segunda-feira, 28 de abril de 2025

Qual é o lugar da IA na história?

Defende que a AI é uma tecnologia revolucionária, mas não é uma revolução tecnológica[i]

Basicamente, Carlota Perez pontua que, apesar de seu caráter revolucionário, a IA faz parte da revolução tecnológica em andamento e iniciada há 50 anos[ii]. Obviamente, a IA é fator chave, mas a revolução da tecnologia da informação e comunicação (TIC) começou com os microprocessadores[iii] em 1970 e se aprofundou com a internet, nos anos 90, estimulada pelo governo dos EUA.

Ponto chave que ela destaca é a capacidade que a TIC deve ter de gerar progresso social e ambiental, como aferido em outras revoluções. Ela cita seu livro Technological Revolutions and Financial Capital[iv], onde argumenta que períodos iniciais revolucionários são permeados por crises criativas destruidoras em todas as áreas econômicas, demandadas pelos mercados, e que possibilitam surgir novas tecnologias que eliminam empregos e demandas novas habilidades. Porém, passado o efeito inicial, as regulações devem surgir para orientar os ganhos sociais, mas é a forma dessas inovações que determina as decisões econômicas dos atores envolvidos (investidores, empresas, governos e famílias).

De acordo com Perez, o advento da computação tenta transformar a noção de mudança tecnológica como capaz de revolucionar, dado seu caráter inovador, seja a tecnologia verde ou criptomoedas. Mas, se há estágios de inovação, como os citados processadores e a globalização, ela afirma que “uma tecnologia revolucionária não é a mesma coisa que uma revolução tecnológica”[v], isto é, a inteligência artificial está dentro da revolução tecnológica vigente. Se a IA, assim como a internet das coisas IoT e a robótica, pode constituir um terceiro salto inovador, ainda depende dos anteriores (da internet, que depende dos chips). E ainda muito no campo da mecanização do trabalho mental, sem tantas mudanças na forma de trabalho manual que podem vir a ocorrer nesse paradigma de transformação digital.Parte superior do formulário

Paralelo histórico. Notadamente, para Perez, o ponto crucial é a mudança inovadora da base técnica, de materiais e infraestrutura, introduzindo novos insumos e fontes de energia, alavancando transporte e comunicação e reduzindo custos. Isso teria ocorrido em revoluções anteriores e capazes de transformar economias e sociedades, conforme ela cita: a Revolução Industrial (1770); a era do vapor e ferrovias (1830); a era do aço, eletricidade e engenharia pesada (1870); a era do petróleo, automóvel e produção em massa (1910); e a atual era das TIC, a partir da década de 1970. Mas não é o caso da inteligência artificial e ela usa alguns exemplos de comparação para mostrar que uma revolução tecnológica não se limita a tecnologia.

O que é uma revolução? Perez explica que uma revolução tecnológica traz mudanças governamentais e na sociedade, como a ascensão do populismo que acontece pela destruição criativa que comentamos, isto é, pela substituição de tecnologias. Ela ilustra o ponto de que uma inovação não é capaz de provocar o efeito do fascismo e comunismo que floresceram a partir da era da revolução das massas (linha de montagem, 1913 – Henry Ford) atingindo seu ápice no pós-guerra.

Há inovação dentro da revolução e Perez compara a IA com o plástico, introduzido na revolução que acabamos de comentar. Produtos petroquímicos, como poliestireno, náilon e borracha sintética impulsionaram usos industriais infinitos, assim como é o caso da IA penetrando em todos os setores, deslocando habilidades, mas não sendo em si a revolução, mas uma tecnológica revolucionária.  

Assim como o surgimento da eletricidade na era da engenharia pesada, capaz de deslocar a dependência do carvão e vapor ao conectar as máquinas diretamente na rede com grande impacto na produção. A iluminação fez parte da Belle Époque, nos teatros, hotéis e ruas da cidade, até chegar na casa de todas as pessoas, substituindo velas e lampiões a querosene. Entretanto, conforme Perez, “certamente parecia uma revolução”, mas dependia do aço e estava inserida nessa revolução, como as indústrias químicas e civil, por exemplo. Ou o caso da substituição do ferro pelo aço, que ela também aborda.

Uma revolução numa encruzilhada. Por fim, Perez pontua os problemas da revolução tecnológica atual e aponta diretrizes.

Continuando a análise, cada revolução tecnológica possibilita o surgimento de tecnologias revolucionárias, como a IA, hoje em dia, mas que se integram em um processo maior ou são precursoras de novos, como foi o caso da eletricidade e o aço, como foi o caso do computador, na TIC, até se tornar um aparato comum. Mas ela enfatiza que esse destaque da IA como revolucionária se dá pelo que já pudemos ver das tecnologias inovadoras que a TIC trouxe e que tornou alguns bilionários e certamente pode ser a base para uma eventual sexta revolução, possibilitando bio e nanotecnologias.

Contudo é fundamental gerenciar o processo de maturidade da TIC, já que podemos ver tecnologias se espraiando em direções imprevistas, trazendo resultados disfuncionais e mudanças climáticas irrefreáveis. Isso passa, segundo ela, por investimentos governamentais em tecnologias verdes, mas fundamentalmente uma fuga do capitalismo rentista que permita conectar o sistema financeiro às economias reais, ao invés de operar como um cassino global.

Ora, temos as tecnologias, mas nos falta a política, haja visto as incongruências que vemos hoje: má distribuição de renda, desastres climáticos, inovações desperdiçadas e crises migratórias. Se sombrio, o cenário ainda não é o da década de 1930 que moldou grandes transformações. Mas são as instituições que precisam guiar a TIC para um caminho de crescimento global sustentável, verde, digital e justo. E que inovações, como a IA, caminhem com investimentos corretos para a economia, sociedade e meio ambiente.

Finalizando, Perez ressalta que há um papel preponderante para a IA e inovações adjacentes, como robótica, computação quântica e genética, na construção de nosso futuro, mas isso passa pela conexão dos mercados com a economia real e desenvolvimento sustentável.

 

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[ii] Carlota Perez é professora do Instituto de Inovação e Propósito Público da University College London. https://carlotaperez.org/. Quem nos alertou sobre ela foi o professor Caetano C.R. Penna em https://youtu.be/F7-6f7r01SM, O plano de IA do Brasil – canal Paulo Gala/ Economia & Finanças.

[iii] Referência do texto: Microprocessors: the engines of the digital age - https://pmc.ncbi.nlm.nih.gov/articles/PMC5378251/.

[v] A revolutionary technology is not the same thing as a technological revolution.

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