Defende que a AI é uma tecnologia revolucionária, mas não é uma revolução tecnológica[i]
Basicamente, Carlota Perez pontua que,
apesar de seu caráter revolucionário, a IA faz parte da revolução tecnológica em
andamento e iniciada há 50 anos[ii]. Obviamente, a IA é fator
chave, mas a revolução da tecnologia da informação e comunicação (TIC)
começou com os microprocessadores[iii] em 1970 e se aprofundou
com a internet, nos anos 90, estimulada pelo governo dos EUA.
Ponto chave que ela destaca é a capacidade
que a TIC deve ter de gerar progresso social e ambiental, como aferido em outras
revoluções. Ela cita seu livro Technological Revolutions and Financial
Capital[iv],
onde argumenta que períodos iniciais revolucionários são permeados por crises criativas
destruidoras em todas as áreas econômicas, demandadas pelos mercados, e que possibilitam
surgir novas tecnologias que eliminam empregos e demandas novas habilidades. Porém,
passado o efeito inicial, as regulações devem surgir para orientar os ganhos
sociais, mas é a forma dessas inovações que determina as decisões econômicas dos
atores envolvidos (investidores, empresas, governos e famílias).
De acordo com Perez, o advento da
computação tenta transformar a noção de mudança tecnológica como capaz de
revolucionar, dado seu caráter inovador, seja a tecnologia verde ou
criptomoedas. Mas, se há estágios de inovação, como os citados processadores e a
globalização, ela afirma que “uma tecnologia revolucionária não é a mesma coisa
que uma revolução tecnológica”[v], isto é, a inteligência artificial
está dentro da revolução tecnológica vigente. Se a IA, assim como a internet
das coisas IoT e a robótica, pode constituir um terceiro salto inovador, ainda depende
dos anteriores (da internet, que depende dos chips). E ainda muito no campo da mecanização
do trabalho mental, sem tantas mudanças na forma de trabalho manual que podem
vir a ocorrer nesse paradigma de transformação digital.
Paralelo histórico.
Notadamente, para Perez, o ponto crucial é a mudança inovadora da base técnica,
de materiais e infraestrutura, introduzindo novos insumos e fontes de energia, alavancando
transporte e comunicação e reduzindo custos. Isso teria ocorrido em revoluções
anteriores e capazes de transformar economias e sociedades, conforme ela cita: a
Revolução Industrial (1770); a era do vapor e ferrovias (1830); a era do aço, eletricidade
e engenharia pesada (1870); a era do petróleo, automóvel e produção em massa (1910);
e a atual era das TIC, a partir da década de 1970. Mas não é o caso da inteligência artificial e ela usa alguns exemplos de comparação para mostrar que uma revolução tecnológica
não se limita a tecnologia.
O que é uma revolução? Perez
explica que uma revolução tecnológica traz mudanças governamentais e na
sociedade, como a ascensão do populismo que acontece pela destruição criativa
que comentamos, isto é, pela substituição de tecnologias. Ela ilustra o ponto de
que uma inovação não é capaz de provocar o efeito do fascismo e comunismo que
floresceram a partir da era da revolução das massas (linha de montagem, 1913 – Henry
Ford) atingindo seu ápice no pós-guerra.
Há inovação dentro da revolução e Perez
compara a IA com o plástico, introduzido na revolução que acabamos de comentar.
Produtos petroquímicos, como poliestireno, náilon e borracha sintética impulsionaram
usos industriais infinitos, assim como é o caso da IA penetrando em todos os setores,
deslocando habilidades, mas não sendo em si a revolução, mas uma tecnológica revolucionária.
Assim como o surgimento da eletricidade na
era da engenharia pesada, capaz de deslocar a dependência do carvão e vapor ao conectar
as máquinas diretamente na rede com grande impacto na produção. A iluminação fez
parte da Belle Époque, nos teatros, hotéis e ruas da cidade, até chegar na casa
de todas as pessoas, substituindo velas e lampiões a querosene. Entretanto,
conforme Perez, “certamente parecia uma revolução”, mas dependia do aço e
estava inserida nessa revolução, como as indústrias químicas e civil, por
exemplo. Ou o caso da substituição do ferro pelo aço, que ela também aborda.
Uma revolução numa encruzilhada.
Por fim, Perez pontua os problemas da revolução tecnológica atual e aponta
diretrizes.
Continuando a análise, cada revolução
tecnológica possibilita o surgimento de tecnologias revolucionárias, como a IA,
hoje em dia, mas que se integram em um processo maior ou são precursoras de novos,
como foi o caso da eletricidade e o aço, como foi o caso do computador, na TIC,
até se tornar um aparato comum. Mas ela enfatiza que esse destaque da IA como
revolucionária se dá pelo que já pudemos ver das tecnologias inovadoras que a
TIC trouxe e que tornou alguns bilionários e certamente pode ser a base para
uma eventual sexta revolução, possibilitando bio e nanotecnologias.
Contudo é fundamental gerenciar o processo
de maturidade da TIC, já que podemos ver tecnologias se espraiando em direções imprevistas,
trazendo resultados disfuncionais e mudanças climáticas irrefreáveis. Isso passa,
segundo ela, por investimentos governamentais em tecnologias verdes, mas fundamentalmente
uma fuga do capitalismo rentista que permita conectar o sistema financeiro às
economias reais, ao invés de operar como um cassino global.
Ora, temos as tecnologias, mas nos falta a
política, haja visto as incongruências que vemos hoje: má distribuição de
renda, desastres climáticos, inovações desperdiçadas e crises migratórias. Se
sombrio, o cenário ainda não é o da década de 1930 que moldou grandes transformações.
Mas são as instituições que precisam guiar a TIC para um caminho de crescimento
global sustentável, verde, digital e justo. E que inovações, como a IA,
caminhem com investimentos corretos para a economia, sociedade e meio ambiente.
Finalizando, Perez ressalta que há um
papel preponderante para a IA e inovações adjacentes, como robótica, computação
quântica e genética, na construção de nosso futuro, mas isso passa pela conexão
dos mercados com a economia real e desenvolvimento sustentável.
[i] Notas sobre What Is AI’s Place in History? https://www.project-syndicate.org/magazine/ai-is-part-of-larger-technological-revolution-by-carlota-perez-1-2024-03, em 26 de abril de 25.
[ii] Carlota Perez é professora do
Instituto de Inovação e Propósito Público da University College London. https://carlotaperez.org/. Quem nos alertou
sobre ela foi o professor Caetano C.R. Penna em https://youtu.be/F7-6f7r01SM, O plano
de IA do Brasil – canal Paulo Gala/ Economia & Finanças.
[iii] Referência do texto: Microprocessors:
the engines of the digital age - https://pmc.ncbi.nlm.nih.gov/articles/PMC5378251/.
[v] A revolutionary technology is not the same thing as a technological
revolution.
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