Introdução.
Candiotto insere Searle na tradição da filosofia analítica do Círculo de Viena,
porém mais voltado ao campo da filosofia da linguagem na construção de uma
concepção de verdade e enfatizando suas preocupações na filosofia de mente
referentes ao dualismo e monismo. Observando questões como subjetividade,
consciência, realidade e racionalidade, para Searle nem dualismo e nem
materialismo são respostas para a filosofia da mente devido a seus problemas
epistemológicos.
A
irredutibilidade da compreensão da realidade. Candiotto inicia
pela posição de Searle sobre o materialismo mostrando que essa filosofia não
consegue se livrar das referências ao mental. Se o materialismo coloca dualismo
ou misticismo como suas objeções, ao tentar negá-los acaba por aderir ao
vocabulário dualista. Então, o termo materialismo traz associado o mentalismo,
assim como objetividade evoca subjetividade.
O
materialismo se caracteriza pela aversão ao conceito de consciência
tratando-a como espaço de subjetividade fechado em si. Porém Searle mostra que
a característica principal da consciência é a intencionalidade, ou seja, sua relação com o mundo. Para Searle a
ciência se valeu da separação entre mente e matéria ocorrida no século XVII
para progredir se baseando em fenômenos mensuráveis, entretanto essa visão
torna-se obstáculo para o tratamento da mente cientificamente, no século XX,
como um fenômeno biológico (como a fotossíntese ou a digestão, por exemplo).
Searle
mostra que o modelo moderno de compreensão da realidade ao pressupor a
objetividade tenta afastar a subjetividade. Porém, para ele, a subjetividade
faz parte da realidade e, portanto, a consciência que aí é fenômeno biológico
natural. Ora só temos acesso à realidade pela nossa subjetividade e mais do que
isso, ela é um fato científico, uma verdade objetiva, também.
Baseado
no modelo moderno que reduz a realidade observada a leis e fórmulas, o
materialismo [reducionista], ao descrever a mente de forma objetiva e material,
elimina a subjetividade e, portanto, o essencial da consciência. Ora, isso não é possível, pois a
subjetividade é irredutível, ela é um aspecto da realidade!
Remontando
o problema da separação entre mente e matéria a Descartes (res cogitans versus res extensa), Searle trata essa suposição como
obstáculo ao estudo do cérebro, já que a teoria dominante nas ciências é a
materialista embora ele a classifique como uma variação de dualismo,
pois mantém essa separação.
O
dualismo considera a mente algo diferente, mas não a procura definir. As
ciências causais não acham espaço para a complexidade do subjetivo que se
expressam em primeira pessoa. Por exemplo, a dor é algo subjetivo, fenômeno
mental e impossível de ser reduzida. Mesmo que se explique somente a própria
pessoa sente. Ou seja, o explicar rejeita o aspecto subjetivo. E, se tentarmos
evitar os aspectos mentais, não negaremos que “há um componente físico irredutivelmente
subjetivo como componente da realidade física”.[i] Componente
misterioso? Para o dualismo e materialismo sim, pois suprimem a subjetividade.
Portanto
a irredutibilidade da compreensão da realidade, em nosso entendimento,
significa que reduzimos o físico, mas não conseguimos reduzir o mental, ainda. E
Searle a confirma, pois ao eliminar a consciência, as teorias negam fatos evidentes como
nossas dores, alegrias e percepções. E isso o materialismo não pode fazer, pois
a consciência é tanto um fenômeno mental, qualitativo e subjetivo, quanto uma
parte natural do mundo físico; e, por ser subjetiva, a consciência é
irredutível.
Pano
de fundo da compreensão da realidade. Searle mostra o
papel fundamental da filosofia da linguagem quando diz que para formar a
concepção de o quer que seja no valemos de pressupostos que são o nosso Pano de
Fundo. São pressupostos que no mais das
vezes não questionamos assim como dualismo e materialismo e seus pressupostos
epistemológicos de objetivo e subjetivo que, entretanto podem ter outro
sentido, como por exemplo, o sentido ontológico.
Sentidos
ontológico e epistemológico das palavras objetivo e subjetivo. Aqui se trata da
distinção entre epistemologicamente subjetivo, epistemologicamente objetivo,
ontologicamente subjetivo e ontologicamente objetivo. Episteme é conhecimento
de algo, ontologia é existência de algo. Algo pode existir independentemente do
sujeito, de modo objetivo: as árvores, o mar ou devido à nossa experiência, de
modo subjetivo: as dores, sentimentos. Do mesmo modo, há um conhecimento, uma
afirmação objetiva independente do sujeito: “Marx escreveu O Capital no século
XIX” e a subjetiva: “as obras de Marx têm um estilo melhor que as de Weber”.
Portanto,
se por um lado a consciência é subjetiva, é uma ontologia da primeira pessoa,
por outro a episteme científica é objetiva. Mas, essa comparação não é
equivalente, senão incoerente. O fato de a ciência buscar verdades
epistemologicamente objetivas não impede uma investigação ontologicamente
subjetiva. Candiotto ressalta que a distinção epistêmica corpo-mente inaugurada
gerou, equivocada e inadvertidamente, a distinção ontológica entre corpo e mente.
E esse é o ponto de Searle, o problema está na má compreensão da linguagem e
nas divergências do uso dos termos.
O
dualismo e o materialismo: a incoerência conceitual dos termos objetivo e
subjetivo. Então cada uma das correntes tem
influenciado a filosofia da mente com suas posições padrão: para o dualismo o
indivíduo é corpo e mente (irredutibilidade do mental), mas distintos e para o
materialismo há um mundo apenas físico (consciência deve ser redutível). Ou seja,
para Searle, ambas não abordam a mente como aspecto do real e suas posições devem
ser revistas.
Concluímos com as indicações de Searle, tomadas por Candiotto, de que devemos
superar o problema metafisico corpo-mente tratando a consciência como resultado
de processos cerebrais e abandonar aquele vocabulário obsoleto. Segundo Searle, é
preciso buscar alternativas para rejeitar as pressuposições categoriais de
corpo-mente, matéria-consciência e compreender a consciência como fenômeno biológico
baseado em uma ontologia subjetiva. Somente
transpondo certos compromissos filosóficos podemos avançar em um novo rumo na
filosofia da mente.
* Conforme “JOHN R. SEARLE e os impasses epistemológicos das argumentações do dualismo e do materialismo monista referentes à Filosofia da Mente.” Por Kleber Bez B. Candiotto, publicado na Revista
de Filosofia Aurora, PUCPR. Acessado em 04/abril/2020: https://periodicos.pucpr.br/index.php/aurora/article/view/2116.
[i] Dado o padrão atual de redução
em voga na realidade.
É bem círculo de Viena mesmo, taca no lixo séculos de discussão metafísica com mero argumento lógico, entretanto, não faço nenhum juízo de valor nessa afirmação
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