Fala do empirismo de Quine, crítico de
Carnap[i]
Quine foi influenciado por Carnap e
Russell que partilhavam da divisão entre ciências naturais - as que dependem de
conhecimento empírico, e a matemática e lógica, compostas de verdades
analíticas, sendo que os enunciados da primeira pudessem ser reduzidos aos enunciados da
segunda. Porém, como já vimos nesse espaço, Quine questiona a divisão
analítico-sintético por conta da noção de analiticidade que os distingue. Se as
proposições analíticas dependem somente da compreensão de seu significado, as
proposições sintéticas dependem de que se compreenda o significado (linguagem),
mas também de como é o mundo.
Quine enfatiza que a distinção traria
ganhos a Carnap, por mostrar que as verdades da matemática e da lógica não têm
conteúdo empírico e que são necessárias, ao contrário do empirista Mill que
pensava que a matemática dependia da experiência. Ocorre que, para chegarmos a
uma verdade lógica por meio da analiticidade, ao procedermos com a substituição
de termos sinônimos (solteiro = não casado, P = “nenhum solteiro é casado”)
validados pela manutenção do significado, uma entidade intermediária, caímos em
circularidade e o dogma se expõe, por não ter um critério claro.
Ele também faz a crítica ao verificacionismo reducionista,
segundo dogma, que visa testar um único enunciado na experiência, já
que deveria depender do todo – o holismo oriundo de Duhem[ii],
enfrentando o mundo como um todo coerente. Segundo Quine, qualquer conhecimento
é uma construção humana que toca na experiência em seu contorno, podendo haver
um conflito que resultará em ajuste dos enunciados. São os enunciados de
observação (check points), com os enunciados mais teóricos ao centro,
distantes da experiência, como os da matemática e lógica, mas indistintamente,
em conjunto, ainda submetidos ao seu tribunal. É o falibilismo, já que qualquer
enunciado é passível de revisão[iii],
mesmo os analíticos, a diferença é de grau[iv]. Além
da adequação à experiência o sistema deve ter virtudes pragmáticas, como fazer boas
previsões, ser fecundo, entre outras.
Quine também se atém ao fisicalismo,
tomando o mundo com entidades físicas e as entidades abstratas da matemática que
são indispensáveis à construção da ciência. Na experiência, o sujeito recebe estímulos
sensoriais e dá assentimento ou rejeita proposições, tomando por base os
objetos, mesmo os atômicos que são supostos para formulação de leis. Procedimento da ciência que é uma continuação do senso comum.
Já o naturalismo nega que haja uma filosofia primeira que não seja experimental e fora da ciência, pois é essa última que diz o que é que existe (ontologia) e como sabemos o que existe (epistemologia), de como conhecemos o que existe. O empirismo, de acordo com Quine, passa das ideias para as palavras (expressões linguísticas) - evitando o psicologismo; passa dos termos para as sentenças [que podem ser verificadas] como unidade de significado; e passa das sentenças para um sistema de sentenças (holismo e não reducionismo).
Há o monismo metodológico avaliado por razões
empíricas e pragmáticas em todas as sentenças, abandonando a distinção
analítico-sintética; não existe um tipo de conhecimento superior ao científico
que investiga a realidade, este sempre se sujeita ao tribunal da ciência como sua
própria justificação. A própria epistemologia passa a fazer parte da ciência,
sendo naturalizada, verificando nossas estimulações nervosas e sensoriais. Não
há mais o imediatamente dado, mas tudo é investigado: sujeito, estímulos dos
objetos, comportamento verbal, por uma teoria científica que visa solucionar
como conhecemos o mundo.
Como somos capazes de alcançar a
ciência, gerar teorias que vão muito além da estimulação sensorial? Pelo
aprendizado vamos recebendo conhecimento que vem como um todo com pontos que
não entendemos, mas vamos investigando por dentro para corrigi-lo, se for o
caso. Mesmo a ontologia é interna a teoria, já que supomos as entidades com as
quais trabalharemos, no exemplo que Plastino traz de uma semântica extensional
que atribui valor a X (por exemplo, um cão que pode ser branco) e que esse X
pode ser intercambiado por uma referência ou outra. É o compromisso ontológico
do que deve existir: “ser é ser o valor de uma variável ligada”, que satisfaça
as condições da teoria. Mas cada ciência trata de certos objetos e os agrupa e
descreve, sejam planetas, seres ou números, a depender de cada uma. Já o
filósofo busca uma abrangência maior, indo além da aceitação acrítica e visa tornar
explícito o que era vago, porém a partir do interior dos sistemas conceituais
da ciência ou do senso comum, embora em graus mais elevados e distantes da
observação.
Para Quine, a tolerância proposta por
Carnap não ficaria presa ao exterior, na escolha das formas linguísticas, mas
também iria para dentro do sistema, verificando as questões internas, sua
coerência, sendo então de ordem prática também e adequada empiricamente.
Por fim, Plastino cita a subdeterminação das teorias pelos dados, já que mais
de uma teoria pode descrever um mesmo conjunto de dados e se contradizendo, o
mesmo ocorrendo para a tradução[v],
onde uma linguagem pode ser traduzida de maneiras diferentes e por elas
subdeterminadas, tornando-se indeterminada, até chegar à teoria da indeterminação da
referência.
Sigamos, encerra Plastino, reformando
o barco em alto mar, nós, ciência e filosofia. Podendo até mudar tudo, mas não
tudo ao mesmo tempo e sem sair do barco (de Neurath).
[i] Fichamento UNIVESP https://www.youtube.com/playlist?list=PLxI8Can9yAHcC9hEv4oAnMT5GI1zGRW1_ Empirismo e Pragmatismo Contemporâneos - O
empirismo sem dogmas de Quine. Prof. Caetano Plastino.
[ii] Assim como o
significado de um termo depende do contexto, do todo ao qual está inserido.
[iii] Podemos ver o contraste
entre uma visão de verdade verificacionista de enunciados individuais,
supostamente dogmática, e a abrangência da postura holística.
[iv] Mesmo a lei do terceiro
excluído teria sido superada pela mecânica quântica, conforme citação de
Plastino.
[v] Vide https://www.reflexoesdofilosofo.blog.br/2023/09/gavagai.html.
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