Traremos
resenhas de autores ligados à filosofia da tecnologia a partir das obras Filosofia da Tecnologia. Seus autores e seus problemas,
organizada pelo Jelson Oliveira a partir de textos da ANPOF (Caxias do Sul, RS: Educs, 2020) e Filosofia da
tecnologia: um convite, organizado por Cupani (Florianópolis: Editora da UFSC, 2016).
Da
primeira obra, foram analisados seis autores até agora: Gunther Anders, Juan
David García Bacca, Albert Borgmann, Mario Bunge, Georges Canguilhem e Gilles
Deleuze. Da segunda, trata-se de Ortega y Gasset, Heidegger, Arnold Gehlen,
Simondon e Lewis Mumford. São visões panorâmicas e delas destacamos o que mais
nos chamou a atenção até agora.
Filosofia
da Tecnologia: seus autores e seus problemas.
Gunther
Anders traz uma visão antropológica de um ser humano sem
mundo, que nasce sem um lugar e que esse deve ser construído pela técnica
misturando antropogênese e tecnogênese. Mas, da evolução técnica para a tecnologia,
podemos acabar em um mundo sem ser humano, dados os exemplos de usos
perversos do conhecimento que podem juntar niilismo e nossa aniquilação, isto é,
seu conceito de aniilismo. Anders também aborda nossa obsolescência
perante a tecnologia e a criação de uma Technature que nos torna objetos da
técnica. Se caracterizado na vertente determinista e preocupado com a ontologia
tecnológica, aponta que a criatividade pode ter um papel importante nesse
cenário.
Juan
David García Bacca. Em linhas gerais, nos parece que Bacca
faz um elogio da técnica entendendo a realidade de modo tecnocêntrico e a superação
do natural pelo artificial, que tudo transforma em artefatos. É como se a
técnica trouxesse uma ordem artificial e humanizadora ao Universo, de acordo
com os propósitos do homem. Relevante para ele é a criatividade, que é tratada
como uma potência criadora com característica metafísica, um fim supremo.
Albert
Borgmann é filiado a Heidegger com seu paradigma do
dispositivo e olhar para a essência do tecnológico de um ponto de vista
metafísico. Em sua análise, a tecnologia nos afasta da realidade e das questões
essenciais, que são as práticas focais que usam a tecnologia como meio. Borgmann
aponta problemas no pós-modernismo tecnológico que se caracteriza pela
hipermodernidade do universo cibernético irreal e que deveria ser combatido por
relações incorporadas, pela refutação do imediatismo e uma análise ética da
internet e da quantidade de informação recebida. Mas é uma visão otimista que
busca o equilíbrio na adoção tecnológica e que em um ponto se aproxima da visão
cristã de engajamento comunitário e cuidado com o outro.
Mario
Bunge tem uma visão otimista da tecnologia, como campo de
conhecimento associado ao científico, metódico e controlado, para produção de
artefatos eficientes a partir de recursos naturais e sociais e que se
aperfeiçoa. Também contribuem criatividade e inovação, mas o conhecimento
tecnológico, espalhado nas várias, transforma lei científica em enunciado
prático. Enfatiza-se a tecnologia da informação, embora ele seja crítico da
equiparação do cérebro com um computador. Vinculado à tradição iluminista,
embora veja os excessos da tecnologia, não foca neles.
Georges
Canguilhem. Aqui trata-se de um estudo de caso da técnica de
gestação de fetos por máquinas, ectogênese, que, se sujeita a questões éticas,
seria defendida por Canguilhem na linha de Descartes. Além disso, mostra o
papel de retrovírus em tais experimentos, vírus que competem com o homem na
hegemonia do planeta, mas muito pelo cultivo em populações humanas que os mantêm
e transmitem. Por fim, a vida como experiência maquínica mostra que há uma
continuidade entre a vida e o homem por meio da técnica.
Gilles
Deleuze. Partindo dos conceitos deleuzianos, já que Deleuze não tem
propriamente uma teoria sobre a técnica, há o ponto de vista ontológico pelo
estatuto da diferença: “o Ser é unívoco e imanente à multiplicidade dos entes
como diferença”. É a noção virtual-atual fundamental da diferença como devir,
atualização do virtual dentro do campo imanente. Similarmente, a tecnologia não
se esgota no tecnológico, posto que há a imanência técnica, um modo nosso de
ser, epistêmico, que expressa uma multiplicidade tecnológica. É a técnica o
campo de sentido que permite a compreensão tecnológica que tem uma produção
planejada e outra impensada, diferencial. A tecnologia se aproxima da
multiplicidade e a técnica da univocidade, mas numa relação imanente pois a técnica
é unívoca como sentido de nossa época, expressada na multiplicidade dos entes
tecnológicos.
Filosofia
da tecnologia: um convite.
Ortega
y Gasset fala de técnica e produção, trazendo o raciovitalismo
em que a razão responde necessidades vitais por um ato de liberdade. Além disso,
os atos técnicos superam a satisfação pela produção resultado do projeto que
obtém o que não há, gerando uma sobre natureza. Porém, para ele, visando o
viver bem, produzimos o supérfluo e vamos progredindo de acordo com circunstâncias,
já que a vida não é dada, é um constante problema onde o homem está na situação
de técnico. Ortega y Gasset faz uma distinção em épocas, partindo dos
primórdios onde as invenções se dão por acaso, depois na Grécia, Roma e Idade
Média, há a técnica dos artesões e produção de instrumentos até o século XX,
onde a técnica já não é natural e predomina o império das máquinas. É aí
que ele faz uma crítica dizendo que a plenitude tecnológica pode levar ao vazio
existencial.
Heidegger faz uma passagem da técnica tradicional para a moderna. Na primeira, há noções
gregas como o telos (finalidade) que faz com que uma coisa surja, além
da noção irrefletida de causa e efeito, ou a poiesis (produção) que traz
à presença algo que há ocorre na physis (natureza). Já na segunda,
desafiamos a natureza para que ela se torne disponível ao homem. Se os antigos
cuidavam da natureza, agora a técnica tem por objetivo desafiá-la para que forneça
algo para o homem. Nessa, até o homem deve ficar disponível, mas, conforme
destaca Cupani, para Heidegger ainda haveria uma liberdade de resistência. Mas,
as teses metafísicas e linguagem obscura do autor dificultam a nossa compreensão.
Arnold
Gehlen mostra, de um ponto de vista antropológico, que nos
valemos das técnicas para transformar a natureza e isso fazendo parte de nossa
essência, já que carecemos de órgãos e instintos de adaptação ao ambiente.
Contudo, o caminho da técnica é de substituir o orgânico pelo inorgânico,
que é mais fácil de conhecer racionalmente e experimentalmente e em linha com o
modo de produção capitalista. Ele mostra que há, também, uma técnica
sobrenatural, a magia que, junto com a técnica, visam facilitar a ação humana e
evoluem da ferramenta para a máquina, que dispensa energia humana, até o
autômato, com processos autorregulados. Há, nesse caminho iluminista,
uma cultura das máquinas e que leva a indústria a viver da obsolescência
das mercadorias e tem como efeitos um prejuízo à nossa dimensão emotiva
pois, até a Revolução Industrial, nosso contato com o mundo orgânico trazia
dependência das forças naturais e, depois dela, a prioridade do inorgânico não suscita um padrão moral que traz
consequências negativas para nossa alma. Contudo, como bom conservador, o autor
não aponta soluções, segundo Cupani.
Simondon trata da gênese do objeto técnico que evolui do abstrato ao concreto se
aperfeiçoando, do artesanal e instável ao industrial, mantendo como essência a
técnica. Quando concreto, se torna independente e se aproxima do objeto natural,
todo esse processo mostrado pela cultura técnica que esquematiza o
funcionamento dos objetos. Ele enumera três níveis no mundo técnico: elementar,
quando o avanço não ameaça hábitos tradicionais, a era da termodinâmica e por
fim a era da informação que regula e estabiliza o mundo. Para ele, a evolução
técnica é análoga a de um ser vivo onde ocorre a criação de um meio para o
objeto. Porém, a filosofia deve tentar compreender a índole dos objetos
técnicos por meio de um ensino de iniciação à técnica que forme pessoas capazes
de entender a natureza das máquinas e que permita superar nossa angústia atual
frente às máquinas e compreender os objetos como portadores de informação,
sua história, como resolveram problemas e como o homem foi estabelecendo uma
relação prática com o mundo.
Lewis Mumford trata da mecanização, que é um ritmo da máquina que nos afasta do mundo real por meio de abstrações e é favorecida pela associação entre a técnica e o capitalismo, porém mais em proveito particular. Nas etapas do desenvolvimento tecnológico que ele enumera, passamos inicialmente pelas invenções mecânicas que nos levam a deixarmos de ser o motor energético e enriquecem nossa vida, para um período da indústria inorgânica baseada em carvão e ferro que degrada a vida humana pela exploração e depauperação das pessoas. Há então uma mudança axiológica que traz aceleração do tempo em busca de ganho para chegarmos no uso da eletricidade e ligas metálicas que, entre conquistas, problemas e compensações, suscita a questão do papel da máquina no melhoramento da existência humana. Para Mumford, a máquina é o processo tecnológico como um todo, pela nossa mente permitindo a criação de artefatos, desde o surgimento da civilização, mas que concentra poder e dominação. Pois que é o mito da máquina, então, que nos conduz a uma megamáquina constituída de seres humanos e o impulso obsessivo de controlar natureza que pode nos eliminar. Diante disso, precisamos de um modelo diferente de vida para superar essa condição derivado não das máquinas, mas dos organismos vivos e dos complexos orgânicos (ecossistemas).
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