Versa
que só há ficção entre a realidade e nós[i]
Vejamos que interessante a seguinte
divisão.
Realidade objetiva.
Essa é, “de fato”, a realidade do mundo, das coisas, como, por exemplo, pedras,
árvores e astros. É uma realidade difícil de negar porque se apresenta a nossos
olhos e seria por ela que a ciência deveria se guiar, na medida em que se funda
em observações empíricas. Ocorre que nessa realidade há animais que possuem
realidade subjetiva.
Realidade subjetiva.
Essa é a realidade mais inatingível e duvidosa porque é uma realidade privada, fora
do alcance de um terceiro. Um sentimento ou uma dor, por mais que possa ser expresso
ou dito, não pode ser comprovado de maneira cabal, embora possa haver maneiras
de medi-los, como um esfigmomanômetro ou tomógrafo. A realidade subjetiva é
composta também de pensamentos e, acrescenta-se a isso, que parece haver uma
mente ou uma consciência que cria uma subjetividade que permite a seu
hospedeiro criar suas narrativas. Contudo, para fugir do solipsismo, em algum
momento essa narrativa precisa ser contada para alguém que possa compartilhar
dela e é aí que surge a terceira realidade.
Realidade intersubjetiva.
É essa realidade que permite o constructo imaginário, até então de posse
somente humana, e que funda a forma como pensamos e agimos. É nessa realidade
que habitam as leis, os estados e toda e qualquer criação humana. Ora, se
parece que a verdade reside na realidade objetiva é mediante uma realidade intersubjetiva
aceita pelas realidades subjetivas que se vive e morre, seja ou não por causas
naturais, e tudo isso é muito envolto em ficção.
De posse disso, podemos concluir que, ainda
que exista uma verdade sobre a realidade objetiva, jamais teremos acesso a ela
porque ela é multifacetada, complexa e com várias camadas sobrepostas. Todas essas
características são expressas de maneira intersubjetiva por um ponto de vista
subjetivo que é limitado e por si só incapaz de descrevê-la integralmente por
que ele mesmo está nela, por mais que a intersubjetividade possa ter um ideal
de aperfeiçoamento coletivo. E seria uma petição de princípio uma descrição externa
de um ponto de vista interno.
Nós, humanos, somos parte da realidade
objetiva e não conseguimos nem mesmo nos compreendermos em nossa totalidade. Também
não conseguimos compreender a totalidade do outro e de toda a realidade porque
estamos inseridos nela. Além disso, nossas compreensões podem ser formuladas
por uma linguagem, ela mesma parte da realidade intersubjetiva. E é pela
linguagem que toda a realidade intersubjetividade é criada e mantida, por meio
de estórias que, bem contadas, criam ficções irresistíveis, convincentes e que
arrastam e arrasam multidões.
[i] Um breve texto a partir dos capítulos 1, 2 II de HARARI, Yuval Noah. Nexus: Uma breve história das redes de informação, da Idade da Pedra à inteligência Artificial. Tradução de Berilo Vargas e Denise Bottmann. São Paulo: Companhia das Letras, 2024.
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