A Ideia Absoluta de Hegel. Russell diz que é prática comum na filosofia o uso de um
raciocínio metafísico a priori para tratar de dogmas da religião, universo,
matéria, etc., que, porém, não sobreviveria a um escrutínio crítico. Para
ele, o representante desse pensamento é Hegel, que estabelece que o todo é
composto por partes fragmentárias incapazes de existirem sem o resto do
mundo. Nesse sentido, o filósofo, a partir de qualquer amostra de
realidade pode ver o todo, como se cada pedaço fosse enganchado com o próximo e
assim por diante. Russell diz que, de acordo com Hegel, essa incompletude
aparece tanto no mundo das coisas quanto no dos pensamentos, composto por
ideias enganchadas que, através da contradição, uma ideia se transforma em
antítese para daí virar síntese que, ainda incompleta, inicia um novo ciclo e,
sucessivamente, avança até a "Ideia Absoluta".[ii] Essa ideia absoluta
descreve a realidade absoluta que seria o que Deus vê: uma unidade espiritual
imutável, perfeita e eterna.
Os problemas com a Ideia Absoluta. Russell argumenta que, apesar de parecerem sublimes, ao
serem investigados os argumentos são confusos. Hegel diz que o que é incompleto
não subsiste por si só e depende de relações com outras coisas que fazem parte
de sua natureza. Por natureza de uma coisa, Russell entende que seja “all
the truths about the thing”. Se parece claro que a verdade que liga uma
coisa à outra não subsiste se a outra coisa não subsiste, essa verdade não é
parte da coisa, mas, segundo Hegel, é parte da natureza da coisa. Russell,
então, enfatiza a confusão da natureza entre conhecimento de coisas e
conhecimento de verdades. Se assumirmos que a natureza da coisa
consiste nas verdades da coisa, deveríamos conhecer todas as relações da coisa com
todo o universo, porém isso não é possível e ainda assim conhecemos a coisa,
mesmo quando sua natureza não é completa. Conhecemos uma coisa por
familiaridade até mesmo sem conhecer nenhuma proposição da coisa. Ou seja,
conhecer uma coisa não requer conhecimento da natureza da coisa, conforme
acima, embora esse conhecimento esteja envolvido no conhecimento de qualquer
proposição da coisa[iii]. Russell
diz que o fato de uma coisa ter relações não quer dizer que elas sejam logicamente
necessárias já que não podemos deduzir suas relações, somente o faríamos depois
de conhecê-las. Ou seja, não podemos provar que o
universo forma um todo como queria Hegel, e o que se seguiria disso: a
irrealidade do espaço, tempo, matéria, etc. O resultado é a
inviabilidade de uma análise sistêmica e a filosofia segue a análise
indutiva e científica.
Argumentação Metafísica.
Segundo Russell, o trabalho metafísico se assentou em provar que as
características do mundo eram autocontraditórias e por isso não
reais. Porém, os modernos vão no sentido de mostrar que essas contradições
eram ilusórias e que muito pouco pode ser provado a priori de considerações do
que deve ser. Por exemplo, espaço e tempo parecem ser infinitos em extensão, por
mais que tentemos não achamos um fim. Por menor que seja um espaço ou tempo
sempre podemos dividi-los novamente e assim sucessivamente até o
infinito. Porém, contra esses fatos aparentes, filósofos argumentaram que
não haveriam coleções infinitas de coisas. Daí surge uma contradição entre a
aparente natureza do espaço e do tempo e a suposta impossibilidade de coleções
infinitas. Quando Kant enfatizou essa contradição
deduzida da impossibilidade do tempo e do espaço declarados por ele subjetivos,
os filósofos trataram tempo espaço como sendo aparentes e não fazendo
parte do mundo real, como ele é.
Contribuição da Lógica. Porém
o trabalho de matemáticos, principalmente Cantor, mostrou que a impossibilidade
de coleções infinitas era um erro, invalidando uma das grandes construções metafísicas. Conforme Russell: "They are not in fact
self-contradictory, but only contradictory of certain rather obstinate mental
prejudices". Os matemáticos não só mostraram que o espaço
como se supõe ser é possível, como também que outras formas de espaço são
possíveis como a lógica pode mostrar. Por exemplo, alguns axiomas de Euclides que influenciaram filósofos retiraram sua aparente necessidade de nossa
familiaridade com o espaço atual conhecido e não com alguma fundação lógica a
priori. Imaginando mundos em que esses axiomas fossem falsos, os matemáticos
criaram espaços diferentes do nosso e mesmo colocando em dúvida se nosso espaço
é estritamente euclidiano. Até então a experiência descrevia uma possibilidade de
espaço que a lógica mostrou impossível, agora a lógica mostra muitos espaços
possíveis que a experiência apenas parcialmente decide entre eles. Russell abre o mundo
para enormes possibilidades onde pouco é conhecido: "Thus, while our
knowledge of what is has become less than it was formerly supposed to be, our
knowledge of what may be is enormously increased". A lógica, então, torna-se a grande libertadora da
imaginação apresentando inúmeras alternativas para a experiência decidir,
quando possível, entre os mundos oferecidos.
Criticismo Filosófico.
O conhecimento, não fica limitado à experiência atual, mas ao que
podemos aprender da experiência, conforme o conhecimento por descrição, que não
se prende a uma experiência direta. Nesse tipo de conhecimento, porém,
precisamos de uma "conexão de universais" que nos permite inferir um
objeto de um dado. É a conexão de universais que nos permite extrair
dados-dos-sentidos de objetos físicos, ou seja, dá munição para a experiência,
assim como da lei da causalidade para lei da gravitação. A lei de gravitação,
segundo Russell, é uma combinação da experiência com um princípio a priori como
o princípio de indução.[iv] O conhecimento filosófico
é um tipo de conhecimento científico, a diferença é o criticismo que procura
inconsistências nos conhecimentos científicos e da vida diária. Embora a
investigação de Russell tenha refutado, criticamente, um sistema metafísico
como não estando a altura da ciência, ao contrário, a crítica filosófica
corrobora em muito o conhecimento empreendido pela humanidade. Porém, Russell
impõe um certo limite na crítica já que um ceticismo absoluto (blank doubt)
impede qualquer tipo de conhecimento tornando-se destrutivo. A essência da
crítica, para Russell, é a dúvida metodológica cartesiana, analisando cada aspecto do conhecimento, como feito nessa investigação com os
dados-dos-sentidos que pareciam indubitáveis e levaram a rejeitar uma semelhança
direta com o objeto físico. A filosofia não rejeitaria um conhecimento
impassível de objeção. O criticismo filosófico analisa cada parte aparente de
conhecimento em seu mérito e retém o que se mostra ser de fato um conhecimento,
admitido o erro proveniente da falibilidade humana. Ocorre que a filosofia
reduz a chance desse erro tornando-o às vezes irrisório, mais do que isso não é
prudente esperar.
[i] Bertrand Russell, Problems of Philosophy.
THE LIMITS OF PHILOSOPHICAL KNOWLEDGE. Acessado
em 18/7/2019: http://www.ditext.com/russell/rus14.html.
Ver o seguinte fichamento e os anteriores: https://www.reflexoesdofilosofo.blog.br/2019/08/conhecimento-erro-e-opiniao-provavel.html.
[ii] Ideia absoluta que “has no incompleteness, no opposite, and no need of further
development”.
[iii] Hence, (1) acquaintance with a thing does not logically involve a
knowledge of its relations, and (2) a knowledge of some of its relations does
not involve a knowledge of all of its relations nor a knowledge of its 'nature'
in the above sense.
[iv] Thus our intuitive knowledge, which is the source of all our other
knowledge of truths, is of two sorts: pure empirical knowledge, which tells us
of the existence and some of the properties of particular things with which we
are acquainted, and pure a priori knowledge, which gives us connexions between universals,
and enables us to draw inferences from the particular facts given in empirical
knowledge. Our derivative knowledge always depends upon some pure a priori
knowledge and usually also depends upon some pure empirical knowledge.
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