Retomada de aspectos que levam à construção do que
hoje entendemos por ciência e tecnologia, de um ponto de vista epistêmico
conjugado com noções metafísicas
Trataremos
aqui da visão geral dos 6 primeiros textos do livro Para uma filosofia da
tecnologia, de Milton Vargas (São Paulo: Alfa Omega, 1994), que trazem suas publicações em conferências e
revistas na década de 90. É uma visão histórica do conhecimento que ora se
confunde com a metafísica ou a verdade de Deus, ora com a ciência, o
experimentalismo ou a matemática.
A teoria grega
Conforme
mostra Vargas, ao partir da clássica pergunta “O que é?”, a teoria antiga encontra
o substrato por detrás da aparência que é a base da metafísica imutável das
ideias platônicas e que revela a substância sobre a qual Aristóteles constrói a
sua teoria ontológica. É uma ciência que parte da sensação, passa pelo
raciocínio e chega no inteligível.
Além
disso, retomando afirmação aristotélica de que “o fim de toda teoria é a
verdade”, Vargas nos lembra que a busca da verdade só é possível porque há uma
certeza no substrato que é a natureza autônoma, a physis que norteia a episteme
grega. É essa episteme (conhecimento) que origina filosofia e ciência e é ela
que permite sistematizar a técnica que, de tão antiga quanto o homem, aqui se
transforma na techne grega. Nesse tempo, a ciência parte da abstração e
contemplação da natureza e ainda não tem o viés de transformá-la.
Sobre
a teoria grega, Vargas também traça a influência mútua entre metafísica e
matemática desde o século VI a.C., como saberes teóricos que tem como objetivo
o eterno e imutável, aí se conjugando a physis, os objetos matemáticos e a harmonia
numérica, eventualmente mística. Se a matemática avança pelo conhecimento
dedutivo de imagens, a metafísica de Platão se debruça sobre a realidade como
conhecimento intuitivo das ideias. Ou seja, são as ideias perfeitas do mundo do
saber e a perenidade indelével dos objetos da matemática. Até que o esquema
analítico platônico de ideias que contem ideias seja aplicado por Aristóteles
na doutrina do ser como um sistema postulacional à semelhança do Elementos de
Euclides.
Vargas
também adverte que as noções gregas devem ser vistas despidas de como as entendemos hoje. Como, por exemplo, a noção de causalidade em Aristóteles, que
ele associa a um ordenamento, isto é, essência da physis no sentido de
natureza animada que se move por um direito próprio e as regras de seu
movimento estão sempre “em causa”, mais do que um mero processo físico.
Entretanto, sem no esquecermos que o processo causal pode sofrer
interferências, como acaso e sorte, e não ter sua finalidade atingida.
Concluímos
essa visão geral da teoria grega com um princípio geral que Vargas empresta de
Julián Marias, que a metafísica é uma teoria sobre a realidade concreta e que
busca uma certeza radical, isto é, a raiz da realidade. Ela funciona com base
do pensar e agir humano em cada época, em conjunção com a ciência, seja na
antiguidade clássica e medieval, renascimento, Europa barroca e mundo ocidental
hoje, como continuaremos a explorar.
Idade Média
A
Idade Média prossegue com a indagação “O que é?”, porém, agora, a crença passa
da physis para Deus como substância primeira que sustenta o mundo, através da
metafísica interpretada por São Tomás. Com o advento do cristianismo, a certeza
no conhecimento passa para Deus como criador da realidade e a lógica demonstra
a verdade da revelação, embora geralmente seguindo a visão grega, como a busca
de Santo Agostinho por seu Deus platônico que relega o mal ao livre-arbítrio
humano.
Santo
Anselmo, também influenciado por Platão, localiza a verdade no juízo da alma
que é oriundo da mente divina subordinando a razão ao primado da fé. Já São
Tomás, por volta do século XII, estará sob a influência da lógica e da física
aristotélica para demonstrar racionalmente os enunciados da fé. Se, em
Aristóteles, os primeiros princípios são evidentes em si, em São Tomás são
artigos de fé revelados por Deus trazendo uma correlação entre teoria e verdade
que, primeiro se crê, depois se prova que há razão em crer (predomínio da teologia sobre a filosofia).
A querela dos universais, disputas entre franciscanos e os dominicanos (tomistas) que os consideravam abstratos, mas existentes na mente de Deus. Já para o nominalismo os universais eram meras
palavras e a teoria feita de enunciados universais, por isso não se podia fazer uma teoria do divino, além de qualquer conhecimento.
É
quando começa a se abrir caminho para uma ciência experimental que não é feita
através de verdades oriundas da mente divina, mas da apreensão de como a coisa
ocorre na natureza. O franciscano Bacon (1214) tratava essa experiência como
uma vivência do fenômeno quase mística até aceitando a alquimia. Desemboca-se,
então, na impossibilidade teológica, quando Occam fortalece o nominalismo como
uma realidade de entes particulares, mas que são abrangidos pela experiência, e
o conhecimento de Deus só se daria por fé ou mística.
A
ciência, que se organiza pela lógica, verifica o que há de comum na realidade e
dá rumo à ciência moderna, que prevalece a partir de Galileu quando as teorias
passam a serem elaboradas a partir de conjecturas, depois desenvolvidas por
deduções matemáticas até serem verificadas comparando-se uma conclusão
particular da teoria interpretada de acordo com ela própria, algo estranho às
noções medievais de verdade.
Renascimento
No
renascimento, com a perda da força de Deus, a metafísica moderna passa a duvidar
da realidade do mundo e se pergunta sobre “O que existe?”. Então, a raiz da realidade passa a ser o
pensamento, seja pela via racionalista ou empirista. Por outro lado, a ciência
de Galileu é mecânica e vê a natureza como máquina e não como o organismo
animado dos gregos.
Na
busca da verdade, o critério renascentista é a visão direta que remonta a
tradição grega, mas superando o critério de autoridade dos sábios da
antiguidade clássica. Exemplo marcante são as navegações portuguesas que
retomam os mapas esféricos de Ptolomeu, incluindo aí o usado por Colombo, em
oposição aos mapas medievais que mostravam a terra como um disco plano. O novo critério surge quando os portugueses superam as supostas chamas líquidas do
sol, que fariam o mar efervescer ao sul da África.
Então,
a ciência renascentista diverge da autoridade dos textos por contar com o que
“pode ser visto”. A natureza não é mais criatura de Deus e fundamentada na
mente divina, mas uma natureza panteísta, metafísica e de harmonia geométrica. É
usado um tipo de investigação pela visão fenomenológica apoiada na geometria, superando
o método analítico das epistemes gregas, mas ainda não é o empirismo que se
funda no raciocínio indutivo.
Vargas
ressalta que a lógica associada à confiança ilimitada na razão humana fez com
que, na antiguidade e Idade Média, a discussão se baseasse em teses e não na
enganosa observação sensível. Então, os portugueses revelaram um novo mundo à
Humanidade e descobriam novas coisas pela visão direta, coisas que a teoria
antiga não tinha experiência, porém levando em conta as bases anteriores.
Ciência moderna e contemporânea
A
ciência moderna é influenciada pela teoria grega, mas traz uma via prática que
se mantem até a teoria atual que é um sistema lógico composto por hipóteses e
leis. Segundo Vargas, a tecnologia só aparece no 1600, ao unir técnica e
experimentação científica e se abrindo a um saber progressista.
É
por aí que surge a pergunta “O que há?”, que se origina da psicologia e do
positivismo que é contrário à metafísica. Segundo Vargas, há algo oculto na
psique humana que, se já foi uma consciência clara, traz a concepção do pensar
inconsciente de Jung como uma psicologia profunda que pode gerar uma nova
metafísica que vem da interioridade de nosso ser.
Por
fim, outro ponto que Vargas explora baseado em Julián Marias, é que a ciência
[objetiva] se ocupa da realidade que inclui o próprio homem, como também
cultura, ideias e valores. Também traz a visão de Jaspers da ciência moderna
que procurou uma concepção geral do mundo, mas, como não atingiu a totalidade, acaba
em uma busca indefinida por cada coisa.
Occam = Ockham
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