terça-feira, 28 de novembro de 2023

Carnap e o princípio da tolerância

Fala do pragmatismo de Carnap[i]

Como a ciência conhece o mundo? Por qual método e fundamentos? Essas são questões levantadas pelo Círculo de Viena dada a preocupação em se fazer com que a Filosofia siga o caminho da Ciência, tornando-se uma filosofia científica. O pensamento científico tinha, naquela época (década de 20), como inimigos a metafísica e a teologia e como aliados o liberalismo, o empirismo, entre outros. Utilizando-se da análise lógica fundada por Frege e Russell seria possível mostrar que a grande parte dos enunciados metafísicos eram contrassensos.

Inspirados pelo Tratactus, os intelectuais do círculo pretendiam que a filosofia fizesse o esclarecimento lógico dos pensamentos, clarificando as proposições e buscando um dizer cristalino. Carnap relembra a luta histórica contra a metafísica já empunhada pelos céticos gregos e que se valeria da incipiente lógica moderna. Proposições que envolvem termos como Ideia, Absoluto, coisa em si, por exemplo, não faziam sentido, nada significavam, segundo ele. A filosofia científica seria moral e social, promovendo o progresso e retomando o ideal iluminista.

Eles publicam um manifesto que divide os enunciados da ciência empírica e os da metafísica que seriam um “sentimento perante a vida”, mas que deveriam ser expressos pela arte, já que a teoria deve descrever o mundo e ser verdadeira ou falsa. A linguagem conduz a erros metafísicos e o pensamento de gabinete não alcança o mundo. Intuições intelectuais não vão além delas mesmas, e a crítica do ex-neokantiano Carnap atinge os juízos sintéticos a priori kantianos[ii], como a aritmética: “7 + 5 = 12”[iii], criticada pelo logicismo que via essas proposições como analíticas. Também a geometria euclidiana estaria ligada à nossa intuição espacial que, com o aparecimento das geometrias não euclidianas do século XIX, elas mostrariam que não há relação com a percepção sensível, não passando de convenções, isto é, postulados coerentes e não necessários – não a priori. Por fim, o terceiro exemplo de Kant [sobre juízos sintéticos a priori] das três leis fundamentais de Newton é refutado pelo próprio avanço da ciência, como a relatividade e mecânica quântica, tornando-o falso em alguns casos. Verdades sintéticas (com conteúdo) a priori não são viáveis e todo o conhecimento sintético é a posteriori, baseado na empiria e as verdades a priori são analíticas.

Não obstante essa “limpeza de terreno”, para ser significativa uma proposição deve seguir critérios como o método de sua verificação e conhecer suas condições de verdade no âmbito da experiência, sua adequação com a realidade. Sistemas filosóficos se digladiam porque seus enunciados não são verificáveis, não é possível verificar seus “estados de coisas” que podem acontecer ou não. Se sabemos o sentido de um enunciado, podemos saber se ele é verdadeiro ou falso por experiências que nos apoiariam a decidir por um enunciado P a ser P ou não P. Significado e verificação são os critérios utilizados por Carnap, sabendo que a proposição P é verdadeira, isto é, quais suas condições de realização, conheceríamos o seu significado.

Outro ponto destacado por Plastino é que, para Carnap, a representação mental vai além do enunciado. A expressão “Vou sentar no banco da praça” pode causar uma representação mental de um banco cinza, sem encosto. Diferentemente da representação factual do enunciado, essa é uma representação acompanhante do objeto que não faz parte dos fatos acerca dele e que são teoricamente irrelevantes, embora de importância prática que pode se dar pela arte. Cientificamente, é a realidade empírica que importa, independentemente do ponto de vista filosófico, por exemplo, uma montanha ser real ou se a realidade é oriunda de nossa percepção. Ou seja, a metafísica confunde representações acompanhantes e factuais e seus enunciados não têm significado teórico (V ou F).

A disputa entre realistas e idealistas não deveria tentar explicitar como é o mundo, mas como deve ser utilizada a linguagem, se fisicalista (utilizada pela influência de Neurath) ou fenomenista (linguagem de vivências, utilizada no Aufbau), pois essa é uma questão prática. Plastino enfatiza que Carnap defende um modo formal de falar e não um modo material, isso é, ao invés de falar das coisas trata de como falar das coisas e questiona qual a linguagem mais coerente para falar do mundo (nível metalinguístico). Se usou a linguagem fenomenista das sensações, ele compreende que a linguagem fisicalista é mais adequada para a ciência já que pode ser compartilhada e atingir uma ciência unificada pelo uso da mesma linguagem.

Entretanto, os membros do Círculo de Viena entenderam que o critério de verificação não é o mais adequado e começa a sua flexibilização, dada a dificuldade de verificação de alguns enunciados (p.ex. “Toda esmeralda é verde.”). Ao contrário, é possível encontrar uma esmeralda não verde, mas isso depõe contra a universalidade da ciência. Uma alternativa é o critério de falseabilidade, e aqui cabe marcar uma distinção entre critério de sentido (empiristas) e de demarcação (Popper). Para este último, que entendia que a metafísica fazia sentido, o critério permitiria separar ciência e não ciência, embora ainda tendo dificuldades com questões existenciais, que não podem ser falsificadas, somente verificadas. Por fim, o critério da testeabilidade pelo qual os enunciados poderiam ser ou verificáveis ou falseados para poderem fazer sentido, que também apresenta dificuldades com enunciados universais e existenciais: Para cada substância (U), existe um ponto de fusão (E).

Plastino mostra, com isso, as dificuldades dos empiristas lógicos com os enunciados e, por isso, Carnap destaca a sua interpretação parcial. Ele também trata da relevância preditiva, quando hipóteses sobre termos teóricos permitem agregar novas proposições a um sistema. (por exemplo, o inobservável elétron, o que não é o caso para o termo absoluto). Acaba que, por exemplo em Wittgenstein, algumas proposições metafísicas passam para o campo metalinguístico, como a lei de causalidade (Todo efeito tem uma causa) que não é uma lei científica, mas a forma das leis científicas, já que elas o respeitam. Enfatiza-se que a metafísica não fala do mundo, mas do discurso sobre o mundo, análise gramatical que pode tomar desde a sintaxe (símbolos), passando pela semântica (significado) até a pragmática (uso pelo sujeito). No seu texto de 34, Carnap sustenta que somente a análise sintática é suficiente para o trabalho de análise filosófica do discurso científico, do ponto de vista formal, sendo tolerantes a que forma da linguagem utilizar, já que são convenções a serem julgadas pelos seus resultados, evitando-se posições dogmáticas.

Para ele, questões ontológicas podem dizer respeito a categorias sintáticas (coisa, fato, espaço) e outras a predicados específicos (cadeira, azul, hoje) muito diferente de questões como “Existem números?”, que abrangem a totalidade e se refere ao ambiente externo, fora do sistema linguístico já instituído. Já a questão ontológica “Existem água em Marte?” é uma questão teórica interna que pode ser respondida dentro de um sistema, com “Sim” ou “Não”. Sistema linguístico que pode ser fisicalista ou fenomenista, conforme já vimos, se é conveniente ou não para determinado propósito, se é simples, fecundo. 

Quine dirá que é a tolerância e o princípio experimental que devem ser usados para construir os sistemas linguísticos que serão usados pela ciência e avaliados de forma pragmática. Isto é, as regras de construção da linguagem devem ser tornadas claras e não há uma só linguagem logicamente correta, é o cientista que vai escolher entre uma e outra de maneira prática. Conforme James, o pragmatismo é uma atitude, não olha para princípios ou categorias, mas para as últimas coisas, os resultados. Encerrando, para Carnap, escolher o sistema é da ordem prática e, uma vez escolhido, dentro dele suas questões são teóricas.



[i] Fichamento UNIVESP https://www.youtube.com/playlist?list=PLxI8Can9yAHcC9hEv4oAnMT5GI1zGRW1_  Empirismo e Pragmatismo Contemporâneos - Carnap e o princípio da tolerância. Prof. Caetano Plastino.

[ii] Aqui cabe lembrar que o racionalismo kantiano não é feito de conhecimentos inatos, mas de uma estrutura espaço temporal que permite conhecer – conforme as aulas do professor de filosofia de hoje e sempre: Vitor Lima, do INEF: https://www.youtube.com/@istonaoefilosofia.

[iii] Não é mera tautologia já que fala do mundo, mas independentemente dele, já que é condição de possibilidade da própria experiência. 

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