terça-feira, 13 de julho de 2021

Em face da “era tecnológica”

Traremos aqui dos principais aspectos do capítulo I de O Conceito de Tecnologia, de Álvaro Vieira Pinto (Rio de Janeiro: Contraponto, 2005), intitulado Em face da “era tecnológica”.

Vieira Pinto começa com a noção de maravilhamento que caracteriza nossa “era tecnológica”, mas o faz em contraponto ao maravilhar-se dos gregos em relação à ordem perfeita da natureza, enfatizada pela debilidade das forças produtivas. E isso é fundamental em sua análise, a noção crítica que se faz observando a história, em oposição ao que ele chama de atitude ingênua que se maravilha com suas próprias obras e se vê embasbacada com a ciência moderna. Porém, há, por traz disso, uma ideologia de propaganda das classes dominantes que, nessa sacralização do presente, desmobiliza processos de transformações sociais e políticas.

De acordo com Vieira Pinto, o conceito de era tecnológica induz um discurso enganador pois, ao mesmo tempo em que exalta nossa época, concentra os benefícios nas camadas dominantes que se outorgam os provedores da tecnologia e um valor ético positivo a ela associado, um privilégio de nosso tempo. Não obstante, as criações estão nos grandes centros e relegam aos países subdesenvolvidos o consumo dos produtos e, assim, aumentando a espoliação. Isso posto, o papel dos filósofos nos países pobres deve ser de uma consciência filosófica difícil de ser atingida, pois também reproduzimos as ideias. Consciência que, além do técnico, deve defender os recursos e se debruçar sobre os interesses antagônicos que se dão a partir de categorias dialéticas.

Ou seja, a filosofia da tecnologia deve olhar o processo histórico superando a visão maniqueísta, pois o novo é recorrente. Daí que a tecnologia avança em seu processo produtivo pelo trabalho humano em relação com a natureza. Se, no início, se fazia a análise da máquina que ajuda a superar as dificuldades da realidade, agora a reflexão se dá sobre a técnica e a capacidade de criação do homem que as projeta.

E é a faculdade de projetar que nos distingue, não só como um conceito existencialista, mas a partir da transformação da realidade material visando um novo ser. É um trabalho mental de perceber conexões que podem projetar o novo, criar um objeto inexistente. É uma capacidade que evoluiu biologicamente, mas também exercício social que está por detrás do caráter técnico de toda ação humana, que visa melhores maneiras de prover as necessidades por meio do projeto.

Então, o projeto visa a produção, que é essência de nossa realidade, pois não somos consumidores da natureza como os outros animais. Ela se dá pela técnica que nos leva a “obedecer às qualidades das coisas e agir de acordo com as leis dos fenômenos objetivos” e nos faz um animal técnico que sempre existiu, seja no polimento da pedra ou na Revolução Industrial. A tecnologia se vale do trabalho intelectual que age pela abstração do mundo que em cada tempo e lugar forma a cultura da época. Ela avança por invenções técnicas feitas de continuidade quantitativa e saltos qualitativos, que enriquecem a prática, mas cada descoberta também pode gerar incerteza e perigo, por isso, a tecnologia deve ser analisada sem estigma e nem ser endeusada, pelas categorias lógicas do pensamento crítico.

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