Sobre filosofia da mente, com uma pitada de ceticismo,
linguagem e que tais[i]
Mote. Vamos tentar
investigar se, quando Dennett assume uma postura perante a linguagem comum e
outra perante a linguagem científica, se ele está em uma postura cética. A postura
cética é aquela que nos deixa viver da seguinte forma: “eu sei que tem um problema
ali, mas eu consigo conviver com ele”[ii]. Até se aproxima de uma
postura existencial, a lá Camus: “eu não tenho garantias de nada, tudo é
muito misterioso, devo me matar?”. Ora, a postura cética não deixa de estar
associada à linguagem, pois devemos evitar termos ou os parafrasear, como vamos
ver com a substituição de “mente” por “cabeça” em asserções como: “o que tenho
na mente?” e “O que tenho na cabeça?”.
Consciência[iii]
(p. 13). Parece que o materialismo trata o mental como algo
apenas cerebral. Porém, não podemos nos privar da consciência, segundo
Chalmers. De outro modo, seríamos zumbis[iv], ou seja, pessoas que
andam por aí sem estar exatamente consciente do que fazem. Para Chalmers, há
consciência e ela é um fenômeno irredutível no mundo, assim, com o tempo,
espaço e outras coisas[v]. Dennett se insere nesse
campo trazendo a visão de que é possível elucidar o que é a consciência pela
investigação científica, pela neurociência, ou seja, “abrindo” o cérebro para
ver o que tem dentro. Ou, enfim, pela evolução dos estudos de imagens cerebrais[vi]. Ora, essa linha de
investigação pode abalar o campo filosófico já que a filosofia, pela sua
primazia, trata os temas de maneira conceitual e, voltando nosso olhar
estritamente para a ciência como ferramenta para resolução das questões,
poderia não sobrar espaço para a reflexão filosófica (p. 15).
Estudo da mente.
Se o estudo do mental remete às origens da filosofia[vii], ele se reacende por
volta dos anos 50 do século passado, até pelo aporte do viés empírico, seja
pela via da inteligência artificial e neurociência[viii]. Entretanto, não
podemos esquecer do debate entre dualismo e materialismo que vem dos modernos
(p. 17). Quando Descartes separa a mente do corpo cria-se o problema de
explicar como instâncias separadas e de diferentes composições podem se
comunicar[ix]. Por outro lado, Hobbes entende
que não há tal estado de coisas porque o pensamento é um resultado do movimento
corporal, então o mental faz parte do físico[x]. Aí se configura essa
disputa entre dualismo e materialismo, ambas as teses muito difíceis de serem
defendidas em sua totalidade. Com a atualização dos termos mente e corpo para
mente e cérebro, mais especificamente.
Naturalismo e linguagem (p. 18).
Dennett adota uma postura naturalista, dada sua filiação a Quine, enxergando
que os problemas podem ser resolvidos pela ciência, no sentido do naturalismo
científico[xi].
Enfatizando o papel da linguagem em tal semântica, cabe aludirmos a como Ryle
trata o tema, de maneira deflacionária[xii]. Resumidamente,
cotidianamente utilizamos a expressão “na” cabeça metaforicamente, por exemplo,
ao dizermos: “fiz aquela conta de cabeça”. Ocorre que, de fato, na cabeça há o
cérebro, há sangue e pode haver óculos ou chapéu. Mas, ainda assim, é
preferível que se use “na cabeça” do que na “mente” já que essa palavra vem
carregada de ontologia, como um lugar estranho, mas cujo significado poderia
ser simplificado se dispensássemos seu uso.
Matematização da vida e a questão
psicológica (p. 19). A análise lógica da psicologia revela
que ela não é exata, isso nos moldes da ciência moderna redefinida por Galileu
e Newton, quando se matematiza a natureza pelo mapeamento dos fenômenos
naturais em leis matemáticas e físicas, a partir daí podemos trabalhar com
números e fazer previsões e predições[xiii]. Uma dificuldade da
psicologia são os termos que ela usa e a dificuldade de localização desses
termos. Por exemplo, termos como ansiedade ou inveja não se referem a coisas
que se encontram no mundo, como é feito nas ditas ciências naturais, matematizantes.
Isso mostra que o mental não se reduz ao físico e há necessidade de termos
intencionais que tratam do seu significado e termos não intencionais, regidos
pela ciência natural. Conceitualmente, se aproximam da distinção de Frege de
sentido e referência, ou seja, a extensão é a coisa e a intensão é o
significado da coisa[xiv]. Mas é nessa distinção
que reside o problema da psicologia, porque acaba sendo um discurso permeado
pela vagueza, porque, como os termos significam, o significado é dependente do
contexto. Para que o discurso psicológico se tornasse científico, ele teria que
renunciar à intencionalidade com “s”, que é exatamente os termos que estão presentes
no seu discurso.
Domínio do virtual (p. 22).
Qual que é a solução do Dennett? Vamos investigar mais detidamente como
Teixeira, mas parece que Dennett passa essa conceituação para o domínio do
virtual, por exemplo, falar da mente como algo virtual, que estaria no campo do
intencional com “s”, mas que não teria existência própria, ou seja, é como se
fosse um recurso de linguagem, um constructo de conversação. Os exemplos do dia
a dia são abundantes: todos nós usamos muitos artifícios em uma conversa e que
muitas vezes não se referem às coisas, mas se refere a significados, que podem
ser significados pessoais, introspectivos e subjetivos, significados que não tem
uma aderência de fato compartilhada. Por outro lado, não nos esqueçamos do
alerta de Russell de que ficaríamos presos em um discurso totalmente ancorado e
cristalino, ele poderia aniquilar comunicação, porque não sobraria margem para
a interpretação[xv].
Uma porta aberta para a IA forte (p. 23).
Ora, como os termos intensionais são constructos, esses termos mentais e o
aparato que é utilizado na psicologia poderia ser aplicado para dispositivos
também. Esse recurso nos permite um afastamento do daquele terreno que é muito
o dogmático de se falar de “pensamento” somente de humanos e podemos verificar
também se máquinas podem pensar. Passa-se para uma questão de linguagem que
flexibiliza o uso do termo “pensar” [xvi].
A terceira margem do rio (p. 24).
Por fim, Dennett. Teixeira ressalta Dennett não é um dualista, mas também não é
um fisicalista reducionista porque ele postula um sistema intencional e um sistema
do virtual que não se reduz ao fisicalismo. Parece que assim ele consegue compatibilizar
tanto uma psicologia popular quanto uma física estrita. É a terceira margem do
rio que precisaremos investigar mais detidamente.
[i] Com base na Introdução de A
mente segundo Dennett, de, João de Fernandes Teixeira. São Paulo: Editora
Perspectiva, 2008.
[ii] “Ocorre
que a posição cética, ao duvidar das afirmações e das coisas, pode colocar
nossa existência em risco. Ora, como podemos viver duvidando de tudo? A
resposta cética parece ser a de uma atitude filosófica: aceitamos as coisas da
vida ordinária e vivemos nos baseando nela, porém dentro de uma atitude
filosófica mantemos a dúvida.”. Em https://www.reflexoesdofilosofo.blog.br/2024/04/pesquisa-sobre-atitude-filosofica-cetica.html.
[iii] Já em 2020 tínhamos problema com
ela: https://www.reflexoesdofilosofo.blog.br/2020/03/uma-consciencia-uma-dificuldade.html. Na verdade, muito antes, na
escola de filosofia.
[v] Fizemos uma aproximação do
pensamento de Chalmers, mas devemos aprofundar para compreender as colocações
de Teixeira: https://www.reflexoesdofilosofo.blog.br/2016/05/a-informacao-como-lei-da-consciencia.html.
[vi] Algo aqui: https://quissak-en.blogspot.com/2018/04/tech-to-study-braini.html.
[vii] Vai valer a pena olharmos o “De
anima”: https://www.editora34.com.br/detalhe.asp?id=340, “Primeiro estudo sistemático da
psykhê, entendida aqui como o princípio vital comum a todos os seres animados,
o tratado De Anima (literalmente, "Sobre a Alma") representa o ponto
culminante da filosofia natural de Aristóteles e está na origem tanto da
biologia quanto da psicologia como disciplinas teóricas.”
[viii] Não nos esqueçamos das críticas de
Dreyfus: https://www.reflexoesdofilosofo.blog.br/2020/06/ia-do-representacao-cognitiva-ao.html.
[ix] A chamada causação mental, já
bastante explorada nesse espaço, pode ser acompanhada nesse texto https://www.reflexoesdofilosofo.blog.br/2018/03/nao-estamos-no-comando.html, e pretendemos voltar ao assunto
para ver as contribuições de Monica Aiub e Jonas Gonçalves Coelho com
aplicações mais práticas. Ver https://youtu.be/sT7Ldtu8k1s.
[x] Ver nota iv: https://www.reflexoesdofilosofo.blog.br/2020/05/o-mito-de-descartes-doutrina-oficial.html.
[xi] Aspectos gerais da proposta de
Quine: https://www.reflexoesdofilosofo.blog.br/2023/11/teses-quineanas.html.
[xii] Conforme https://youtu.be/gfp7cm3NtP8?t=433, por Mariana Claudia Broens,
UNESP, Marília. Mentes são lugares onde moram as representações.
[xiii] Até chegarmos na tecnologia: https://www.reflexoesdofilosofo.blog.br/2021/07/renascimento-um-parenteses-na-historia.html.
[xiv] Em maio de 2022 verificamos a
teoria fregeana: https://www.reflexoesdofilosofo.blog.br/2022/05/.
[xv] Conforme https://www.reflexoesdofilosofo.blog.br/2024/03/o-conhecimento-por-familiaridade-de.html, “Seria completa e
inacreditavelmente inconveniente ter uma linguagem não ambígua”
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