Sobre
as artimanhas de um discurso enganador[i]
Da dominação.
Segundo Vieira Pinto, a ideologia da era tecnológica é criada por meio de
sofismas que convertem a obra técnica em valor moral, como se vivêssemos em uma
época superior, das máquinas mais estupendas de todos os tempos. Porém, os benefícios
são para as camadas superiores, que são santificadas.
É um jogo sofistico que consiste em pautar uma ruptura
no processo histórico, mas isso é algo não original, pois ocorreu o mesmo pouco
antes do fim do Império Romano, algo que parecia inconcebível. Se somos só nós
que podemos dizer que vivemos na civilização tecnológica, o valor moral da
técnica adjudica benemerência aos grupos dirigentes. Citando Vieira: “o laboratório
de pesquisas, anexo à gigantesca fábrica, tem o mesmo significado ético da
capelinha outrora obrigatoriamente erigida ao lado dos nossos engenhos rurais”
(p. 42).
Há, também, uma falsa aplicação do conceito de
totalidade movida pelo esplendor tecnológico de tomar a realidade em bloco para
esconder assimetrias, sejam desigualdades nos setores da sociedade ou entre nações.
A “era tecnológica” traz dois pilares: valor ético positivo e silenciar a consciência
das massas e nações subdesenvolvidas “como se”[ii] todos tivéssemos privilégio
de viver nessa era.
Entretanto, as criações significativas provêm dos
grandes centros, o que não passa de uma lei biológica de seleção que exige concentração
de recursos econômicos e intelectuais. Diante disso, os países subdesenvolvidos
são um “séquito passivo em marcha lenta”, meros consumidores e/ou imitadores.
Vieira Pinto defende que a ideologia visa aumentar a espoliação.
Os países ocidentais engendram o universo da técnica, mas fazem as nações pobres
acreditarem que estão engrenadas na “era tecnológica”, esmo que por mãos alheias
que as impedem de expandir.
Da retaliação.
Isso posto, o papel dos filósofos nos países pobres é fundamental. Devem se
colocar no papel de analfabetos que mais veem do que leem. É da apreensão do
ser social de que fazem parte que aparece a consciência filosófica, como se
fossem um analfabeto alfabetizado. Mas Vieira vê uma alienação cultural taxando
os intelectuais subdesenvolvidos como tabelião de ideais, não passando de escreventes
ao invés de escritores.
Visando não reduzir os problemas do progresso tecnológico
aos aspectos técnicos desse domínio, a consciência virá da defesa de nossos
recursos ora explorados. Além disso, de mostrar que a totalidade é feita de
interesses antagônicos e de luta contra condição subalterna, contra errônea uniformização.
Trata-se de uma totalidade de ordem objetiva: uma análise do processo
histórico de categorias dialéticas. Se estamos em uma época extraordinária, ela
não se da pelo seu caráter absoluto incomparável, mas no curso da história: há
originalidade em toda criação de qualquer tempo e lugar, em um processo
contínuo.
A filosofia deve dar conta da dualidade do presente
que será negado no futuro, é o por vir e o desaparecer, entretanto observa-se na
prática uma futurologia feita para preservar tais maravilhas tecnológicas e
manter as estruturas, sem ver que o novo e inesperado surge.
[i] VIEIRA PINTO, Álvaro. O
Conceito de Tecnologia. Rio de Janeiro: Contraponto, 2005. A “era
tecnológica” como ideologia - p 41 e seguintes.
[ii] Emprestei de Vaihinger.
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