terça-feira, 13 de abril de 2021

Causalidade, acaso e necessidade em Aristóteles

De uma causalidade que está sempre em causa e, nesse sentido, não é só um processo físico que acontece[i]

Vargas alerta que seu foco é no pensamento de Aristóteles e não na filosofia aristotélica, submetida a dois mil anos de interpretações. Há certas noções difíceis de serem admitidas, como a Doutrina das Quatro Causas do Livro II da Física. Sendo assim, ele sugere uma reinterpretação da noção de causa que deve ser entendida como julgamento, como quando um juiz julga uma causa (remetendo à aitia grega[ii]).

Aristóteles define os seres que são por natureza: animais, plantas, terra, fogo, água e ar. A natureza é um princípio e uma causa do movimento e repouso por essência. Nas coisas artificiais, feitas de material natural, a causalidade é por acidente já que essas coisas não têm em si mesmas o princípio e a causa da transformação (= movimento = kinesis)[iii].

A physis, que é a essência da natureza animada, no vulgar grego tratava da coisa que se move por “direito próprio” e regras de movimento “em causa” e há aí um sentido de ordenamento (daquela aitia).

Pois que a causalidade não somente provoca o movimento, como é a totalidade do processo físico seguido pela matéria e forma de cada ente que, não obstante seja movido, é orientado por um desejo próprio que busca ser bem sucedido, no sentido jurídico de dever ser bem sucedido.

Vargas ressalta que, para Aristóteles, o conhecimento se dá pelas causas, de todo o processo causal[iv];. Entretanto, o processo causal pode sofrer interferências, como o acaso e a sorte, que são causas acidentais e geram indeterminação no processo. E, independentemente das particularidades das causas, acaso e sorte, a questão que surge é se a natureza estaria sujeita a uma lei inexorável. Do que ele pontua que, dentro da mudança, algo permanece e revela-se uma dualidade.

Segundo Vargas, é da noção da natureza como animal que se dá a teoria das quatro causas; duas externas: eficiente e final e duas internas: material e formal. E, transformação e movimento (kinesis) estariam sujeitas a um julgamento causal (aitia) que poderia não ser obedecido e, ocasionalmente, não ter sua finalidade atingida.

Por fim, Vargas aborda a passagem da natureza de animal à máquina, na Idade Moderna, do que “sobraria” apenas a causa eficiente associada a seu motor e o acaso ao campo da probabilidade. A natureza transforma-se sem uma razão, mas regulada pela lógica matemática que reafirma aquele nexo inicial, mas que, depois, com a Mecânica Quântica traz de volta a indeterminação, reformulando a doutrina aristotélica da causalidade, acaso e necessidade.



[i] Conforme Causalidade, acaso e necessidade em Aristóteles, Capítulo 4 de Vargas, M. (1994). Para uma filosofia da tecnologia. São Paulo: Alfa Omega. II Fórum Interdisciplinar Caos, Acaso e Causalidade nas Ciências, Artes e Filosofia. Câmara de Estudos Avançados do Fórum de Ciência e Cultura da UFRJ. Rio de Janeiro, 1993.

[ii] Conforme http://www.dicpoetica.letras.ufrj.br/index.php/Aitia, em 14/04/2021: “Podemos distinguir no ente dois modos de o compreender perguntando por sua proveniência. Se o olhamos do ponto de vista da physis, e não há, no fundo, outro modo, podemos constatar que a própria physis age de uma maneira (e é isto a "causa", o agir, a aitia) dupla: no primeiro momento, todo sendo (ente) chega ao seu telos (realização) a partir de sua essência originária. Esta é a coisidade da coisa. O outro modo de agir da physis é aquele que produz um efeito sobre algo. Por exemplo, quando o Sol aquece a semente na Terra e a faz eclodir, quando o frio queima as folhas tenras da planta, quando o vento causa estragos nas casas. A causalidade como efeito de uma ação é apenas um modo derivado do causar originário, do causar enquanto essência do sendo (ente). Então a palavra grega aitia diz causa em sentido próprio e em sentido derivado. A palavra em grego, enquanto adjetivo aitios ou aition na função acusativo, diz como tal o ser devido a, o responsável por, ou seja, o culpável. A tradição retórico-sofística, porém, reduziu-a às relações causais pelas quais a toda causa corresponde um efeito. Para negar esta redução diz-se então que nem todo sendo depende de uma causa, isto é, não depende de uma relação causal dentro de um sistema de representação e de funcionalidade. Por exemplo, a obra de arte é sem funcionalidade, porque não está construída em cima de relações causais. Nesse sentido, o artista não é a causa da obra, porque não é devida a ele, mas à arte, ou seja, esta é a aitia da obra em sentido próprio. O artista só é a causa da obra em sentido derivado.”

[iii] Isso posto, naturais tem alma, artificiais são movidos por agente externo.

[iv] Já em sentido ontológico, como aparece no Livro V da Metafísica.

Um comentário:

  1. Em Ellul, a influência das quatro causas vai no sentido de unir ontologicamente o ser da técnica e seu uso, tomando em conta a finalidade.

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