sexta-feira, 10 de abril de 2020

A consciência subjetiva é parte da realidade*


Introdução. Candiotto insere Searle na tradição da filosofia analítica do Círculo de Viena, porém mais voltado ao campo da filosofia da linguagem na construção de uma concepção de verdade e enfatizando suas preocupações na filosofia de mente referentes ao dualismo e monismo. Observando questões como subjetividade, consciência, realidade e racionalidade, para Searle nem dualismo e nem materialismo são respostas para a filosofia da mente devido a seus problemas epistemológicos.

A irredutibilidade da compreensão da realidade. Candiotto inicia pela posição de Searle sobre o materialismo mostrando que essa filosofia não consegue se livrar das referências ao mental. Se o materialismo coloca dualismo ou misticismo como suas objeções, ao tentar negá-los acaba por aderir ao vocabulário dualista. Então, o termo materialismo traz associado o mentalismo, assim como objetividade evoca subjetividade.

O materialismo se caracteriza pela aversão ao conceito de consciência tratando-a como espaço de subjetividade fechado em si. Porém Searle mostra que a característica principal da consciência é a intencionalidade, ou seja, sua relação com o mundo. Para Searle a ciência se valeu da separação entre mente e matéria ocorrida no século XVII para progredir se baseando em fenômenos mensuráveis, entretanto essa visão torna-se obstáculo para o tratamento da mente cientificamente, no século XX, como um fenômeno biológico (como a fotossíntese ou a digestão, por exemplo).

Searle mostra que o modelo moderno de compreensão da realidade ao pressupor a objetividade tenta afastar a subjetividade. Porém, para ele, a subjetividade faz parte da realidade e, portanto, a consciência que aí é fenômeno biológico natural. Ora só temos acesso à realidade pela nossa subjetividade e mais do que isso, ela é um fato científico, uma verdade objetiva, também.

Baseado no modelo moderno que reduz a realidade observada a leis e fórmulas, o materialismo [reducionista], ao descrever a mente de forma objetiva e material, elimina a subjetividade e, portanto, o essencial da consciência.  Ora, isso não é possível, pois a subjetividade é irredutível, ela é um aspecto da realidade!

Remontando o problema da separação entre mente e matéria a Descartes (res cogitans versus res extensa), Searle trata essa suposição como obstáculo ao estudo do cérebro, já que a teoria dominante nas ciências é a materialista embora ele a classifique como uma variação de dualismo, pois mantém essa separação.

O dualismo considera a mente algo diferente, mas não a procura definir. As ciências causais não acham espaço para a complexidade do subjetivo que se expressam em primeira pessoa. Por exemplo, a dor é algo subjetivo, fenômeno mental e impossível de ser reduzida. Mesmo que se explique somente a própria pessoa sente. Ou seja, o explicar rejeita o aspecto subjetivo. E, se tentarmos evitar os aspectos mentais, não negaremos que “há um componente físico irredutivelmente subjetivo como componente da realidade física”.[i] Componente misterioso? Para o dualismo e materialismo sim, pois suprimem a subjetividade.

Portanto a irredutibilidade da compreensão da realidade, em nosso entendimento, significa que reduzimos o físico, mas não conseguimos reduzir o mental, ainda. E Searle a confirma, pois ao eliminar a consciência, as teorias negam fatos evidentes como nossas dores, alegrias e percepções. E isso o materialismo não pode fazer, pois a consciência é tanto um fenômeno mental, qualitativo e subjetivo, quanto uma parte natural do mundo físico; e, por ser subjetiva, a consciência é irredutível.

Pano de fundo da compreensão da realidade. Searle mostra o papel fundamental da filosofia da linguagem quando diz que para formar a concepção de o quer que seja no valemos de pressupostos que são o nosso Pano de Fundo. São pressupostos que no mais das vezes não questionamos assim como dualismo e materialismo e seus pressupostos epistemológicos de objetivo e subjetivo que, entretanto podem ter outro sentido, como por exemplo, o sentido ontológico.

Sentidos ontológico e epistemológico das palavras objetivo e subjetivo. Aqui se trata da distinção entre epistemologicamente subjetivo, epistemologicamente objetivo, ontologicamente subjetivo e ontologicamente objetivo. Episteme é conhecimento de algo, ontologia é existência de algo. Algo pode existir independentemente do sujeito, de modo objetivo: as árvores, o mar ou devido à nossa experiência, de modo subjetivo: as dores, sentimentos. Do mesmo modo, há um conhecimento, uma afirmação objetiva independente do sujeito: “Marx escreveu O Capital no século XIX” e a subjetiva: “as obras de Marx têm um estilo melhor que as de Weber”.

Portanto, se por um lado a consciência é subjetiva, é uma ontologia da primeira pessoa, por outro a episteme científica é objetiva. Mas, essa comparação não é equivalente, senão incoerente. O fato de a ciência buscar verdades epistemologicamente objetivas não impede uma investigação ontologicamente subjetiva. Candiotto ressalta que a distinção epistêmica corpo-mente inaugurada gerou, equivocada e inadvertidamente, a distinção ontológica entre corpo e mente. E esse é o ponto de Searle, o problema está na má compreensão da linguagem e nas divergências do uso dos termos.

O dualismo e o materialismo: a incoerência conceitual dos termos objetivo e subjetivo. Então cada uma das correntes tem influenciado a filosofia da mente com suas posições padrão: para o dualismo o indivíduo é corpo e mente (irredutibilidade do mental), mas distintos e para o materialismo há um mundo apenas físico (consciência deve ser redutível). Ou seja, para Searle, ambas não abordam a mente como aspecto do real e suas posições devem ser revistas.

Concluímos com as indicações de Searle, tomadas por Candiotto, de que devemos superar o problema metafisico corpo-mente tratando a consciência como resultado de processos cerebrais e abandonar aquele vocabulário obsoleto. Segundo Searle, é preciso buscar alternativas para rejeitar as pressuposições categoriais de corpo-mente, matéria-consciência e compreender a consciência como fenômeno biológico baseado em uma ontologia subjetiva. Somente transpondo certos compromissos filosóficos podemos avançar em um novo rumo na filosofia da mente.


Conforme “JOHN R. SEARLE e os impasses epistemológicos das argumentações do dualismo e do materialismo monista referentes à Filosofia da Mente.” Por Kleber Bez B. Candiotto, publicado na Revista de Filosofia Aurora, PUCPR. Acessado em 04/abril/2020: https://periodicos.pucpr.br/index.php/aurora/article/view/2116.

[i] Dado o padrão atual de redução em voga na realidade.

Um comentário:

  1. É bem círculo de Viena mesmo, taca no lixo séculos de discussão metafísica com mero argumento lógico, entretanto, não faço nenhum juízo de valor nessa afirmação

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