terça-feira, 16 de julho de 2019

A unidade complexa de Russell*

Russell inicia comparando o conhecimento de coisas, que se referem a algo, com o conhecimento de verdades que está sujeito ao erro. Ou seja, as coisas conhecidas existem, não há como negar, porém o conhecimento de verdades envolve um dualismo, já que uns podem acreditar em algo errado na mesma intensidade em que outros podem acreditar em algo certo. Para analisar essa questão ele estuda primeiro o significado da verdade e da falsidade.[i] Então, Russell enumera três pontos na busca da natureza da verdade: 1) uma teoria da verdade deve admitir seu oposto, a falsidade; 2) para haver verdade e falsidade é preciso mais do que somente matéria no mundo, é preciso crenças e afirmações das quais se obtêm verdade e falsidade; 3) apesar da ligação da verdade ou falsidade com a crença, elas não são qualidades intrínsecas da crença, mas a respeito de algo que a crença se refere.
Russell comenta a visão de muitos filósofos de que a verdade é algo que corresponde à ligação da crença com o fato, corroborando a ligação com algo externo e nomeando como a teoria da coerência[ii], quando a falsidade é a falta de coerência com o conjunto de nossas crenças. Porém, Russell salienta que não há apenas um conjunto coerente de crenças usando como exemplo a ciência, onde há mais de uma hipótese para um conjunto de fatos de determinado assunto, assim como em Filosofia, que também pode haver mais de uma hipótese capaz de suplantar todos os fatos, por isso a coerência falha como definição da verdade. Além do mais, a coerência pressupõe as leis da lógica, p.ex., a lei da contradição que, se falsa, "nada será mais incoerente com qualquer outra coisa". Dito isto, ele conclui que a coerência seria mais um teste da verdade e não se confundindo com a própria verdade.
Russell então retorna à correspondência com os fatos como sendo a natureza da verdade, ressaltando que não significa uma relação da mente com um objeto, senão não haveria seu oposto, a falsidade. Aprofundando essa correspondência, ele mostra que, às vezes, a crença não se refere a nenhum objeto em outras a inúmeros, nas palavras do filósofo, tratando da crença ou do julgamento:
What is called belief or judgement is nothing but this relation of believing or judging, which relates a mind to several things other than itself. An act of belief or of judgement is the occurrence between certain terms at some particular time, of the relation of believing or judging.
Segundo Russell o ato de julgar envolve um sujeito, a mente, e objetos que são os termos que são julgados. Eles são os constituintes do ato de julgar e tem um sentido ou direção, ou seja, há uma ordem entre eles. Para ele, qualquer relação entre sujeito e objetos os une em um todo complexo, e o inverso, onde há um objeto complexo há relação unindo seus constituintes. Mesmo dentro dos objetos pode haver outras relações dependendo da relação primeira que é a crença ou julgamento. Já acreditar falsamente invalida as relações dos objetos.
Russell encontra então a definição de verdade: quando a crença corresponde a uma unidade complexa formada pelos termos, a relação e a mente.[iii] Assim, verdade e falsidade são propriedades extrínsecas das crenças e no limite não envolvem a mente, somente os objetos das crenças, como ele diz: “Hence we account simultaneously for the two facts that beliefs (a) depend on minds for their existence, (b) do not depend on minds for their truth”. A verdade é a correspondência entre a crença e esse fato composto pela unidade complexa e a falsidade aparece quando não há tal fato. Porém, verdade e falsidade não são criadas pela mente, mas a mente cria crenças feitas verdade por um fato.



* Bertrand Russell, Problems of Philosophy. TRUTH AND FALSEHOOD. Acessado em 9/7/2019: http://www.ditext.com/russell/rus12.html. Ver o seguinte fichamento e os anteriores: https://www.reflexoesdofilosofo.blog.br/2019/07/graus-de-autoevidencia.html.
[i] Importante ressaltar que o enfoque de Russell aqui é na busca do que é verdade e falsidade e não de quais crenças são verdadeiras ou falsas.
[ii] Em algum momento deveríamos confrontar a teoria do conhecimento de Russell com Descartes, já que ele põe em dúvida o conhecimento oriundo dos sentidos (sujeito ao erro). Já Russell aqui parece fazer o oposto.
[iii] Esse complexo parece uma coisa que precisará ser mais bem investigado ontologicamente.

Nenhum comentário:

Postar um comentário