Trata de dois enigmas que a teoria referencialista do
significado para nomes deve responder: o puzzle de Frege e o paradoxo da substitutividade[i]
Tomemos as frases 1.) “Héspero é Héspero”
e 2.) “Héspero é Eósforo”, que tratam de Héspero, a estrela da tarde e de Eósforo
a estrela da manhã. Entretanto, como já vimos algumas vezes neste espaço, as duas
frases são correferenciais, isto é, se referem a Vênus. Pelo princípio da
composicionalidade, também já visto, o significado de uma frase depende de sua
estrutura e do significado de cada parte. Se aplicado às duas asserções iniciais, vemos que elas possuem a mesma estrutura, já que são afirmações de identidade e têm por significado
de cada parte um nome, que é seu referente.
Para o referencialista, então, Héspero e
Eósforo se referem a Vênus e têm o mesmo significado. Porém, notou Frege, há
uma diferença entre as asserções de identidade: a primeira é trivial, mas a segunda
é informacional, ou seja, a segunda informa algo novo[ii]. Mas, como o
referencialista poderia explicar que as duas sentenças têm o mesmo significado,
mas somente a segunda é informativa?
Tomemos outro par de afirmações de identidade
proposto por Sagid: 3.) “Anitta é Anitta” e 4.) “Anitta é Larissa de Macedo Machado”.
Do mesmo modo, são expressões correferenciais e, portanto, para o
referencialista significam a mesma coisa, mas, como explicar a diferença de
informatividade? É aí que entra a solução fregeana: a questão só pode ser
explicada se o significado do nome próprio for diferente do referente do nome próprio,
então, os pares 1.) - 2.) e 3.) - 4.) não significam a mesma coisa, apesar do
mesmo referente.
Para Frege, o significado é o modo de
apresentação do referente e cada significado apresenta o referente de um certo
modo. Em 1.), por exemplo, o objeto é apresentado da mesma forma duas vezes, já
em 2.), o objeto é apresentado de dois modos diferentes. O significado ou modo
de apresentação do referente é o sentido e é ele que determina o referente,
embora ele possa falhar, quando uma asserção tenha sentido, mas não referente,
como é o caso de Papai Noel e Vulcano[iii].
A abordagem de Frege trata o sentido da expressão
como algo que é compreendido. Quanto entendemos algo, entendemos o seu significado.
Esse significado é objetivo e, já que compreendido por muitas pessoas, é
intersubjetivo e entendido mesmo quando não há referência. Todavia, Frege não deixa
clado o que é o sentido, apesar de tê-lo caracterizado como um modo de apresentação
do referente, como sendo aquele que determina ou aponta o referente, e que
permite haver diferentes sentidos para o mesmo referente ou apontar para nenhum
referente, de ser compreendido porque entendemos e de ser compreendido por
todos. Sagid cita crítica de Evans a essa falta de clareza, inclusive certa incongruência
ao tratar o sentido como aquele que apresenta o referente, mas ao mesmo tempo
em que possa não haver referente. Não fica claro como o sentido determina ou
seleciona o referente, embora Sagid deixe indicado que a teoria descritivista irá
clarificar a ideia de sentido.
Sagid também mostra que, para Frege, a distinção
entre sentido e referente vale para toda expressão linguística, não somente para
o caso dos nomes próprios que estamos tratando. Logo, o sentido de uma frase é
o pensamento expresso por ela, algo objetivo e que é entendido por nós. Além do
mais, e o que soa estranho, uma frase completa pode ter um referente, que é o
seu valor de verdade, seja ele verdadeiro ou falso. Segundo Sagid, Wittgenstein,
no Tractatus, teria mostrado que o referente da frase é o fato, mas esse ponto
poderá ser melhor clarificado pela teoria proposicional do significado.
Conclui-se, para o puzzle de Frege, que, se asserções de identidade têm o mesmo significado para o referencialista, ele não consegue explicar porque algumas são informativas. Consequentemente, ele faz a distinção entre o sentido e a referência que elucida esse ponto e mesmo os das existenciais negativas, embora não tendo sido suficiente claro sobre qual mecanismo o sentido opera.
Enigma da substitutividade[iv]
Se o enigma de Frege soluciona casos da substituição
de um nome próprio por outro, correferencial e que deixa o referencialista em
apuros, ele permite concluir que a substituição, nesse caso, altera o significado
da frase, mas não altera seu valor de verdade nas afirmações de identidade (“Anitta
é Anitta” e “Anitta é Larissa...” têm o mesmo valor de verdade). Porém, em
certos contextos, a substituição de um nome por outro pode alterar o seu valor
de verdade, invalidando o princípio da substitutividade que deveria ser aceito
pelo referencialista.
O princípio da substitutividade é citado
por Sagid como: “A substituição de um nome próprio por outro nome próprio que
seja correferencial não altera o valor de verdade da frase”[v]. Vejamos, as sentenças 5.)
“Maria acredita que Anitta é Anitta” e 6.) “Maria acredita que Anitta é Larissa
de Macedo Machado” tem o mesmo valor de verdade? Ora, em 5.) todos acreditam,
mas em 6.) pode haver o caso em que muitos não saibam do fato ou mesmo o
rejeitem. Por isso, 5.) seria verdadeiro e 6.) falso.
Do mesmo modo, poderíamos ter que, para o astrônomo
João, lá na Grécia Antiga, 7.) “João deseja saber se Héspero é Héspero” e 8.) “João
deseja saber se Héspero é Eósforo”. As duas asserções claramente violam o
princípio da substitutividade já que claramente João sabe 7.), mas não sabe 8.).
Não obstante, Sagid explica que esses casos estão relacionados a certos contextos onde são usados conceitos de crença, conhecimento, desejo. São atitudes proposicionais da forma “Fulano acredita que”, “Beltrano sabe que”, etc. Uma proposição, como se sabe, é o significado de uma frase, e as atitudes proposicionais são aquelas relacionadas a uma proposição. Assim dizendo, para a proposição “A neve é branca” podemos acreditar, duvidar ou rejeitar. Segue-se que o princípio da substitutividade falha em alguns contextos ditos opacos.
Um contexto referencialmente transparente é aquele em que a substituição de um nome próprio por outro nome próprio não altera
o valor de verdade da proposição, já um contexto referencialmente opaco
é aquele contexto em que a substituição correferencial muda o valor de verdade.
Tem-se que o referencialista não explica porque o princípio da substitutividade
falha nos contextos referencialmente opacos.
Por fim, Sagid acena para a continuidade das aulas,
dizendo que a teoria descritivista explica os três enigmas, a saber, ela da
conta de explicar o significado de nomes vazios (sem referente), explicar o
significado de afirmações de identidade e explicar a opacidade referencial. Além
do que ela tornará mais clara a ideia de sentido usada por Frege para
distinguir entre o significado e o referente, mas isso são cenas dos próximos
capítulos.
[i] Recortes das aulas 9 e 10, links: https://www.youtube.com/watch?v=vs6h1RPf6yQ
e https://www.youtube.com/watch?v=_f_y78jeSEE
CURSO IF, filosofia da linguagem do professor Sagid Salles.
[ii] Em outros termos (kantianos), a
primeira é analítica e a segunda é sintética, conforme Sagid.
[iii] Ver texto: https://www.reflexoesdofilosofo.blog.br/2023/01/np-pn.html.
A solução fregeana também resolve esse caso, sem a necessidade de se recorrer a
Meinong ou ao faz de conta.
[iv] Aqui entra a aula 10.
[v] Citação para nomes próprios, mas valeria para termos singulares e etc.
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