Trata do paradoxo das existenciais negativas singulares,
um problema para a teoria referencialista do significado[i]
Conforme já dito[ii], para a teoria referencialista
do significado o significado é o próprio objeto e, no caso dos nomes próprios, a
pessoa referida. Ademais das objeções apontadas, Sagid aponta quatro desafios
que essa teoria deve superar (quatro enigmas): substitutividade, terceiro
excluído, existenciais negativas e enigma de Frege. Desses, será analisado agora
o das existenciais negativas, particularmente, procurar-se-á saber se a frase
“Papai Noel não existe” é verdadeira.
Ora, para os casos de pessoas, por
exemplo, “Messi é argentino”, temos que a frase é verdadeira se Messi tem a
propriedade de ser argentino. “Messi existe” ou “Messi não existe” também são
frases que podem ter seu valor de verdade pela introdução de “Messi” no
discurso e da referência a ele, mas a frase “Papai Noel não existe” é
verdadeira ou falsa? A princípio, pelo senso comum, ela parece ser verdadeira,
porém, para ser verdadeira ela deve ser dotada de significado e, pelo princípio
da composicionalidade, cada expressão dela deve ser verdadeira e dotada de
significado. Então, o significado de “Papai Noel” é seu referente, mas quem é o
referente de “Papai Noel”? É o próprio Papai Noel que, por consequência, existe,
mas Papai Noel não existe, conforme enunciado inicial e, portanto, Papai Noel
existe e não existe.
O paradoxo das existenciais negativas
singulares pode ser formalizado pelas premissas que se seguem:
P1: “Papai Noel não existe” é verdadeira.
P2: Se “Papai Noel não existe” é
verdadeira, então tem significado.
P3: Se “Papai Noel não existe” tem
significado, então “Papai Noel” tem significado.
P4: O significado de “Papai Noel” é apenas
seu referente, que é o próprio Papai Noel.
P5: Se o nome “Papai Noel” tem significado
e seu significado é apenas seu referente, então Papai Noel existe.
P6: Se Papai Noel existe, então a frase
“Papai Noel não existe” é falsa.
P7: A frase “Papai Noel não existe” é
falsa.
Conclusão:
“Papai Noel não existe” é verdadeira e falsa
O
paradoxo[iii] implica que a teoria
referencialista do significado para nomes próprios não nega a existência de
nada[iv]. Mas os referencialistas
tentam resolver esse paradoxo de duas maneiras: rejeitando P1 ou rejeitando P5.
Ao rejeitar P1, os referencialistas respondem que a frase “Papai Noel não
existe” não é nem falsa e nem verdadeira, mas destituída de significado, como
que se fosse um ruído. Mas isso é implausível porque a frase parece ter significado,
nós a entendemos... E, por que não teria?
Uma saída, nessa argumentação, seria dizer
que a frase “Papai Noel não existe” não tem significado literalmente, mas, se
usarmos nossa imaginação, podemos fingir que Papai Noel existe ou não[v]. Porém, tratar as
existenciais negativos em jogos de faz de conta não seria considerado um uso
sério da linguagem, haja visto que até mesmo a ciência já fez uso de
conjecturas, como no caso do planeta Vulcano postulado por Le Verrier[vi] e sua “não existência”
foi considerada uma importante descoberta cientifica. Ora, há uma parcela do discurso
que não envolve o faz de conta e cria dificuldades para essa argumentação
referencialista, posto que as pessoas não estavam fazendo de conta que Vulcano
existia[vii], mas o mesmo era parte
do discurso científico consensuado em determinado momento histórico.
Por outro lado, ao considerarmos P5 falsa,
consideramos que mesmo que Papai Noel seja verdadeiro e tenha significado, ele
não existe e, ainda assim, podemos falar sobre ele. Essa é a proposta de
Meinong: embora intuitivamente pensemos que a realidade inclui somente o que
existe, para ele, ela também inclui o que não existe e até podemos atribuir
propriedades a objetos inexistentes como é o caso do cachimbo de Sherlock Holmes
ou de um enunciado que diga que a montanha de ouro é feita de ouro. Resumindo,
existem objetos inexistentes, como Pégaso, que é um cavalo alado, mas não
existe.
Restaria, nessa tentativa de explicação referencialista,
explicar o que são objetos inexistentes: onde eles residem? Qual a sua
estrutura? Isso nos levaria a uma metafísica dos inexistentes que deveria
versar sobre a natureza dos inexistentes para tornar o argumento plausível, o
que certamente traria enorme contenda. Conclui-se que as duas alternativas
referencialistas são implausíveis, seja considerar as existenciais negativas
não dotadas de significado ou aceitar os inexistentes como existentes.
[i] Recortes da Aula 08 - Paradoxo
das existenciais negativas - CURSO IF, filosofia da linguagem do professor
Sagid Salles: https://www.youtube.com/watch?v=_3GtmNZ-QRY&ab_channel=ThePhilosophersDAO.
NP PN: Nome Próprio Papai Noel.
[ii] Vide Referencialismo: https://www.reflexoesdofilosofo.blog.br/2022/12/referencialismo.html.
[iii] Sagid explica que o paradoxo tem a
função de mostrar que um argumento aparentemente válido, com premissas
aparentemente válidas, chega a uma conclusão falsa. Mas para um argumento ser
válido, a verdade da conclusão se extrai da verdade das premissas. Então, para
o paradoxo, algo é falso, ou as premissas ou a validade do argumento.
[iv] Como negar a existência de algo
cujo significado é o próprio objeto, a própria pessoa?
[v] É a “teoria do faz de conta”, cuja
referência é apontada por Sagid: Mimesis as Make-Believe - On the
Foundations of the Representational Arts, de Kendall L. Walton. Para
ver também: The Logical Status of Fictional Discourse, de John R. Searle.
Uma frase pode ser
verdadeira em um jogo de faz de conta, assim como Sherlock Holmes é um detetive
somente no livro.
[vii] Ver: https://revistas.ufg.br/philosophos/article/view/37530, SALLES, S. Fazendo de conta que Vulcano não existe.
Aqui trata-se da teoria referencialista do significado aplicada a nomes, visto que a todas as expressões se torna ainda menos factível conforme outras objeções já pontuadas
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