domingo, 14 de julho de 2024

Máquinas que pensam

Voltando ao tema da IA forte

Turing lançou o desafio por volta dos anos 50: se um computador “respondesse” a questões como se fosse um humano, ele seria capaz de pensar[i]. A partir daí, então, a sorte foi lançado e a disputa prossegue até nossos dias.

Mas a questão não é simples. Se conceitual, por um lado, ela também pode envolver um tanto de neurociência, possivelmente para “comprovar” como ocorre o pensar e processos envolvidos, bem como a psicologia, para se debruçar sobre um pensar subjetivo que, nesse caso, inacessível para máquinas.

Mas há um campo chamado IA forte que defende que uma máquina que processa pensa. Se, numa primeira vista, parece coisa incrível, vale a pena refletir um pouco sobre o tema. Penrose comenta que, para esses defensores, até um termostato poderia pensar:


“A ideia é que a atividade mental é simplesmente a execução de alguma sequência bem definida de operações, o que é frequentemente conhecido como um algoritmo. (...) Por ora, será adequado definir algoritmo simplesmente como um procedimento de cálculo de algum tipo. No caso do termostato, o algoritmo é extremamente simples (...)”[ii]

Parece que a ideia é pensamento = processamento, e isso é muito simples e interessante. Tomemos nós: somos matéria que pensa, isto é, matéria que tem um cérebro que processa coisas. Assim como um pato ou uma abelha. E são os pensamentos que nos guiam na execução das coisas.

Agora tomemos um computador desligado sobre a mesa: ele ali parado é simplesmente matéria, um conjunto de chips, termoplástico e por aí vai. Mas um computador ligado ganha vida, ele processa coisas. Não é que algo emerja dele, uma consciência, por exemplo, mas o fato de processar algo o difere de quanto está desligado e parece que, assim, ele está pensando (hardware - software).

Ora há algo a mais do que quando está desligado. Claro, há energia, assim como nós precisamos do sol para fazer nosso organismo funcionar. O computador ligado processa algo, ele possui um algoritmo sofisticado. Já uma lâmpada, quando ligada, transforma energia. E assim por diante, para todos os aparatos que executam algoritmos, que processam informação, transformam energia.

Todos esses aparatos e todas as máquinas que fazem isso pensam, a seu modo. É esse “algo que acontece quando estão funcionando”. Assim como nós funcionamos enquanto estamos aqui ligados e pensamos. E esse modo de pensar é perfeitamente factível, tanto o modo em si quanto o argumento.

Entretanto, para os postulantes da IA forte o algoritmo que é executado em qualquer aparato é consciente em si, coisa que parece bem esquisita. Isto faria com que ele fosse independente da plataforma, o mesmo algoritmo sendo executado por um computador ou um cérebro seria consciente da mesma forma. Até mais do que isso, levaria a um dualismo algoritmo (coisa pensante) x plataforma (coisa material)[iii].



[i] Essa era a ideia básica da coisa, falamos um pouco em https://www.reflexoesdofilosofo.blog.br/2020/01/a-consciencia-da-ginoidei.html.

[ii] Pg. 55. Penrose, Roger. A mente nova do imperador: Sobre computadores, mentes e as leis da física. Traduzido por Gabriel Cozzella. São Paulo: Editora Unesp, 2023.

[iii] Há argumentos interessantes como o quarto chinês de Searle que mostraria que o algoritmo, mesmo passando no teste de Turing, seria incapaz de ter “entendimento” ou, em oposição, argumento de Hofstadter mostrando que o cérebro de Einstein descrito em um livro seria consciente, embora não possamos saber de que forma. De qualquer modo, Searle acha que muita coisa funciona como um computador digital, conforme Penrose, embora defenda que intencionalidade (ter intenção de) e semântica (entender significados) somente no cérebro humano. 

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