Passa pelas fases realistas de Putnam[i]
Putnam se filia ao realismo que ganha
força na década de 70 impulsionado por Kripke e a teoria causal da referência,
cuja proposta é estabelecer uma relação direta entre o referido e o termo, perpassando
o significado. Se Kripke trata dos nomes próprios, Putnam aborda as espécies
naturais (água, ouro, tigre...) que compõem o mundo. Em sua primeira fase, que
poderia ser chamada de realismo metafísico, subentende-se que há no
mundo uma totalidade fixa de objetos que são independentes da mente, mundo
exterior existente e livre de nossas teorias. Além disso, é possível supor uma
descrição completa e perfeita de como o mundo é, trazendo uma noção de verdade
como correspondência entre as palavras e coisas externas. Essa é a perspectiva
externalista, o chamado ponto de vista do olho divino.
Há uma ontologia externalista que prevê o
mundo externo e a semântica da verdade com referência externalista baseada no realismo
científico que nos dá acesso epistêmico ao mundo, evitando o ceticismo, mesmo
que falível e aproximado (i.e., realismo convergente). A ciência segue o ideal de busca da verdade,
de um conhecimento verdadeiro do mundo, mas postula entidades inobserváveis em
suas previsões e, assim, deixa questões problemáticas para os realistas, como uso
de genes, átomos e outros. Ora, se não existem essas entidades, como seria
possível explicar o êxito da ciência? É o argumento do milagre: sem essas explicações,
como mostrar que tudo funciona adequadamente? Nesse caso, a melhor concepção é
o realismo científico.
Plastino destaca que, por mais que haja
teorias a respeito do átomo, a referência a ele permanece e busca-se por
explicações a seu respeito, trazendo uma estabilidade referencial. As crenças
mudam, o objeto não, o conhecimento avança cumulativamente incorporando teorias
anteriores. Pode haver mudanças semânticas, de sentido, mas a referência continua,
assim como na Terra Gêmea há uma substância chamada água que tem outra
composição química: XYZ. Ou seja, o sentido de água não está em nossa cabeça, dado que XYZ não é água, pois a referência faz parte do significado, mesmo que
semelhante em aparência. É a extensão do termo que determina o significado.
Porém, Putnam começa a rever sua posição
externalista ao perceber que poderia haver vários mapeamentos da linguagem com
o mundo, colocando em dúvida a fixação da referência e da verdade dada a
multiplicidade de correspondências[ii]. Então ele se questiona
sobre nossa capacidade de chegar ao conhecimento (concepção epistêmica de
verdade), já que a correspondência é não epistêmica, independente de nossa
capacidade cognitiva, embora para o realista há verdades que não dependem de
nós.
Para o realista metafísico, uma teoria
poderia satisfazer todos os critérios epistêmicos (coerência, previsão,
explicação) e ainda ser falsa, não corresponder à realidade, já que pertencendo
ao ser humano e enfatizando uma dicotomia entre realidade e teoria. Então ele
questionará tal divisão entre mundo e conceito propondo que o que vale é o
esquema conceitual que estamos utilizando e não devemos falar da coisa em si.
Putnam já está negando o realismo metafísico em prol de um realismo interno que traz a relatividade conceitual dependente de perspectivas. Como pode haver
teorias verdadeiras e equivalentes do mundo, a ideia de “Mundo” em si se esvai.
O acesso a ele é feito por um esquema conceitual no qual colocamos os objetos,
dentro de uma certa descrição. Sobre o sol, por exemplo, podemos falar dentro
de um esquema conceitual, embora o sol não dependa desse esquema.
Ocorre que, inviabilizando a noção de
verdade por correspondência propalada pelo realismo metafísico, Putnam proporá
uma noção epistêmica em que associa a verdade à justificação e que evita mapear
o mundo pela linguagem. Por exemplo, pelo verificacionismo fundado na evidência
dos enunciados, nas condições de verdade que dependem de nossa capacidade cognitiva.
Mas o verificacionismo pode levar ao relativismo cognitivo, já que pode haver
mudanças de justificação pelo surgimento de evidências. Ora, a verdade não
deveria ter essa oscilação, então, conforme Peirce, a justificação se daria ao
longo do tempo, dentro do processo científico, em seu limite. Esse realismo com
face humana de Putnam, traz a verdade de um enunciado como podendo ser
justificado, algo aceitável racionalmente, mas não aqui e agora, mas
idealmente. A verdade é um ideal regulador, que norteia a busca das condições
epistêmicas e é vista como questão objetiva em que enunciados são melhores que
outros independente do contexto histórico e cultural.
Mas também haverá dificuldade nessa nova “situação
ideal”, se antes era a correspondência agora é a episteme, levando-o a uma nova
autocrítica. A verdade, dependente de fatores humanos, poderia se manter
estável? Como usar o papel da verdade na prática? Essa ideia estaria muito
próxima de uma situação ideal difícil de ser encontrada na prática, de acordo
Rorty. Se humano, esse ideal é suscetível a erros e mesmo uma investigação
ideal pode ter proposições com conceitos vagos ou subdeterminados. Ou como
distinguir melhores situações epistêmicas? Sabe-se que as avaliações
epistemológicas variam com o tempo e pressuposições.
Então surge o realismo natural (direto ou
pragmático) que descarta a linguagem como espelhamento da realidade, mas propõe
que nossas crenças e enunciados devam ser responsáveis pela realidade (cognitivamente
dar uma resposta ao mundo e ao outro, evitando o idealismo). Ele diz que
observamos as próprias coisas diretamente pela percepção e não pela
intermediação dos dados sensíveis, que são imagens delas e das quais
falaríamos. Ora, o mundo que conhecemos não é produto de nossa mente, ele é
independente de nós e de nossos artefatos e nos restringe forçando determinada
resposta a ele. Mundo objetivo que limita nossas crenças. Então, o realismo não
necessita de uma teoria epistêmica da verdade, já que fala sobre o mundo.
Sobre o pragmatismo, importa a crítica à
dicotomia fato valor[iii].
Há valores cognitivos epistêmicos (predição, confiabilidade) que norteiam a
teoria que versa sobre o mundo, então o fato é pautado por esses valores
“embutidos”, assim como no discurso cotidiano. Há valor embutido na ciência: os
fatos se dissolvem em valores (objetivos). Importa a noção pragmática de
objetividade que visa superar cada cultura. Mesmo dentro de um falibilismo que
não cai em ceticismo. Ele ressalta também que devemos estar abertos a várias
descrições acerca do mundo, não devemos bloquear a investigação e não há um “a
priori” universal e independente.
Associando os valores cognitivos da
ciência e os valores éticos, pode haver comunhão ou competição entre os pesquisadores, mas sempre com
interação mútua que influencia o conhecimento do mundo. O dogmático não baseia suas crenças na
experiência, elas são independente do que ocorre, disse Peirce, mas o que altera suas
crenças são outras pessoas com outras crenças diferentes das dele gerando uma
pressão social que o faça mudá-las. O realismo permite responder ao outro e ao
mundo. Porém, Putnam discorda dos pragmatistas com relação as teorias da
verdade que associam justificação e verdade levando ao relativismo[iv].
[i] Fichamento UNIVESP https://www.youtube.com/playlist?list=PLxI8Can9yAHcC9hEv4oAnMT5GI1zGRW1_ Empirismo e Pragmatismo Contemporâneos - Putnam
e a objetividade do conhecimento. Prof. Caetano Plastino.
[ii] De acordo com Plastino, o Teorema
de Löwenheim–Skolem.
[iii] Estão intrinsicamente ligados e
ambos merecem interpretação objetiva. Já falamos do tema brevemente: https://www.reflexoesdofilosofo.blog.br/2013/12/possibilidade-possibilidade-reside.html
[iv] Plastino ressalta a dificuldade com a noção de verdade que aparecerá também em Rorty.
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