sábado, 3 de abril de 2021

A era tecnológica como ideologia

Sobre as artimanhas de um discurso enganador[i]

Da dominação. Segundo Vieira Pinto, a ideologia da era tecnológica é criada por meio de sofismas que convertem a obra técnica em valor moral, como se vivêssemos em uma época superior, das máquinas mais estupendas de todos os tempos. Porém, os benefícios são para as camadas superiores, que são santificadas.

É um jogo sofistico que consiste em pautar uma ruptura no processo histórico, mas isso é algo não original, pois ocorreu o mesmo pouco antes do fim do Império Romano, algo que parecia inconcebível. Se somos só nós que podemos dizer que vivemos na civilização tecnológica, o valor moral da técnica adjudica benemerência aos grupos dirigentes. Citando Vieira: “o laboratório de pesquisas, anexo à gigantesca fábrica, tem o mesmo significado ético da capelinha outrora obrigatoriamente erigida ao lado dos nossos engenhos rurais” (p. 42).

Há, também, uma falsa aplicação do conceito de totalidade movida pelo esplendor tecnológico de tomar a realidade em bloco para esconder assimetrias, sejam desigualdades nos setores da sociedade ou entre nações. A “era tecnológica” traz dois pilares: valor ético positivo e silenciar a consciência das massas e nações subdesenvolvidas “como se”[ii] todos tivéssemos privilégio de viver nessa era.

Entretanto, as criações significativas provêm dos grandes centros, o que não passa de uma lei biológica de seleção que exige concentração de recursos econômicos e intelectuais. Diante disso, os países subdesenvolvidos são um “séquito passivo em marcha lenta”, meros consumidores e/ou imitadores.

Vieira Pinto defende que a ideologia visa aumentar a espoliação. Os países ocidentais engendram o universo da técnica, mas fazem as nações pobres acreditarem que estão engrenadas na “era tecnológica”, esmo que por mãos alheias que as impedem de expandir.

Da retaliação. Isso posto, o papel dos filósofos nos países pobres é fundamental. Devem se colocar no papel de analfabetos que mais veem do que leem. É da apreensão do ser social de que fazem parte que aparece a consciência filosófica, como se fossem um analfabeto alfabetizado. Mas Vieira vê uma alienação cultural taxando os intelectuais subdesenvolvidos como tabelião de ideais, não passando de escreventes ao invés de escritores.

Visando não reduzir os problemas do progresso tecnológico aos aspectos técnicos desse domínio, a consciência virá da defesa de nossos recursos ora explorados. Além disso, de mostrar que a totalidade é feita de interesses antagônicos e de luta contra condição subalterna, contra errônea uniformização. Trata-se de uma totalidade de ordem objetiva: uma análise do processo histórico de categorias dialéticas. Se estamos em uma época extraordinária, ela não se da pelo seu caráter absoluto incomparável, mas no curso da história: há originalidade em toda criação de qualquer tempo e lugar, em um processo contínuo.

A filosofia deve dar conta da dualidade do presente que será negado no futuro, é o por vir e o desaparecer, entretanto observa-se na prática uma futurologia feita para preservar tais maravilhas tecnológicas e manter as estruturas, sem ver que o novo e inesperado surge.



[i] VIEIRA PINTO, Álvaro. O Conceito de Tecnologia. Rio de Janeiro: Contraponto, 2005. A “era tecnológica” como ideologia - p 41 e seguintes.

[ii] Emprestei de Vaihinger.

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