Visa
aprofundar esse complexo conceito[i]
Sabemos que a filosofia da mente se
debruça sobre a investigação de se ou como uma mente interage com um corpo e
como processos mentais podem emergir do mundo físico. Nesse contexto, diferentemente
de outros processos cognitivos como memória e linguagem, a questão da
consciência é saber como surge um estado subjetivo a partir de um estado
objetivo do cérebro. É o problema difícil cunhado por David Chalmers, tantas
vezes já citado nesse espaço (desde 2016).
Preâmbulo[ii]. O artigo da SEP faz uma breve recapitulação da evolução do pensamento sobre a consciência ao longo do tempo, do qual pincelamos alguns pontos que achamos mais relevantes. Parece que a consciência, como a conhecemos hoje, é um desenvolvimento histórico relativamente recente, já que não havia uma palavra no grego antigo correspondente a “consciência”. Foi no início da era moderna que a consciência se tornou central no pensamento sobre a mente, considerada essencial ou definitiva do mental. René Descartes definiu a própria noção de pensamento em termos de consciência reflexiva ou autoconsciência. John Locke ofereceu uma afirmação semelhante, dizendo que não se pode pensar em nenhum momento, acordado ou dormindo, sem estar sensível a isso, sendo essa sensibilidade necessária aos pensamentos.
Leibniz propôs uma teoria da mente que
permitia infinitos graus de consciência, aventando para a possibilidade de
pensamentos inconscientes. Na Monadologia, ele usou a analogia do moinho para
expressar sua crença de que a consciência não poderia surgir da mera matéria. Mas
Locke e Hume, ficaram no campo da psicologia associacionista, que buscava
descobrir os princípios pelos quais pensamentos ou ideias conscientes
interagiam. Foi Kant quem argumentou que uma explicação adequada da experiência
e da consciência fenomênica exigia uma estrutura muito mais rica de organização
mental e intencional. Para Kant, a consciência fenomênica não poderia ser uma
mera sucessão de ideias associadas, mas no mínimo teria que ser a experiência
de um eu consciente situado em um mundo objetivo estruturado em relação a
espaço, tempo e causalidade.
Entretanto, se no mundo anglo-americano as
abordagens associacionistas continuaram influentes na filosofia e na psicologia
até o século XX, na Europa houve maior interesse na estrutura mais ampla da
experiência, como a fenomenologia abordada por Husserl, Heidegger e Merleau-Ponty que
expandiu o estudo da consciência para o reino do social, do corporal e do
interpessoal. Por outro lado, a psicologia científica moderna equiparava a
mente à consciência utilizando métodos introspectivos, com Wundt e James, por
exemplo. Apesar disso, a relação da consciência com o cérebro permanecia um
mistério.
Já no início do século XX, essa psicologia
científica da consciência perde espaço para o behaviorismo, mas que depois se
enfraquece com a ascensão da psicologia cognitiva e sua ênfase no processamento
de informações e na modelagem de processos mentais internos, muito embora a
consciência permanecesse um tópico amplamente negligenciado por várias décadas.
Já no final do século passado houve um grande ressurgimento da pesquisa
científica e filosófica sobre a natureza e a base da consciência com uma rápida
proliferação de pesquisas, com uma avalanche de livros e artigos, bem como a
introdução de periódicos especializados, sociedades profissionais e
conferências anuais dedicadas exclusivamente à sua investigação.
Consciência da criatura.
Dada uma consciência, então, podemos tanto falar de um estado consciente quanto
da consciência de uma criatura e, nesse caso, há diversos sentidos para dizer
que uma criatura é consciente. Há um conceito mais “simples” que é o da senciência,
relacionado ao sentir, isto é, quando uma criatura se relaciona com o mundo
através de um sentimento. Assim, os peixes, que são sencientes, são
conscientes? Nessa linha, há o critério da vigília que se refere a
organismos que estão alertas e que não estariam conscientes quando dormindo.
Já a autoconsciência é a capacidade
de termos consciência que somos conscientes. Nesse caso já estamos mais no
campo conceitual, e que pode eliminar animais e crianças. Destarte, não basta
somente responder aos estímulos do ambiente, mas ter a consciência desse tipo
de resposta. Existe a questão de saber o que é ser um tal indivíduo, no sentido
mais subjetivo, como proposto por Thomas Nagel na célebre discussão sobre “como
é ser um morcego”, como modo próprio de ver o mundo (assunto já visto aqui
em 2018). De fato, não sabemos o que é ser um morcego porque é uma experiência
subjetiva dele e, assim, se uma criatura experiencia o mundo de modo particular
então ela tem uma consciência.
Também podemos nos referir aos estados
que experimentamos quando estamos conscientes. Aí, se uma criatura sente ou
percebe, então ela é consciente. Há uma consciência intransitiva, que é
estar consciente sem se referir a nada, sem se ocupar com nada. Já a
consciência transitiva é uma consciência que tem um alvo: tem um critério
intencional. Por fim, não podemos nos esquecer, aponta Vitor, que dá para
produzir pensamentos, conceitos, sem uma consciência, conforme a perspectiva
eliminativista[iii],
embora quanto a isso, de novo, não haja consenso.
Estados conscientes.
Falemos agora, não da consciência da criatura, mas dos estados conscientes. Um estado
mental consciente é um meta-estado, qual seja, o fato de se saber que está
consciente, um estado mental sobre um estado mental. Os estados qualitativos
também podem ser conscientes, como os qualias, as nossas experiências
subjetivas privadas. Já estados fenomenais se referem à estrutura geral da
consciência, como que se fossem os estados próprios de uma consciência. O estado
como é, é o estado de primeira pessoa, impossível de ser transferido.
Tratando do ponto de vista da
neurociência, há uma consciência de acesso que contém informações que
podem ser utilizadas pelo organismo. Esse estado disponibiliza informações para
outras partes da consciência e são eles podem ser verificados por experimentos cerebrais.
Para Dennett, os estados conscientes são narrativas em tempo real, um fluxo
contínuo criado pela mente.
Consciência como entidade.
Atualmente, para grande parte dos pesquisadores, a consciência não é vista como
uma coisa, mas como uma propriedade ou um aspecto de alguma coisa, embora
alguns defendam que a consciência pode ser algo tão real como, por exemplo, um
campo eletromagnético. Sabemos que, para Chalmers, a consciência é algo tão
básico quanto a própria matéria, num tipo de dualismo que não trata a
consciência de modo sobrenatural, mas que pode ser estudado dentro de uma
ciência da natureza.
Problemas.
Aqui começa a segunda aula a partir de uma divisão que Vitor faz do artigo da
SEP, quando se enumeram três problemas centrais que uma teoria da consciência
deve tratar: o descritivo (o que é a consciência?), o explicativo (como ela
existe) e o funcional (por que existe?). Ele abre um parêntese para falar de Harari,
que separa a inteligência da consciência, podendo haver seres inteligentes que
não são conscientes. A inteligência permite alcançar objetivos e se relacionar
com o ambiente, como o fazem bactérias ou plantas e mesmo processos no nosso
organismo, abrindo brecha para a inteligência artificial. Já a consciência é associada
aos sentimentos.
A questão descritiva.
Vitor comenta que é uma questão filosófica a da definição do conceito, de escolha
das variáveis. De todo modo a SEP traz características da consciência, como dados
de primeira e terceira pessoas: por introspecção [supostamente] temos acesso à observação
interior, não disponível a outrem, mas que outros a podem medir pela atividade
cerebral ou comportamento. O tão comentado qualia, as sensações cruas da
experiência, não objetivas e que não temos certeza se são ou não as mesmas sensações
de outrem.
Falamos da estrutura fenomenal,
acima, que é o modo como conhecemos a realidade, como organizamos o
conhecimento, com tempo, espaço e causalidade. Ela não coincide com a estrutura
do mundo, necessariamente, nem como outros seres a conhecem. Auto
Perspectiva envolve um “eu” ao qual às experiências se referem. É esse “eu”
que sente dor. Mas pode haver mentes sem consciência, comenta Vitor, como os sistemas
complexos que não se reportam a esse “eu”[iv]. Unidade se
refere à estrutura integrada e coerente da consciência. É a consciência que
unifica o fluxo e seleciona o que aparece em perspectiva, o foco. Já as
características da intencionalidade e transparência, primeiro
temos a consciência de algo, quer dizer, a consciência pressupõe um objeto. Mas
é interessante que nós não “vemos” essa intencionalidade, só vemos a coisa, é
como se não houvesse a intencionalidade em si. O fato de usar óculos pode
enfatizar esse caráter, que não aparece naturalmente. Por fim, o fluxo dinâmico
trata do processo de como experienciamos a realidade como em constante mudança,
como fluida, caracterizada por William James como “fluxo de consciência”.
A questão explicativa.
Mas como pode existir o fenômeno da consciência? Ela pode ser algo próprio da
realidade ou que dela emerge. Podemos pensar na consciência de acesso, quando
lembramos de alguma informação que já obtivemos e podemos utilizá-la. Ou na
consciência fenomenal, que se refere à experiência subjetiva, o famoso problema
difícil. Há uma lacuna explicativa entre uma atividade cerebral e um
sentimento: como ocorre esse salto? Ainda não sabemos, embora reducionistas tendam
a tratar a mente somente por meio de processos neurais e seus opositores
defendem que ela é irredutível, fundamental como o espaço e o tempo (como os
dualistas). Fisicalistas entendem que um dia vamos descobrir, com o progresso
científico, como pensam Patricia Churchland e Daniel Dennett. Os dualistas a
veem como algo além do físico, que não pode ser explicado por processos
materiais, mas que ainda assim é natural.
A questão funcional. E, por que a consciência existe? Se não tem efeitos causais é epifenomenal[v], um subproduto (como pensa Huxley), não sendo aspecto decisivo do comportamento. Porém o entendimento dominante é que ela tem interferência no comportamento (como sentir dor e nos levar a evitar o perigo) fazendo parte do processo adaptativo. Por exemplo, um processo consciente é controlado e nos ajuda a lidar com condições novas e complexas, em oposição ao comportamento impulsivo oriundo de uma carga genética preestabelecida.
A autoconsciência nos
permite entender que nós e os outros pensamos e entendemos as questões de maneira
diferente e podemos nos posicionar socialmente, influenciando na melhoria da comunicação
e relacionamento. A consciência também organiza a experiência e torna as
informações disponíveis para nós, do ponto de vista interno. Vitor ressalta que somos capazes de captar
elementos altamente improváveis, diferentemente de uma inteligência artificial
que trabalha com probabilidades e sem a sensibilidade.
Assim, conclui-se um panorama dos principais
aspectos e teorias da consciência que ainda estão em disputa aberta no meio
filosófico.
[i] Abarca duas aulas do curso de Vitor
Lima no INEF que, por sua vez, usa a Enciclopédia de Filosofia da Universidade
de Stanford (SEP – Stanford Enciclopedy of Philosopy): https://plato.stanford.edu/entries/consciousness/.
[ii] Aqui contamos com a ajuda da IA para gerar o resumo do qual fizemos apropriações.
[iii] Eliminativismo em perspectiva: https://www.reflexoesdofilosofo.blog.br/2025/03/eliminativismo.html.
[iv] Ver eliminativismo, também.
[iv] Ver https://www.reflexoesdofilosofo.blog.br/2018/03/introducao-ao-epifenomenalismo.html.
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