Fala do pragmatismo de Carnap[i]
Como a ciência conhece o mundo? Por
qual método e fundamentos? Essas são questões levantadas pelo Círculo de Viena
dada a preocupação em se fazer com que a Filosofia siga o caminho da Ciência,
tornando-se uma filosofia científica. O pensamento científico tinha,
naquela época (década de 20), como inimigos a metafísica e a teologia e como
aliados o liberalismo, o empirismo, entre outros. Utilizando-se da análise
lógica fundada por Frege e Russell seria possível mostrar que a grande parte
dos enunciados metafísicos eram contrassensos.
Inspirados pelo Tratactus, os intelectuais do círculo pretendiam
que a filosofia fizesse o esclarecimento lógico dos pensamentos, clarificando
as proposições e buscando um dizer cristalino. Carnap relembra a luta histórica
contra a metafísica já empunhada pelos céticos gregos e que se valeria da incipiente
lógica moderna. Proposições que envolvem termos como Ideia, Absoluto, coisa em
si, por exemplo, não faziam sentido, nada significavam, segundo ele. A filosofia
científica seria moral e social, promovendo o progresso e retomando o ideal
iluminista.
Eles publicam um manifesto que divide os enunciados da
ciência empírica e os da metafísica que seriam um “sentimento perante a vida”,
mas que deveriam ser expressos pela arte, já que a teoria deve descrever o
mundo e ser verdadeira ou falsa. A linguagem conduz a erros metafísicos e o
pensamento de gabinete não alcança o mundo. Intuições intelectuais não vão além
delas mesmas, e a crítica do ex-neokantiano Carnap atinge os juízos sintéticos
a priori kantianos[ii],
como a aritmética: “7 + 5 = 12”[iii],
criticada pelo logicismo que via essas proposições como analíticas. Também a
geometria euclidiana estaria ligada à nossa intuição espacial que, com o
aparecimento das geometrias não euclidianas do século XIX, elas mostrariam que não
há relação com a percepção sensível, não passando de convenções, isto é, postulados
coerentes e não necessários – não a priori. Por fim, o terceiro exemplo de Kant
[sobre juízos sintéticos a priori] das três leis fundamentais de Newton é
refutado pelo próprio avanço da ciência, como a relatividade e mecânica quântica,
tornando-o falso em alguns casos. Verdades sintéticas (com conteúdo) a priori
não são viáveis e todo o conhecimento sintético é a posteriori, baseado na
empiria e as verdades a priori são analíticas.
Não obstante essa “limpeza de
terreno”, para ser significativa uma proposição deve seguir critérios como o
método de sua verificação e conhecer suas condições de verdade no âmbito da
experiência, sua adequação com a realidade. Sistemas filosóficos se digladiam
porque seus enunciados não são verificáveis, não é possível verificar seus
“estados de coisas” que podem acontecer ou não. Se sabemos o sentido de um
enunciado, podemos saber se ele é verdadeiro ou falso por experiências que nos apoiariam
a decidir por um enunciado P a ser P ou não P. Significado e verificação são
os critérios utilizados por Carnap, sabendo que a proposição P é verdadeira,
isto é, quais suas condições de realização, conheceríamos o seu significado.
Outro ponto destacado por Plastino é
que, para Carnap, a representação mental vai além do enunciado. A expressão
“Vou sentar no banco da praça” pode causar uma representação mental de um banco
cinza, sem encosto. Diferentemente da representação factual do enunciado, essa
é uma representação acompanhante do objeto que não faz parte dos fatos acerca dele
e que são teoricamente irrelevantes, embora de importância prática que pode se
dar pela arte. Cientificamente, é a realidade empírica que importa,
independentemente do ponto de vista filosófico, por exemplo, uma montanha ser
real ou se a realidade é oriunda de nossa percepção. Ou seja, a metafísica
confunde representações acompanhantes e factuais e seus enunciados não têm significado
teórico (V ou F).
A disputa entre realistas e
idealistas não deveria tentar explicitar como é o mundo, mas como deve ser
utilizada a linguagem, se fisicalista (utilizada pela influência de Neurath) ou
fenomenista (linguagem de vivências, utilizada no Aufbau), pois essa é uma
questão prática. Plastino enfatiza que Carnap defende um modo formal de falar e
não um modo material, isso é, ao invés de falar das coisas trata de como
falar das coisas e questiona qual a linguagem mais coerente para falar do
mundo (nível metalinguístico). Se usou a linguagem fenomenista das sensações,
ele compreende que a linguagem fisicalista é mais adequada para a ciência já
que pode ser compartilhada e atingir uma ciência unificada pelo uso da mesma
linguagem.
Entretanto, os membros do Círculo de
Viena entenderam que o critério de verificação não é o mais adequado e começa a
sua flexibilização, dada a dificuldade de verificação de alguns enunciados
(p.ex. “Toda esmeralda é verde.”). Ao contrário, é possível encontrar uma
esmeralda não verde, mas isso depõe contra a universalidade da ciência. Uma alternativa
é o critério de falseabilidade, e aqui cabe marcar uma distinção entre critério
de sentido (empiristas) e de demarcação (Popper). Para este último, que
entendia que a metafísica fazia sentido, o critério permitiria separar ciência
e não ciência, embora ainda tendo dificuldades com questões existenciais, que
não podem ser falsificadas, somente verificadas. Por fim, o critério da
testeabilidade pelo qual os enunciados poderiam ser ou verificáveis ou
falseados para poderem fazer sentido, que também apresenta dificuldades com
enunciados universais e existenciais: Para cada substância (U), existe um ponto
de fusão (E).
Plastino mostra, com isso, as dificuldades
dos empiristas lógicos com os enunciados e, por isso, Carnap destaca a sua interpretação
parcial. Ele também trata da relevância preditiva, quando hipóteses sobre
termos teóricos permitem agregar novas proposições a um sistema. (por exemplo,
o inobservável elétron, o que não é o caso para o termo absoluto). Acaba que,
por exemplo em Wittgenstein, algumas proposições metafísicas passam para o campo
metalinguístico, como a lei de causalidade (Todo efeito tem uma causa) que não
é uma lei científica, mas a forma das leis científicas, já que elas o
respeitam. Enfatiza-se que a metafísica não fala do mundo, mas do discurso
sobre o mundo, análise gramatical que pode tomar desde a sintaxe (símbolos),
passando pela semântica (significado) até a pragmática (uso pelo sujeito). No
seu texto de 34, Carnap sustenta que somente a análise sintática é suficiente
para o trabalho de análise filosófica do discurso científico, do ponto de vista
formal, sendo tolerantes a que forma da linguagem utilizar, já que são
convenções a serem julgadas pelos seus resultados, evitando-se posições dogmáticas.
Para ele, questões ontológicas podem dizer respeito a categorias sintáticas (coisa, fato, espaço) e outras a predicados específicos (cadeira, azul, hoje) muito diferente de questões como “Existem números?”, que abrangem a totalidade e se refere ao ambiente externo, fora do sistema linguístico já instituído. Já a questão ontológica “Existem água em Marte?” é uma questão teórica interna que pode ser respondida dentro de um sistema, com “Sim” ou “Não”. Sistema linguístico que pode ser fisicalista ou fenomenista, conforme já vimos, se é conveniente ou não para determinado propósito, se é simples, fecundo.
Quine dirá que é a
tolerância e o princípio experimental que devem ser usados para construir os
sistemas linguísticos que serão usados pela ciência e avaliados de forma pragmática.
Isto é, as regras de construção da linguagem devem ser tornadas claras e não há
uma só linguagem logicamente correta, é o cientista que vai escolher entre uma e
outra de maneira prática. Conforme James, o pragmatismo é uma atitude, não olha
para princípios ou categorias, mas para as últimas coisas, os resultados. Encerrando, para Carnap, escolher o sistema é da ordem prática e, uma vez escolhido, dentro dele suas questões são teóricas.
[i] Fichamento UNIVESP https://www.youtube.com/playlist?list=PLxI8Can9yAHcC9hEv4oAnMT5GI1zGRW1_
Empirismo e Pragmatismo Contemporâneos -
Carnap e o princípio da tolerância. Prof. Caetano Plastino.
[ii] Aqui cabe lembrar que o
racionalismo kantiano não é feito de conhecimentos inatos, mas de uma estrutura
espaço temporal que permite conhecer – conforme as aulas do professor de
filosofia de hoje e sempre: Vitor Lima, do INEF: https://www.youtube.com/@istonaoefilosofia.
[iii] Não é mera tautologia já que fala do mundo, mas independentemente dele, já que é condição de possibilidade da própria experiência.
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