Observações iniciais informais sobre a
indeterminação da tradução e congêneres[i]
O experimento da indeterminação da
tradução da Quine é muito importante porque já quebra barreiras dogmáticas de abordagens
nascituras da Filosofia da Linguagem, especialmente visões oriundas do Círculo
de Viena. Imaginemos um linguista que vai a campo criar um manual de tradução
da linguagem usada por uma tribo indígena isolada e ele faz uma primeira observação
de um falante que aponta para um coelho e diz para seu acompanhante: “Gavagai!”.
O linguista anota essa cena e se pergunta, sobre gavagai: “Seria o coelho ou
uma parte do coelho? Seria comida, almoço? Seria animal?”.
Esse breve excerto serve para mostrar
que o trabalho de rotulagem das coisas pela linguagem depende do contexto e é
arbitrário, ou seja, ele é relativo ao que ocorre. Assim, o manual criado pelo
linguista deverá ser construído mediante as observações empíricas e serve como
uma forma de refutar possíveis enunciados puramente analíticos, isto é, que são
verdadeiros em si, independentemente da experiência. Na realidade, talvez se criem
enunciados analíticos, mas eles poderiam ser formados por abstração e a posteriori.
Então, o experimento condiciona a
linguagem ao contexto de uso referido, mas ele também mostra que, se um outro
linguista que se aventurasse nessa mesma tarefa de confecção do manual, criaria
um manual diferente do anterior, em virtude daquelas perguntas iniciais que seriam
respondidas de inúmeras formas por inúmeros linguistas. Nesse sentido, a tradução
se indetermina pelas inúmeras abordagens que podem a ser construídas pelas
diferentes observações empíricas de uso e revela, também, a inescrutabilidade[ii]
da referência, já que gavagai poderia ser o coelho ou a perna do coelho.
Teremos que fazer o escrutínio desse
didático livro de Conserva por meio de fichamentos, mas de antemão teremos
material para aprofundar em sua denúncia dos dois dogmas do empirismo[iii]
e de sua proposta por uma epistemologia que recusa um fundacionalismo e
normativismo por meio do behaviorismo e empirismo[iv]. Um
ponto interessante é que vai desmistificar o significado como uma entidade
abstrata, vai mostrar a não alcançabilidade da referência e recusar a primazia
verificacionista de enunciados verdadeiros por meio de uma teoria holística. Ou
seja, é demolidor.
[i] Estamos na primeira
leitura diagonal de Quine: Linguagem e Epistemologia naturalizada. CONSERVA,
José Nilton. Curitiba: Appris, 2019.
[ii]
Do que é impossível de ser escrutado, investigado, compreendido; impenetrável,
incompreensível, insondável (Oxford Languages and Google).
[iv] Preliminares: https://www.reflexoesdofilosofo.blog.br/2022/04/a-nossa-teoria-sobre-como-o-mundo-e.html.
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