Aborda o descritivismo clássico, a teoria dos
agregados e como o descritivismo resolve três dos enigmas deixados sem resposta
pelo referencialismo[i]
Introdução.
Conforme vimos no último fichamento, o enigma de Frege, que dá origem à teoria
da referência indireta, introduz o sentido do nome próprio, mas não o explica.
O que Sagid vai nos mostrar é que, pressupondo a teoria das descrições
definidas de Russell, a teoria descritivista dos nomes próprios irá clarificar
esse conceito fregeano, além de propor explicações tanto para o significado
quanto para a referência.
Descritivismo clássico.
O descritivismo é uma família de teorias da referência que explicam o
significado e/ou a referência dos nomes em termos do significado e/ou
referência das descrições definidas daqueles nomes. Primeiro, o descritivismo
explica o significado dos nomes em termos do significado das descrições e,
depois, explica a referência dos nomes em termos do significado das descrições.
O descritivismo clássico é, então, uma
versão de teoria da referência indireta oriunda de Frege e Russell. Nela, um
falante associa uma descrição definida a um nome próprio e é o significado
dessa descrição que é o significado daquele nome próprio. E, também, o
significado dessa descrição seleciona um objeto que é o referente daquele nome
próprio.
Teoria das descrições definidas de Russell.
Conforme continua Sagid, uma descrição definida é uma expressão da forma “o F”
ou “a F”, isto é, são expressões antecedidas pelos artigos “o”, “a”, por
exemplo: “a rainha da Inglaterra”, “a pessoa mais alta do planeta”. O uso das
descrições definidas faz com que uma afirmação como 1.) deva ser interpretada
por uma afirmação como 2.), qual seja, alguém que diz 1.), na verdade está
dizendo 2.), tomando 1.) por “N é G” e 2.) por “O F é G”.
Isso posto, quando digo 3.) “Aristóteles é
um filósofo”, estou dizendo 4.) “O fundador da lógica formal é um filósofo”, já
que, conforme enunciado, é a descrição que o falante associa ao nome próprio que
fornece o significado do nome. Isso reduz o problema do significado dos nomes
ao problema do significado das descrições, esse último sendo tratado pela
teoria russelliana.
Ocorre que o significado de uma descrição
definida não é tomado isoladamente, mas por um método de análise contextual que
interpreta o significado de expressões no contexto completo das frases em que
elas ocorrem. Para explicar o significado de expressões subfrásicas, como NP ou DD[ii], podemos nos valer do
princípio da composicionalidade e verificar qual a contribuição delas na frase.
Então, não se explica “o fundador da lógica formal”, mas “o fundador da lógica
formal é sábio” – dentro de um contexto, sobre o que é dito.
Pela teoria das descrições definidas de
Russell, 2.) “O F é G” é analisada como 2’.) “Existe um e apenas um F e quem
quer que seja F é G”. 2.) é analisada por uma cláusula de existência, outra de
unicidade e, por fim, a predicação. Dado 4.) “O fundador da lógica formal é um
filósofo”, ela será analisada como 4’.) “Existe um e apenas um fundador da
lógica formal, e ele é um filósofo.[iii] Ressalta Sagid que esse
método de análise é usado para determinar o significado de uma descrição
definida, pois permite determinar como ela contribui para a frase em que
ocorre, pelo que é dito pela frase. O método também explica quem é o referente
e como é determinado, pois é o único objeto que satisfaz a descrição, que
possui a propriedade indicada pela descrição. Já se a descrição não aponta para nenhum objeto que a satisfaça, então não tem referente. Tenha zero ou muitos
objetos, a descrição falha em se referir, é vazia. A tabela abaixo indica como
a teoria resolve os problemas propostos por Sagid.
Problema |
Descritivo |
Fundacional |
Referência |
Qual
referente da descrição definida? |
Em
virtude de quais fatos uma descrição definida se refere ao que se refere? |
Resposta |
O
objeto que satisfaz a descrição definida. |
Uma
descrição definida se refere ao que se refere em virtude de o objeto ser o
único a possuir a propriedade apontada por ela. |
Teoria descritivista dos nomes.
Do que foi dito, o significado do nome próprio é o significado da descrição
definida que o falante associa a ele. A respeito do problema descritivista do
significado dos nomes próprios, o significado do nome próprio é o significado
da descrição associada a ele. Exemplificando, qual o significado de
Aristóteles? É o significado da descrição “o fundador da lógica formal” que o
falante associa a ele. Já o significado de “o fundador da lógica formal” é dado
pela teoria de Russell. De “Aristóteles é um filósofo”, extraio “O fundador da
lógica formal é um filósofo” e, com a contribuição de Russell: “Existe um e
apenas um fundador da lógica formal e ele é um filósofo”.
Já sobre o problema fundacional,
Aristóteles significa o que ele significa em virtude de ele ser associado à
descrição que lhe é associada, que ele satisfaz. Em outras palavras,
Aristóteles tem o significado que tem em virtude da descrição que ele está
associado ter o significado que ela tem.
Se a teoria referencialista dos nomes
próprios explica o significado dos nomes, ela não explica a referência. Já a
teoria descritivista o faz, dizendo que o problema descritivo da referência pode
ser enunciado como: o referente de determinado nome é o objeto que satisfaz a
descrição definida associada ao nome. Já ao problema fundacional da referência,
que se pergunta sobre quais fatos, o descritivismo diz que o nome próprio se
refere ao que se refere em virtude deste objeto satisfazer a descrição
associada a ele.
Isto é, o descritivismo explica o sentido
e como ele determina o referente. Se o significado do nome é o significado da
descrição definida associada, o sentido do nome é o sentido da descrição
definida associada. Mas como ele determina o referente? A partir do momento em
que o significado da descrição definida impõe certas condições no mundo que
apenas um objeto satisfaz, ou seja, as cláusulas de existência, unicidade e
predicação. Não obstante, o nome próprio pode ter sentido, mas não referente, na
medida em que seu sentido é dado pela descrição, mas ninguém a satisfaz, que é
quando o sentido aponta para nada[iv].
Teoria dos agregados.
O descritivismo clássico, enquanto uma teoria da referência indireta, isto é, quando
a referência é parcialmente determinada pelo significado do nome, se debruça
sobre uma descrição definida particular que um falante associa ao nome. Ocorre
que, pode ser que um falante associe muitas descrições a um nome, o que levanta
a pergunta sobre por que apenas uma delas fixa o referente do nome, se alguma é
a mais importante. Uma possível resposta é a de que vale a descrição que o
falante tem em mente quando usa o nome, embora muitas vezes não pensemos em uma
descrição ao usar um nome.
Por outro lado, diferentes falantes podem
associar diferentes descrições a um mesmo nome, o que poderia ter a
consequência de serem diferentes significados, embora consigamos entender a
mesma coisa. Ora, Sagid traz casos de desacordo como “Aristóteles é
inteligente” e “Aristóteles não é inteligente” que, se aparentemente são
contraditórios, podem estar simultaneamente certos se o primeiro signifique que
“O fundador da lógica formal é inteligente” e o segundo que “O autor da
metafísica não é inteligente”. Ou seja, diferentes falantes, ao fixar a
referência com diferentes descrições, podem estar atribuindo diferentes significados.
Posto isso, Searle irá rejeitar que o
significado do nome é dado por uma descrição particular, mas por um agregado de
descrições que permitam determinar o objeto. Se podem haver muitas, não são
todas, senão bastaria que uma não fosse satisfeita para invalidar o
significado. Não sendo todas, Searle postula um número suficiente, mas que
também é vago, pois difícil de mensurar, mas que também não seja superado por
um outro objeto que satisfaça tais descrições em número maior. Também, dirá
Searle, não é necessário especificar quais descrições devem ser verdadeiras
para que um indivíduo seja o referente de determinado nome próprio.
Aplicando a teoria dos agregados, temos
que o significado de “Aristóteles é um filósofo” é dado por “O indivíduo acerca
do qual um número suficiente, vago e não especificado das afirmações: ele é d1,
ele é d2, ..., ele é dN, são verdadeiras é também um filósofo”. Resumindo, o
significado do nome próprio vem da descrição completa daquele nome. O que pode
significar: “O indivíduo acerca do qual um número suficiente, vago e não
especificado das afirmações: ele é o fundador da lógica formal, ele é o autor
da metafísica, ele é o discípulo mais inteligente de Platão e etc., são
verdadeiras é também um filósofo”. E os problemas são resolvidos como abaixo:
Problema |
Descritivo |
Fundacional |
Significado |
O
significado do nome próprio é o significado da descrição complexa que o
determina. |
O
nome próprio tem o significado que tem em virtude de a descrição complexa ter
o significado que tem. |
Referência |
O
referente de um nome próprio é o indivíduo cujo significado é o referente da
descrição complexa associada a ele. |
O
nome próprio se refere a que se refere em virtude da descrição complexa
associada a ele se referir ao que se refere. |
Dessa maneira, a teoria dos agregados
evita o problema do descritivismo clássico, já que não há uma descrição
especial para o nome, mas o que importa é o agregado. Acontece que podemos
extrapolar o caso e falantes diferentes pode ter um agregado que seja diferente
e produza diferentes significados. Nesse caso, lança-se mão do agregado da
comunidade linguística em oposição ao agregado de cada falante[v].
Conclui-se que, a referência direta vai
pleitear que seja lá como for que o referente do nome é determinado, ele não é
determinado pelo significado, ao passo que, pela referência indireta, o
referente é parcialmente determinado pelo significado do nome, e é essa teoria
que vai resolver os enigmas apresentados.
Solução do descritivismo para nomes vazios.
Como sabemos, para o referencialismo, o significado de um nome próprio é o
próprio referente, o objeto e, se ele falha, se o referente é vazio, o nome não
tem significado. Já para o descritivismo, mesmo que o nome próprio a nada se
refira, ainda tem significado, visto que é dado pelo significado da descrição. Dado
que 5.) “Papai Noel é legal”, o significado do nome “Papai Noel” é dado pelo
significado da descrição definida “o bom velhinho”, o que resulta em 6.) “O bom
velhinho é legal” e, aplicando a teoria de Russell tem-se que 6’.) “Existe um e
no máximo um bom velhinho e ele é legal”. Porém, se é o caso que Papai Noel não
existe, a afirmação é falsa e, portanto, dotada de significado.[vi]
Ainda assim, se temos a impressão que
Papai Noel é legal, é justamente porque o descritivismo trata esse proferimento
como falso porque Papai não existe e não porque ele não seja legal. Nesse caso,
ainda poderíamos recorrer ao faz de conta para dizer que Papai Noel é legal
“lá”, muito embora tal proferimento seja literalmente falso. Para o
descritivista, seria possível usar “Papai Noel” em certos contextos[vii].
Solução do descritivismo para existenciais
negativas. O proferimento 7.) “Papai Noel não existe”,
conforme já vimos pela nota anterior, se é verdadeiro, tem significado e,
consequentemente, cada parte tem significado. Isso leva ao paradoxo de que o
significado de “Papai Noel” é seu referente, que é o próprio Papai Noel e, nesse
caso, existe. Agora, se tomarmos a frase pela descrição “O bom velhinho não existe”,
teremos 7’.) “É falso que existe um e apenas um bom velhinho” que é verdadeira
sem termos que recorrer a nenhuma ontologia, como a de Meinong.
Isso posto, o descritivista não usa o faz
de conta para o problema de Vulcano, já que oriundo de fato real e científico.
Aqui, de 8.) “Vulcano não existe” se extrai 8’.) “É falso que existe um e
apenas um planeta causando anomalias na órbita de Mercúrio” – afirmação literalmente
verdadeira e que evita que cientistas tratem do faz de conta.
Solução do descritivismo para o enigma de
Frege. Simplificando o exemplo de Sagid, temos as frases
9.) “Anitta é Anitta” e 10.) “Anitta é Larissa” que, pela teoria
referencialista, associam o significado do nome ao objeto referido. Visto que,
pelo princípio da composicionalidade, tem a mesma estrutura, mas apresentam
nomes diferentes que são correferenciais, esses nomes deveriam ter o mesmo
significado, o que parece implausível em razão de possuírem uma diferença de conteúdo
informativo.
Seja a descrição de Anitta “a cantora de
funk mais famosa” e a de Larissa “a cantora preferida do Sagid”, as frases ficariam
9’.) “A cantora de funk mais famosa é a cantora de funk mais famosa” e 10’.) “A
cantora de funk mais famosa é a cantora preferida do Sagid”. 9’.) apresenta o
mesmo objeto do mesmo modo e 10’.) são duas formas diferentes de apresentar o
objeto por duas descrições, portanto de caráter informativo. Então o
descritivismo explica o sentido fregeano, já que o sentido do nome é o sentido
da descrição definida.
Solução do descritivismo para o princípio
da substitutividade. Por fim, temos que o princípio da substitutividade
falha para o referencialismo, já que ele deveria admitir como universalmente
válido que a substituição de um nome próprio por outro nome próprio
correferencial não altera o valor de verdade da proposição. Entretanto, se em 9.)
e 10.) a substituição se aplica e são verdadeiras, há contextos que são referencialmente
opacos como os contextos de crença como em 11.) “Maria acredita que Anitta é
Anitta” e 12.) “Maria acredita que Anitta é Larissa”. Em situações como essa, a
substituição altera o valor de verdade das proposições e o princípio falha,
pois Maria certamente sabe de 11.) mas pode não saber de 12.). Entretanto,
derivando para o descritivismo, 11’.) “Maria acredita que a cantora de funk
mais famosa é a cantora de funk mais famosa” e 12’.) “Maria acredita que a
cantora de funk mais famosa é a cantora preferida do Sagid”, tem o mesmo valor
de verdade, já que tem o mesmo referente.
[i] Recortes feitos das aulas 11, 12 e
13 do professor Sagid Salles disponíveis no Youtube. Curso IF - Filosofia da
Linguagem: https://www.youtube.com/playlist?list=PLb6DzdXIOv4EtJpTp1G9kThcOi_DATFyS.
[ii] Nomes próprios ou descrições
definidas.
[iii] Sagid cita brevemente o uso
atributivo de Keith Donnellan, mas não o aprofunda. Sobre ele falaremos.
[iv] Além disso, Sagid ressalta que,
para Searle, o descritivismo aporta 2 fatos alegados sobre o nome próprio:
ensinar um nome é introduzir o nome com uma descrição, e aprender a usar o nome é ser
introduzido ao nome junto com a descrição. Ao ouvir coisas sobre “Maria”, como
“Maria X” ou “Maria Y”, podemos nos perguntar, “Quem é Maria?”. A resposta “É a
moça mais inteligente da sala” nos ensina quem é Maria e como usar seu nome.
[v] Sagid cita a solução de Claudio
Costa que seria de descrições enciclopédicas.
[vi] Aqui https://www.reflexoesdofilosofo.blog.br/2023/01/np-pn.html falamos de Papai Noel.
[vii] Ver https://criticanarede.com/logicaficcional.html: O estatuto lógico do discurso
ficcional - John R. Searle. Tradução de Vítor Guerreiro.
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