segunda-feira, 7 de abril de 2025

Consciência

Visa aprofundar esse complexo conceito[i]

Sabemos que a filosofia da mente se debruça sobre a investigação de se ou como uma mente interage com um corpo e como processos mentais podem emergir do mundo físico. Nesse contexto, diferentemente de outros processos cognitivos como memória e linguagem, a questão da consciência é saber como surge um estado subjetivo a partir de um estado objetivo do cérebro. É o problema difícil cunhado por David Chalmers, tantas vezes já citado nesse espaço (desde 2016).

Preâmbulo[ii]. O artigo da SEP faz uma breve recapitulação da evolução do pensamento sobre a consciência ao longo do tempo, do qual pincelamos alguns pontos que achamos mais relevantes. Parece que a consciência, como a conhecemos hoje, é um desenvolvimento histórico relativamente recente, já que não havia uma palavra no grego antigo correspondente a “consciência”. Foi no início da era moderna que a consciência se tornou central no pensamento sobre a mente, considerada essencial ou definitiva do mental. René Descartes definiu a própria noção de pensamento em termos de consciência reflexiva ou autoconsciência. John Locke ofereceu uma afirmação semelhante, dizendo que não se pode pensar em nenhum momento, acordado ou dormindo, sem estar sensível a isso, sendo essa sensibilidade necessária aos pensamentos.

Leibniz propôs uma teoria da mente que permitia infinitos graus de consciência, aventando para a possibilidade de pensamentos inconscientes. Na Monadologia, ele usou a analogia do moinho para expressar sua crença de que a consciência não poderia surgir da mera matéria. Mas Locke e Hume, ficaram no campo da psicologia associacionista, que buscava descobrir os princípios pelos quais pensamentos ou ideias conscientes interagiam. Foi Kant quem argumentou que uma explicação adequada da experiência e da consciência fenomênica exigia uma estrutura muito mais rica de organização mental e intencional. Para Kant, a consciência fenomênica não poderia ser uma mera sucessão de ideias associadas, mas no mínimo teria que ser a experiência de um eu consciente situado em um mundo objetivo estruturado em relação a espaço, tempo e causalidade.

Entretanto, se no mundo anglo-americano as abordagens associacionistas continuaram influentes na filosofia e na psicologia até o século XX, na Europa houve maior interesse na estrutura mais ampla da experiência, como a fenomenologia abordada por Husserl, Heidegger e Merleau-Ponty que expandiu o estudo da consciência para o reino do social, do corporal e do interpessoal. Por outro lado, a psicologia científica moderna equiparava a mente à consciência utilizando métodos introspectivos, com Wundt e James, por exemplo. Apesar disso, a relação da consciência com o cérebro permanecia um mistério.

Já no início do século XX, essa psicologia científica da consciência perde espaço para o behaviorismo, mas que depois se enfraquece com a ascensão da psicologia cognitiva e sua ênfase no processamento de informações e na modelagem de processos mentais internos, muito embora a consciência permanecesse um tópico amplamente negligenciado por várias décadas. Já no final do século passado houve um grande ressurgimento da pesquisa científica e filosófica sobre a natureza e a base da consciência com uma rápida proliferação de pesquisas, com uma avalanche de livros e artigos, bem como a introdução de periódicos especializados, sociedades profissionais e conferências anuais dedicadas exclusivamente à sua investigação.

Consciência da criatura. Dada uma consciência, então, podemos tanto falar de um estado consciente quanto da consciência de uma criatura e, nesse caso, há diversos sentidos para dizer que uma criatura é consciente. Há um conceito mais “simples” que é o da senciência, relacionado ao sentir, isto é, quando uma criatura se relaciona com o mundo através de um sentimento. Assim, os peixes, que são sencientes, são conscientes? Nessa linha, há o critério da vigília que se refere a organismos que estão alertas e que não estariam conscientes quando dormindo.

Já a autoconsciência é a capacidade de termos consciência que somos conscientes. Nesse caso já estamos mais no campo conceitual, e que pode eliminar animais e crianças. Destarte, não basta somente responder aos estímulos do ambiente, mas ter a consciência desse tipo de resposta. Existe a questão de saber o que é ser um tal indivíduo, no sentido mais subjetivo, como proposto por Thomas Nagel na célebre discussão sobre “como é ser um morcego”, como modo próprio de ver o mundo (assunto já visto aqui em 2018). De fato, não sabemos o que é ser um morcego porque é uma experiência subjetiva dele e, assim, se uma criatura experiencia o mundo de modo particular então ela tem uma consciência.

Também podemos nos referir aos estados que experimentamos quando estamos conscientes. Aí, se uma criatura sente ou percebe, então ela é consciente. Há uma consciência intransitiva, que é estar consciente sem se referir a nada, sem se ocupar com nada. Já a consciência transitiva é uma consciência que tem um alvo: tem um critério intencional. Por fim, não podemos nos esquecer, aponta Vitor, que dá para produzir pensamentos, conceitos, sem uma consciência, conforme a perspectiva eliminativista[iii], embora quanto a isso, de novo, não haja consenso.

Estados conscientes. Falemos agora, não da consciência da criatura, mas dos estados conscientes. Um estado mental consciente é um meta-estado, qual seja, o fato de se saber que está consciente, um estado mental sobre um estado mental. Os estados qualitativos também podem ser conscientes, como os qualias, as nossas experiências subjetivas privadas. Já estados fenomenais se referem à estrutura geral da consciência, como que se fossem os estados próprios de uma consciência. O estado como é, é o estado de primeira pessoa, impossível de ser transferido.

Tratando do ponto de vista da neurociência, há uma consciência de acesso que contém informações que podem ser utilizadas pelo organismo. Esse estado disponibiliza informações para outras partes da consciência e são eles podem ser verificados por experimentos cerebrais. Para Dennett, os estados conscientes são narrativas em tempo real, um fluxo contínuo criado pela mente.

Consciência como entidade. Atualmente, para grande parte dos pesquisadores, a consciência não é vista como uma coisa, mas como uma propriedade ou um aspecto de alguma coisa, embora alguns defendam que a consciência pode ser algo tão real como, por exemplo, um campo eletromagnético. Sabemos que, para Chalmers, a consciência é algo tão básico quanto a própria matéria, num tipo de dualismo que não trata a consciência de modo sobrenatural, mas que pode ser estudado dentro de uma ciência da natureza.

Problemas. Aqui começa a segunda aula a partir de uma divisão que Vitor faz do artigo da SEP, quando se enumeram três problemas centrais que uma teoria da consciência deve tratar: o descritivo (o que é a consciência?), o explicativo (como ela existe) e o funcional (por que existe?). Ele abre um parêntese para falar de Harari, que separa a inteligência da consciência, podendo haver seres inteligentes que não são conscientes. A inteligência permite alcançar objetivos e se relacionar com o ambiente, como o fazem bactérias ou plantas e mesmo processos no nosso organismo, abrindo brecha para a inteligência artificial. Já a consciência é associada aos sentimentos.

A questão descritiva. Vitor comenta que é uma questão filosófica a da definição do conceito, de escolha das variáveis. De todo modo a SEP traz características da consciência, como dados de primeira e terceira pessoas: por introspecção [supostamente] temos acesso à observação interior, não disponível a outrem, mas que outros a podem medir pela atividade cerebral ou comportamento. O tão comentado qualia, as sensações cruas da experiência, não objetivas e que não temos certeza se são ou não as mesmas sensações de outrem.

Falamos da estrutura fenomenal, acima, que é o modo como conhecemos a realidade, como organizamos o conhecimento, com tempo, espaço e causalidade. Ela não coincide com a estrutura do mundo, necessariamente, nem como outros seres a conhecem. Auto Perspectiva envolve um “eu” ao qual às experiências se referem. É esse “eu” que sente dor. Mas pode haver mentes sem consciência, comenta Vitor, como os sistemas complexos que não se reportam a esse “eu”[iv]. Unidade se refere à estrutura integrada e coerente da consciência. É a consciência que unifica o fluxo e seleciona o que aparece em perspectiva, o foco. Já as características da intencionalidade e transparência, primeiro temos a consciência de algo, quer dizer, a consciência pressupõe um objeto. Mas é interessante que nós não “vemos” essa intencionalidade, só vemos a coisa, é como se não houvesse a intencionalidade em si. O fato de usar óculos pode enfatizar esse caráter, que não aparece naturalmente. Por fim, o fluxo dinâmico trata do processo de como experienciamos a realidade como em constante mudança, como fluida, caracterizada por William James como “fluxo de consciência”.

A questão explicativa. Mas como pode existir o fenômeno da consciência? Ela pode ser algo próprio da realidade ou que dela emerge. Podemos pensar na consciência de acesso, quando lembramos de alguma informação que já obtivemos e podemos utilizá-la. Ou na consciência fenomenal, que se refere à experiência subjetiva, o famoso problema difícil. Há uma lacuna explicativa entre uma atividade cerebral e um sentimento: como ocorre esse salto? Ainda não sabemos, embora reducionistas tendam a tratar a mente somente por meio de processos neurais e seus opositores defendem que ela é irredutível, fundamental como o espaço e o tempo (como os dualistas). Fisicalistas entendem que um dia vamos descobrir, com o progresso científico, como pensam Patricia Churchland e Daniel Dennett. Os dualistas a veem como algo além do físico, que não pode ser explicado por processos materiais, mas que ainda assim é natural.

A questão funcional. E, por que a consciência existe? Se não tem efeitos causais é epifenomenal[v], um subproduto (como pensa Huxley), não sendo aspecto decisivo do comportamento. Porém o entendimento dominante é que ela tem interferência no comportamento (como sentir dor e nos levar a evitar o perigo) fazendo parte do processo adaptativo. Por exemplo, um processo consciente é controlado e nos ajuda a lidar com condições novas e complexas, em oposição ao comportamento impulsivo oriundo de uma carga genética preestabelecida. 

A autoconsciência nos permite entender que nós e os outros pensamos e entendemos as questões de maneira diferente e podemos nos posicionar socialmente, influenciando na melhoria da comunicação e relacionamento. A consciência também organiza a experiência e torna as informações disponíveis para nós, do ponto de vista interno.  Vitor ressalta que somos capazes de captar elementos altamente improváveis, diferentemente de uma inteligência artificial que trabalha com probabilidades e sem a sensibilidade.

Assim, conclui-se um panorama dos principais aspectos e teorias da consciência que ainda estão em disputa aberta no meio filosófico.



[i] Abarca duas aulas do curso de Vitor Lima no INEF que, por sua vez, usa a Enciclopédia de Filosofia da Universidade de Stanford (SEP – Stanford Enciclopedy of Philosopy): https://plato.stanford.edu/entries/consciousness/.

[ii] Aqui contamos com a ajuda da IA para gerar o resumo do qual fizemos apropriações.

[iii] Eliminativismo em perspectiva: https://www.reflexoesdofilosofo.blog.br/2025/03/eliminativismo.html.

[iv] Ver eliminativismo, também.

[iv] Ver https://www.reflexoesdofilosofo.blog.br/2018/03/introducao-ao-epifenomenalismo.html. 

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