta por um pedaço da vela, mas isso fere o princípio da indivisibilidade. Ainda há a possibilidade de que cada pessoa fosse coberta por um pedaço diferente da vela, mas, nesse caso, como comparar cada pedaço da vela presente em cada pessoa?

Separação das formas. Brownstein argumenta que a necessidade de Platão responder aos argumentos de Parmênides o leva a uma posição nominalista. Para evitar que as Formas sejam divisíveis (o que violaria os princípios de Parmênides), Platão precisa separá-las do mundo sensível. Essa separação, no entanto, dificulta a explicação de como as coisas participam das Formas.

Particularização das formas. Brownstein sugere que Platão, ao priorizar a unidade das Formas, acaba sacrificando sua imanência nos objetos comuns. Isso implica que a Forma (círculo, por exemplo) não é necessariamente universal, e a distinção entre universal e particular se torna menos clara. Em vez de uma qualidade universal compartilhada, a participação em uma Forma se assemelha a uma atribuição de nome ou marca. Isso coloca a Forma em um nível superior, dotada de qualidades superparticulares, em vez de ser uma característica universal compartilhada pelos objetos.



[ii] Monstramos a relação de participação no segundo capítulo da dissertação https://drive.google.com/file/d/16_oIdJMEAtmrv-aATZiUSMe_7HsD-QvF/view?usp=drive_link - UNIVERSALS IN THE “THEORY OF FORMS” OR “THEORY OF IDEAS”, disciplina LÓGICA I, 1o Semestre de 2013 (FLF0258 - Rodrigo Bacellar). Não consideraremos agora a perspectiva de Russell que, utilizando um contexto linguístico, argumenta que as relações entre as coisas na linguagem podem levar a uma interpretação universalista da teoria das formas.

[iii] Assim pensa Brownstein que usamos como fonte: Donald Brownstein, Aspects of the Problem of Universals. Lawrence: University of Kansas Publications, Humanities Studies, 44, 1973, principalmente Capítulo IV: Platonismo e a Rejeição do Universal.

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