Mais do que um aparato técnico da evolução biológica humana, a máquina é resultado de um processo social[i]
Álvaro Vieira mostra que a reflexão filosófica sobre as máquinas, atualmente e a
despeito dos autômatos, traz a questão se elas poderiam pensar. Porém, segundo ele, só contribui
para essa investigação a concepção histórico-dialética bem como o sistema
lógico de análise, eliminando a tomada de posição a partir do estado atual do
universo das máquinas.
1. O fundamento da compreensão da máquina
Para Vieira, só se pode entender a máquina pela história natural de
quem a cria, o homem, e ainda mais quando aumenta nossa dependência para
com elas, tornando-se parte de uma análise existencial. É pelo conhecimento de nosso
progresso no domínio das forças naturais que, por uma reflexão filosófica,
chegaremos a nossa capacidade criadora, qual seja, o processo de hominização
que desemboca na “era tecnológica”.
Vieira argumenta que o que importa na história natural do homem é a constituição do próprio ser humano que cria utensílios para conservar a vida. Daí o engano de julgar a máquina um objeto físico por si e crer em sua espontaneidade[ii]. É pela inversão desse ponto de vista que se tem a base da construção das máquinas e das peculiaridades do animal humano diferenciadas pelo nosso sistema nervoso. Pois o homem só se humaniza depois da cooperação social, que é um salto qualitativo na evolução, com destaque para o córtex cerebral.
É a passagem da evolução biológica para a
social, cujo eixo é a cultura, que Vieira mostra ser o ponto pelo qual o homem se relacionará com a natureza
dialeticamente por meio da organização social e leis sociais. A análise filosofia
supera o mero darwinismo formal por uma teoria antropogênica que traz o
trabalho como alicerce do pensamento racional e da reflexão da realidade.
E ele reitera que a evolução do sistema nervoso se dá em correlação dialética
com a capacidade humana de produzir em cooperação social por uma bilateralidade objetiva.
Da capacidade de projetar surge a máquina por um processo complexo e específico
do homem.
É com o surgimento da era cibernética que começa-se a se
ver uma capacidade da máquina de substituir esforço mental, não somente de labuta
braçal, mas não se pode prescindir da reflexão sobre as máquinas simples, mecânicas,
térmicas ou elétricas. Entretanto Vieira diz que o homem não fabrica a máquina como extensão de seu
corpo, mas por observar os fenômenos naturais e projetar fazer o que a natureza
faz. Imita, abstrai e reproduz os efeitos desejados buscados por uma finalidade.
O faz por novas ideias que se manifestam no plano das representações psíquicas,
funções inéditas do sistema nervoso que permitem enunciar e fabricar.
Por fim, a máquina mais simples, de tipo mecânico, ainda tem como primeiro motor o homem, mas, desde lá, não se destina a realização do trabalho para um indivíduo isolado. Se a máquina surge da necessidade de poupar esforço, isso só faz sentido em dimensões sociais. Por mais que somente um homem tenha a ideia, é a sociedade que o realiza e a máquina construída aumenta a rede de relações do homem com a natureza, qual seja, seu domínio.
[i] VIEIRA PINTO, Álvaro. O
Conceito de Tecnologia. Rio de Janeiro: Contraponto, 2005. Capítulo II –
O Homem e a Máquina.
[ii] Isso constitui a ingenuidade já mencionada por Vieira.
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