segunda-feira, 16 de janeiro de 2023

O discurso mental de Thomas Hobbes

Mostra que há um discurso privado, mental, anterior ao discurso público no uso da linguagem pelos modernos[i]

Hacking se refere a Mill (1844) como ponto de partida no tratamento da linguagem, porém por “razões menores”, como a prevenção de erros ou destacando a importância das proposições. É um marco, posto que antes dele havia o predomínio das ideias que não estavam diretamente ligadas ao significado, conceito associado à análise da linguagem atualmente. Então, a linguagem, na modernidade, era importante, mas em outros termos.

Para Hobbes (1651), a fala era uma transferência do discurso mental ao verbal, cada discurso seguindo um fluxo separado. Mas, o fluxo do pensamento seria pré-linguístico, isto é, depois era verbalizado para que pudesse ser comunicado. Se, para Hobbes, era tarefa da linguagem comunicar pensamentos, Berkeley também enfatizava seu papel em despertar emoções e dissuadir ações, como que para despertar nossos pensamentos nos outros.

Portanto, no século XVII, havia uma preocupação em livrar o pensamento da linguagem que, pública, levaria ao erro. De um lado o discurso verbal que era usado para comunicação e, de outro, o pensamento verdadeiro, haja vista a proposição de Descartes de escrutinar as ideias. Hacking acredita que não havia uma teoria do significado naquele tempo, mas uma teoria da linguagem autodidata baseada no mental[ii]. E também não acredita na divisão das teorias do significado, como a proposta por Alston, entre ideacional, referencial e comportamental.

Na teoria ideacional, o significado de uma palavra é a ideia em nossa mente que ela representa, isto é, quando proferimos uma frase nos referimos à ideia de algo, como um evento (um churrasco), etc. Na teoria referencial, o significado é o próprio evento e, no caso da comportamental, se verifica o que as pessoas fazem ao ouvir palavras. Hacking investiga com base nessas definições: Locke (40 anos depois de Hobbes), seria ideacionista? Para ele, as palavras são marcas sensíveis das ideias, são signos das ideias.

Para Hobbes, as palavras também são marcas ou signos e os nomes não são das coisas, mas há dificuldade de atribuir uma teoria do significado, pois, a definição de signo é outra. Aqui “significa” tem o sentido de “precede”, como uma nuvem carregada precede a chuva – é como que inferir o pensamento a partir do que é dito, não que ‘signifique”. Na verdade, segundo Hacking, Hobbes tanto poderia ser ideacionista como referencialista, pois uma palavra é dita depois de uma ideia e uma palavra produz (significa) no ouvinte um pensamento, mas ela realmente significa o que se refere[iii].

Hacking está enfatizando uma dificuldade de categorizar um discurso moderno sobre a linguagem, uma teoria do significado. Ele chega a aproximar Hobbes de Grice, uma teoria comportamental que seria a atual teoria intencional de Grice, quando o falante pretende que o ouvinte infira o significado do que é dito. Insere-se no campo da comunicação e intenção de comunicar. Portanto, ou Hobbes passou pelas três caracterizações em seus textos, ou ele não possuía uma teoria do significado, isto é, tinha outras preocupações, como uma teoria do pensamento.

Pensamento que é associado ao discurso mental, às ideias, ao passo que agora tratamos a linguagem de um jeito novo. E as palavras, que são signos das ideias, ideias estas que, no século XVII, queriam dizer algo que Hacking tentará explicar nos outros capítulos do livro. Por fim, ele ressalta que embora Hobbes seja reconhecido por sua teoria política, ele dá ênfase à natureza humana e à comunicação, já que o animal político é animal faltante. Analogamente, tanto indivíduos constituem um estado, quanto o discurso mental é constituído antes do discurso público.



[i] HACKING, I. Por que a linguagem interessa à filosofia? São Paulo: Editora Unesp, 1999. 2. O discurso mental de Thomas Hobbes – p 23.

[ii] Aqui cabe relembrar que no idealismo de Berkeley não existia matéria, todos os existentes eram mentais.

[iii] Omitimos as citações a Hobbes, se é o caso referir ao original. 

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