quinta-feira, 25 de setembro de 2025

Aspectos de Lógica Elementar - parte 1

Aspectos de Lógica Elementar[i]

Resumo. Esse texto condensa aspectos fundamentais de lógica a partir de um resumo de um manual de lógica, o manual de Desidério e o resumo de Polónio. A lógica analisa os raciocínios, coisa típica do ser humano, coisa que usamos no dia a dia. Mas não se fala só de lógica porque aqui estamos em um espaço de reflexões filosóficas[ii].

Capítulo 1: Lógica. Polónio inicia sua análise da obra de Desidério abordando o raciocínio como “tentativa” de provar uma conclusão baseando-se em premissas. Grande parte do nosso conhecimento é obtido raciocinando-se em busca da verdade sem querer convencer alguém. Por outro lado, quando ser raciocina por meio de argumentos, primeiro visamos persuadir alguém a aceitar uma conclusão já estabelecida[iii]. Um raciocínio é composto por frases articuladas, entidades físicas que, quando usadas para asserir, são declarativas e têm valor de verdade; caso contrário são absurdas, um mero jogo de palavras. Na filosofia, o conteúdo de uma frase declarativa é chamado, embora não consensualmente, de proposição.

Um ponto de atenção, é que os raciocínios estão embutidos em discursos – há que procurá-los, verificando-se o que desempenha papel inferencial, os chamados indicadores de inferência. Por exemplo: os indicadores “logo” e “portanto” podem indicar uma conclusão enquanto que “porque” e “dado que” normalmente indicam premissas. Ocorre que há um trabalho interpretativo nessa busca já que esses indicadores podem não ser evidentes, e precisamos encontrar as premissas e conclusões para que possamos representar a expressão canônica do raciocínio, eliminando o que for dispensável ou ressaltando o que está oculto, para decidirmos se ele é bom, ou seja, cogente[iv].

Raciocínios cogentes têm validade, conceito fundacional da lógica, que significa que têm valor, isto é, a conclusão não é falsa se conhecemos as condições de verdade das premissas e sabemos que são verdadeiras[v]. Importa, mais do que saber se uma frase isolada do raciocínio tem uma verdade atual, saber as condições de verdade das premissas para que não se tenha conclusão falsa. Citando: “A validade é o que permite descobrir o que antes não se sabia com base no que se sabia”. Porém, mais do que isso, um raciocínio cogente envolve a articulação das frases, não só a verdade de cada uma delas, isto é, só ter premissas verdadeiras não é suficiente.

Para evitar que um raciocínio seja circular, então, as premissas devem ser mais plausíveis do que a conclusão. Mas, plausibilidade envolve vários fatores, já que é um juízo de probabilidade com base no contexto e informações de fundo e traz a dificuldade de se chegar a um consenso. Segundo ponto e fundamental: deve ser plausível para o interlocutor e isso envolve conhecer o que é relevante para ele e tentar provar uma conclusão que seja válida, mesmo que inicialmente não aceita por ele. Isso é persuasão e se funda em premissas que, bem plausíveis, levam inevitavelmente à conclusão.

Capítulo 2: Verofuncionalidade. Raciocínios têm uma estrutura de frases que lhe são comuns e que explicitam sua forma lógica e ela deve ser suficiente para indicar se ele é válido ou não. A lógica clássica é, assim, uma lógica formal e ela se inicia com a lógica proposicional que Desidério prefere que seja chamada de lógica verofuncional já que proposição é uma noção em disputa; e depois continua com a lógica quantificada. A lógica verofuncional se limita a validar raciocínios cujas condições de validade se dão por cinco operadores de formação de frases, ou conectivas, que são a negação (operador unário), conjunção, disjunção, condicional e bicondicional (equivalência).

Polónio destaca um ponto que Desidério chama a atenção: se os indicadores de inferência permitem formar frases a partir de frases, o papel semântico das conectivas é o de formar raciocínios, encadeamento de frases, cujo valor de verdade se determina exclusivamente pelo valor de verdade delas, que podem ser analisados por tabelas de verdade[vi]. Então, os operadores funcionam como funções matemáticas cujos valores de saída (no caso, valores de verdade) são determinados pelos valores de entrada. E esses cinco operadores verofuncionais são poderosos porque se aplicação não somente a frases binárias, com dois componentes, mas a ternárias e assim por diante.

Para se provar a validade de raciocínios verofuncionais por tabelas de verdade (ou validade), devemos reescrever o raciocínio na forma canônica, conforme dito no capítulo 1, depois as frases elementares com valor de verdade são representadas por letras minúsculas, para daí se construir sequências de tabelas de verdade para as premissas e a conclusão e, por fim, verificar se em alguma linha há conclusão falsa, o que quer dizer que há pelo menos uma premissa falsa; caso contrário, o raciocínio é válido: se todas as premissas são verdadeiras a conclusão também o é. Reverberemos junto com os autores: o exame prova que a conclusão é verdadeira e que podemos, então, tentar descobrir se as premissas são, de fato, verdadeiras e aí a conclusão também será.

Por fim Polónio trata das falácias, raciocínios que parecem cogentes, mas não o são. Ele argumenta que as tabelas de validade são instrumentos certeiros para identificar raciocínios verofuncionais[vii] sem validade, não somente mero exercício extravagante de lógica. Mas, somente a forma lógica não é capaz de provar a validade em casos em que há falta de clareza onde é capaz que nem o próprio autor saiba o que tem em mente[viii].

Capítulo 3: Derivações. A derivação, conforme define Polónio, é um processo de demonstração ou prova formal por regras de inferência, como substituição ou reductio. Por exemplo, podemos ter raciocínios com premissas inconsistentes que são chamados de vacuamente válidos[ix], mas que podem ser bloqueados mudando-se a definição de validade, porém, segundo o autor, seria difícil tratar derivações vácuas com a lógica clássica.

Capítulo 4: Quantificação. A lógica quantificada clássica estende a lógica verofuncional incluindo o raciocínio quantificado, quando se usam predicados, nomes próprios e quantificadores, além dos operadores verofuncionais, mas sem aumentar o poder inferencial. É o quantificador universal “todos” e o quantificador existencial “pelo menos um” que abreviam conjunções e disjunções. Admitindo-se um domínio de quantificação com dois particulares, quando todos têm certa propriedade, um e o outro a tem, quando pelo menos um a tem, um ou outro a tem.

Capítulo 5: Identidade. É o conceito de identidade – relação e que permite formar frases verdadeiras se atribuída ao mesmo particular, que amplia a verofuncionalidade. As frases de identidade têm a forma lógica a = b, como em “Vênus é a Estrela da Manhã”, que é uma identidade numérica e se refere a apenas um particular, mesmo que seja referido por nomes próprios diferentes. Já a identidade qualitativa refere diferentes particulares que partilham várias propriedades como dois átomos de hidrogênio[x].

Se um nome próprio se refere a um particular, ele não o faz por predicados, isso é papel da descrição definida. “Francisco” é um nome próprio que pode se referir a um particular ao passo que “o primeiro Vice-rei da Índia” é uma descrição definida que se refere a um particular usando um atributo (predicado)[xi].

Como a relação de identidade tem as propriedades lógicas de reflexão, simetria e transitividade, Polónio levanta o problema do domínio do vazio que a lógica quantificada clássica trata adequadamente. Já na identidade, a reflexividade (x = x) deixa de ser verdadeira porque, sendo uma afirmação existencial, isto é, do tipo “existe pelo menos um x tal que x=x”, se o domínio é vazio, não há nenhum x para satisfazer a fórmula[xii].

Por fim, Desidério tratará, de acordo com Polónio, da substituição de idênticos que afirma que se a = b, eles podem ser intercambiáveis em qualquer frase mantendo-a válida. É a regra da substituição de idênticos salva veritate, também chamada “princípio da indiscernibilidade de idênticos”[xiii].

Capítulo 6: Árvores. Polónio cita brevemente as árvores de verdade como ferramenta que pode provar tanto a validade quanto a invalidade dos raciocínios, coisa que as derivações não conseguem porque não sabemos se ainda haveria outra derivação a ser descoberta. Elas podem ser aplicadas nas lógicas verofuncional e clássica, além de suportar a regra da substituição de idênticos, embora trabalhe sempre por reductio[xiv].



[i] Resumo de Lógica Elementar: Raciocínio, linguagem e realidade de Desidério Murcho, por Artur Polónio em https://criticanarede.com/logicaelementar.html.

[ii] Capítulo 1: Lógica, Capítulo 2: Verofuncionalidade, Capítulo 3: Derivações, Capítulo 4: Quantificação, Capítulo 5: Identidade, Capítulo 6: Árvores, Capítulo 7: Modalidade, Capítulo 8: Além da linguagem, Apêndice: Lógica aristotélica. Aqui não trataremos dos últimos 3 capítulos: o capítulo 7 trata da lógica modal alética que é uma extensão da lógica clássica e introduz os conceitos de necessidade e possibilidade para analisar como as frases podem ser verdadeiras, distinguindo a verdade contingente da verdade necessária, com o auxílio da linguagem dos mundos possíveis. O capítulo 8 procura mostrar que o raciocínio, seja dedutivo ou indutivo, depende de provas falíveis e exige a busca contínua por erros e novas informações, ajustando crenças à realidade para alcançar o conhecimento. Por fim, o apêndice diz que a lógica aristotélica, embora inovadora e influente por séculos, possui limitações como a dificuldade em lidar com termos vazios e a distinção entre sujeitos e termos sujeitos, o que faz com que seja considerada, hoje, uma investigação de alcance limitado.

[iii] Em suma, enquanto todo argumento é um tipo de raciocínio, nem todo raciocínio é um argumento. A diferença fundamental está na intenção: descobrir a verdade versus persuadir alguém (https://g.co/gemini/share/4d29cd75b525).

[iv] Cogente: adjetivo de dois gêneros. 1. Cuja veracidade satisfaz de maneira total e coerciva o entendimento ou o intelecto (ex.: argumento cogente). 2. Que coage ou constrange. Etimologia: latim cogens, -entis, particípio presente de cogo, -ere, constranger, forçar, restringir. "cogente", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2025, https://dicionario.priberam.org/cogente.

[v] Raciocínios também têm todas as premissas verdadeiras, premissas mais plausíveis do que a conclusão e paridade epistêmica.

[vi] Conforme definição que Polónio traz da citação de Desidério: “Um operador verofuncional pode agora ser definido da seguinte maneira: Um operador de formação de frases é verofuncional se e somente se o valor de verdade da frase que o tenha como operador principal for exclusivamente determinado pelo valor de verdade da frase ou frases sem ele”.

[vii] Há raciocínios dedutivos, do geral ao particular e indutivos, do particular ao geral, por exemplo, conforme O Google.

[viii] No próximo capítulo Polónio enfatizará limitações das tabelas de validade, como quando há mais de quatro frases elementares ou a ausência de um método para, partindo de premissas chegar validamente à conclusão. Seu papel seria de clarificar conceitos como validade e forma lógica.

[ix] Em conversa com o assistente de IA da Google, parece que os raciocínios vacuamente válidos, que ocorrem na lógica proposicional, se fiam na implicação “se P, então Q” P → Q, que só é falsa se quando P é verdadeiro e Q é falso. Se P é falso, por exemplo quando as premissas são inconsistentes ou contraditórias, não importa Q, isto é, a afirmação é sempre verdadeira. É uma implicação material entre P e Q, não uma relação de causa e efeito ou algo que tenha sentido. A matéria, nesse caso, são os valores de verdade e não tem a ver com o significado da relação entre as proposições. É o caso de "Se a Terra é plana, então o céu é verde".

[xi] Conforme Polónio, Russell via as descrições definidas como conjunções existencialmente quantificadas, com uma forma lógica própria. Sobre esse tema já falamos: https://www.reflexoesdofilosofo.blog.br/2023/06/quem-e-o-homem-no-canto-da-sala-bebendo.html, https://www.reflexoesdofilosofo.blog.br/2023/02/descritivismo.html, https://www.reflexoesdofilosofo.blog.br/2022/07/fontes-iniciais-da-filosofia-analitica.html.

[xii] Com apoio do Gemini (https://g.co/gemini/share/2db637646756), embora haja possíveis soluções para este problema / paradoxo.

[xiii] Princípio da indiscernibilidade de idênticos: ou “Discernibilidade de Não-Idênticos”? https://www.reflexoesdofilosofo.blog.br/2025/04/superparticulares.html.

[xiv] Conforme Gemini (https://g.co/gemini/share/0cb21fa851a0): o método é uma prova por contradição (reductio ad absurdum). Ele não constrói a derivação lógica passo a passo que leva das premissas à conclusão. Em vez disso, ele assume a negação da conclusão e tenta mostrar que essa suposição leva a uma contradição com as premissas. Se uma contradição é encontrada, a negação da conclusão é falsa, o que significa que a conclusão original deve ser verdadeira.

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