sábado, 7 de janeiro de 2023

NP PN

Trata do paradoxo das existenciais negativas singulares, um problema para a teoria referencialista do significado[i]

Conforme já dito[ii], para a teoria referencialista do significado o significado é o próprio objeto e, no caso dos nomes próprios, a pessoa referida. Ademais das objeções apontadas, Sagid aponta quatro desafios que essa teoria deve superar (quatro enigmas): substitutividade, terceiro excluído, existenciais negativas e enigma de Frege. Desses, será analisado agora o das existenciais negativas, particularmente, procurar-se-á saber se a frase “Papai Noel não existe” é verdadeira.

Ora, para os casos de pessoas, por exemplo, “Messi é argentino”, temos que a frase é verdadeira se Messi tem a propriedade de ser argentino. “Messi existe” ou “Messi não existe” também são frases que podem ter seu valor de verdade pela introdução de “Messi” no discurso e da referência a ele, mas a frase “Papai Noel não existe” é verdadeira ou falsa? A princípio, pelo senso comum, ela parece ser verdadeira, porém, para ser verdadeira ela deve ser dotada de significado e, pelo princípio da composicionalidade, cada expressão dela deve ser verdadeira e dotada de significado. Então, o significado de “Papai Noel” é seu referente, mas quem é o referente de “Papai Noel”? É o próprio Papai Noel que, por consequência, existe, mas Papai Noel não existe, conforme enunciado inicial e, portanto, Papai Noel existe e não existe.

O paradoxo das existenciais negativas singulares pode ser formalizado pelas premissas que se seguem:

P1: “Papai Noel não existe” é verdadeira.

P2: Se “Papai Noel não existe” é verdadeira, então tem significado.

P3: Se “Papai Noel não existe” tem significado, então “Papai Noel” tem significado.

P4: O significado de “Papai Noel” é apenas seu referente, que é o próprio Papai Noel.

P5: Se o nome “Papai Noel” tem significado e seu significado é apenas seu referente, então Papai Noel existe.

P6: Se Papai Noel existe, então a frase “Papai Noel não existe” é falsa.

P7: A frase “Papai Noel não existe” é falsa.

Conclusão: “Papai Noel não existe” é verdadeira e falsa

 O paradoxo[iii] implica que a teoria referencialista do significado para nomes próprios não nega a existência de nada[iv]. Mas os referencialistas tentam resolver esse paradoxo de duas maneiras: rejeitando P1 ou rejeitando P5. Ao rejeitar P1, os referencialistas respondem que a frase “Papai Noel não existe” não é nem falsa e nem verdadeira, mas destituída de significado, como que se fosse um ruído. Mas isso é implausível porque a frase parece ter significado, nós a entendemos... E, por que não teria?

Uma saída, nessa argumentação, seria dizer que a frase “Papai Noel não existe” não tem significado literalmente, mas, se usarmos nossa imaginação, podemos fingir que Papai Noel existe ou não[v]. Porém, tratar as existenciais negativos em jogos de faz de conta não seria considerado um uso sério da linguagem, haja visto que até mesmo a ciência já fez uso de conjecturas, como no caso do planeta Vulcano postulado por Le Verrier[vi] e sua “não existência” foi considerada uma importante descoberta cientifica. Ora, há uma parcela do discurso que não envolve o faz de conta e cria dificuldades para essa argumentação referencialista, posto que as pessoas não estavam fazendo de conta que Vulcano existia[vii], mas o mesmo era parte do discurso científico consensuado em determinado momento histórico.

Por outro lado, ao considerarmos P5 falsa, consideramos que mesmo que Papai Noel seja verdadeiro e tenha significado, ele não existe e, ainda assim, podemos falar sobre ele. Essa é a proposta de Meinong: embora intuitivamente pensemos que a realidade inclui somente o que existe, para ele, ela também inclui o que não existe e até podemos atribuir propriedades a objetos inexistentes como é o caso do cachimbo de Sherlock Holmes ou de um enunciado que diga que a montanha de ouro é feita de ouro. Resumindo, existem objetos inexistentes, como Pégaso, que é um cavalo alado, mas não existe.

Restaria, nessa tentativa de explicação referencialista, explicar o que são objetos inexistentes: onde eles residem? Qual a sua estrutura? Isso nos levaria a uma metafísica dos inexistentes que deveria versar sobre a natureza dos inexistentes para tornar o argumento plausível, o que certamente traria enorme contenda. Conclui-se que as duas alternativas referencialistas são implausíveis, seja considerar as existenciais negativas não dotadas de significado ou aceitar os inexistentes como existentes.



[i] Recortes da Aula 08 - Paradoxo das existenciais negativas - CURSO IF, filosofia da linguagem do professor Sagid Salles: https://www.youtube.com/watch?v=_3GtmNZ-QRY&ab_channel=ThePhilosophersDAO. NP PN: Nome Próprio Papai Noel.

[iii] Sagid explica que o paradoxo tem a função de mostrar que um argumento aparentemente válido, com premissas aparentemente válidas, chega a uma conclusão falsa. Mas para um argumento ser válido, a verdade da conclusão se extrai da verdade das premissas. Então, para o paradoxo, algo é falso, ou as premissas ou a validade do argumento.

[iv] Como negar a existência de algo cujo significado é o próprio objeto, a própria pessoa?

[v] É a “teoria do faz de conta”, cuja referência é apontada por Sagid: Mimesis as Make-Believe - On the Foundations of the Representational Arts, de Kendall L. Walton. Para ver também: The Logical Status of Fictional Discourse, de John R. Searle. Uma frase pode ser verdadeira em um jogo de faz de conta, assim como Sherlock Holmes é um detetive somente no livro.

[vii] Ver: https://revistas.ufg.br/philosophos/article/view/37530, SALLES, S. Fazendo de conta que Vulcano não existe. 

Um comentário:

  1. Aqui trata-se da teoria referencialista do significado aplicada a nomes, visto que a todas as expressões se torna ainda menos factível conforme outras objeções já pontuadas

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