De
uma causalidade que está sempre em causa e, nesse sentido, não é só um processo
físico que acontece[i]
Vargas alerta que seu foco é no pensamento de
Aristóteles e não na filosofia aristotélica, submetida a dois mil anos de
interpretações. Há certas noções difíceis de serem admitidas, como a Doutrina
das Quatro Causas do Livro II da Física. Sendo assim, ele sugere uma
reinterpretação da noção de causa que deve ser entendida como julgamento, como
quando um juiz julga uma causa (remetendo à aitia grega[ii]).
Aristóteles define os seres que são por natureza:
animais, plantas, terra, fogo, água e ar. A natureza é um princípio e uma causa
do movimento e repouso por essência. Nas coisas artificiais, feitas de
material natural, a causalidade é por acidente já que essas coisas não têm em
si mesmas o princípio e a causa da transformação (= movimento = kinesis)[iii].
A physis, que é a essência da natureza animada, no
vulgar grego tratava da coisa que se move por “direito próprio” e regras de
movimento “em causa” e há aí um sentido de ordenamento (daquela aitia).
Pois que a causalidade não somente provoca o movimento,
como é a totalidade do processo físico seguido pela matéria e forma de cada
ente que, não obstante seja movido, é orientado por um desejo próprio que busca
ser bem sucedido, no sentido jurídico de dever ser bem sucedido.
Vargas ressalta que, para Aristóteles, o conhecimento
se dá pelas causas, de todo o processo causal[iv];. Entretanto, o processo causal
pode sofrer interferências, como o acaso e a sorte, que são causas acidentais e
geram indeterminação no processo. E, independentemente das particularidades das
causas, acaso e sorte, a questão que surge é se a natureza estaria sujeita a
uma lei inexorável. Do que ele pontua que, dentro da mudança, algo permanece e
revela-se uma dualidade.
Segundo Vargas, é da noção da natureza como animal que
se dá a teoria das quatro causas; duas externas: eficiente e final e duas
internas: material e formal. E, transformação e movimento (kinesis) estariam
sujeitas a um julgamento causal (aitia) que poderia não ser obedecido e,
ocasionalmente, não ter sua finalidade atingida.
Por fim, Vargas aborda a passagem da natureza de
animal à máquina, na Idade Moderna, do que “sobraria” apenas a causa eficiente
associada a seu motor e o acaso ao campo da probabilidade. A natureza transforma-se
sem uma razão, mas regulada pela lógica matemática que reafirma aquele nexo
inicial, mas que, depois, com a Mecânica Quântica traz de volta a indeterminação,
reformulando a doutrina aristotélica da causalidade, acaso e necessidade.
[i] Conforme Causalidade, acaso e
necessidade em Aristóteles, Capítulo 4 de Vargas, M. (1994). Para uma
filosofia da tecnologia. São Paulo: Alfa Omega. II Fórum Interdisciplinar
Caos, Acaso e Causalidade nas Ciências, Artes e Filosofia. Câmara de Estudos
Avançados do Fórum de Ciência e Cultura da UFRJ. Rio de Janeiro, 1993.
[ii] Conforme http://www.dicpoetica.letras.ufrj.br/index.php/Aitia, em 14/04/2021: “Podemos
distinguir no ente dois modos de o compreender perguntando por sua
proveniência. Se o olhamos do ponto de vista da physis, e não há, no
fundo, outro modo, podemos constatar que a própria physis age de uma maneira (e
é isto a "causa", o agir, a aitia) dupla: no primeiro momento,
todo sendo (ente) chega ao seu telos (realização) a partir de sua
essência originária. Esta é a coisidade da coisa. O outro modo de agir
da physis é aquele que produz um efeito sobre algo. Por exemplo, quando
o Sol aquece a semente na Terra e a faz eclodir, quando o frio queima as folhas
tenras da planta, quando o vento causa estragos nas casas. A causalidade como
efeito de uma ação é apenas um modo derivado do causar originário, do
causar enquanto essência do sendo (ente). Então a palavra grega aitia diz
causa em sentido próprio e em sentido derivado. A palavra em grego, enquanto
adjetivo aitios ou aition na função acusativo, diz como tal o ser devido a, o
responsável por, ou seja, o culpável. A tradição retórico-sofística, porém,
reduziu-a às relações causais pelas quais a toda causa corresponde um efeito.
Para negar esta redução diz-se então que nem todo sendo depende de uma causa,
isto é, não depende de uma relação causal dentro de um sistema de representação
e de funcionalidade. Por exemplo, a obra de arte é sem funcionalidade, porque
não está construída em cima de relações causais. Nesse sentido, o artista não é
a causa da obra, porque não é devida a ele, mas à arte, ou seja, esta é a aitia
da obra em sentido próprio. O artista só é a causa da obra em sentido
derivado.”
[iii] Isso posto, naturais tem alma,
artificiais são movidos por agente externo.
[iv] Já em sentido ontológico, como
aparece no Livro V da Metafísica.
Em Ellul, a influência das quatro causas vai no sentido de unir ontologicamente o ser da técnica e seu uso, tomando em conta a finalidade.
ResponderExcluir