Verifica se a neve é preta[i]
Resumo:
O texto aborda as ideias filosóficas de Anaxágoras, um filósofo pré-socrático
que influenciou Sócrates. Anaxágoras é conhecido por sua teoria de que todas as
matérias contêm sementes de todas as outras matérias, e que a matéria pode ser
dividida infinitamente (tudo está em tudo). Ele também introduziu o conceito de
"nous" (espírito), que é a única substância pura e responsável pelo
movimento e organização do universo.
<<O tempo estimado para leitura é de
~ 6 minutos e vale a pena pois oferece a visão inovadora de Anaxágoras sobre a
matéria e o espírito>>
Anaxágoras, que passou pela Grécia no
chamado século de ouro[ii] e foi acusado de
impiedade[iii], é conhecido por ter
levado a filosofia para Atenas e influenciado Sócrates. Ele é um dos filósofos
da natureza (filósofos físicos) e se pergunta como a carne pode vir da não
carne, isto é, do pão. Ora, somos feitos de carne e ossos, mas não comemos
carne e ossos, comemos pão e bebemos água. A partir disso, ele acreditava que
um elemento não pode ser transformado em outro, então nos alimentos deveria
haver partes que produzem sangue e tendões, por exemplo.
Para ele, em cada porção de matéria, seja
pão ou ferro, haveria pequenas sementes de todas as outras matérias, pedacinhos
pequenos de carne, osso, ferro, sangue e assim por diante. E isso, para ele,
era uma necessidade lógica. Havia infinitas coisas e infinitamente minúsculas
em cada matéria, por menor que fosse ainda haveria infinitas partículas. Tudo
infinitamente misturado e indistinto, todas as coisas contidas em tudo. Assim,
não há vazio, há um todo pleno, mas misturado, já que em uma mínima partícula
de ferro haveria infinitas incontáveis partículas de tudo[iv].
Dessa maneira, Anaxágoras rompe com o
pensamento de haver um, dois ou quatro elementos, vigente na época[v]. Os elementos de Empédocles,
conforme citação de Aristóteles em “Do Céu”, ar ou fogo, já seriam uma combinação
de partículas que o estagirita chamou de homeomerias[vi], coisas homogêneas em si[vii]. Importa ressaltar, como
Fontes nos lembra, que hoje sabemos que há em torno de cem elementos na
natureza (os elementos químicos), isto é, nem tão pouco e nem infinitos.
Na discussão da época, Demócrito e Leucipo
pensavam que um objeto seria dividido até o ponto do átomo porque o ser deveria
ser indivisível, já Anaxágoras planteou que a matéria poderia ser dividida
infinitamente. De outro lado, também não há limite de grandeza. E a matéria
sempre permanece quando um corpo nasce ou morre: nada se cria ou se perde, ao
contrário, se une ou se separa (conforme nota 4).
Porém, há um princípio movente, o espírito
que existe sozinho, de per si. A única coisa pura, o nous, é um tipo de
matéria que não se mistura e, assim, age de modo livre e dirige a vida. O nous
é sutil e beira o imaterial, ele tudo permeia. Foi ele que deu o impulso
inicial, como um turbilhão, movimento rotatório que vai movendo e expandindo e
notamos aqui, como ressalta Fontes, a base física [dos filósofos físicos] da
cosmologia de Anaxágoras. O espírito faz a matéria se mover de forma rotatória,
circular e que tem a capacidade de continuar indefinidamente, aí até chegar na
revolução dos astros[viii].
Diferentemente, então, das outras substâncias
nas quais tudo está misturado (homeomerias), mas uma coisa se destaca por
exemplo, no algodão há mais predominância de algodão, o espírito é todo igual.
E é eterno, presente em tudo e transformando tudo. Segundo a interpretação de
Teofrasto, haveria apenas dois primeiros princípios presentes na visão de
Anaxágoras: a substância do infinito e o Espírito. Um dualista: matéria
misturada [passiva] e o princípio movente indistinto.
Para Aristóteles, na Física, a visão
infinita de Anaxágoras adviria de que nada nasce do não-ser, as coisas nascem a
partir de mudanças qualitativas; de um contrário provem o outro sem mudar em
si, apenas “mostrando outra face”, poderíamos dizer. Essa é uma visão física que
se aproxima da de Parmênides, na medida que nega o não-ser, as coisas nascem do
que já existe, coisas muito pequenas que nos são imperceptíveis, mas cada coisa
já contém tudo, tudo já está lá. Fontes cita uma crítica jocosa de que, para Anaxágoras,
a neve até poderia ser preta, porque todas as cores estariam presentes em todas
as coisas, embora o branco se destaque (tudo em tudo e nada vem do nada).
Fontes nos lembra uma crítica socrática,
também, de que o espírito em Anaxágoras não é um princípio inteligente porque
ele age somente no início fazendo com que as coisas se separem e se consolidem:
a terra se solidifica, a água se separa das nuvens, mas de forma “cega”, sem um
princípio racional. O espírito, assim como a matéria, é infinito e poderia
haver outros lugares como o nosso, que tenham sofrido o mesmo processo de
separação, que tenham um sol, uma lua e pessoas vivendo do modo como vivemos[ix].
Por outro lado, ele acreditava que a terra
era plana, já que a ideia pitagórica de que a terra é redonda ainda não tinha
sido difundida. Ela flutuaria no ar, infinito, que a seguraria. Anaxágoras
enfatiza o ar e o éter, que circundam o mundo[x]. Há teorizações sobre as
estrelas, eclipse e outras proposições como os animais tendo surgido da umidade,
ainda arcaicas dado o desenvolvimento embrionário da ciência, mas já próximas
do que postula o conhecimento científico atual. Por fim, fontes ressalta que os
pré-socráticos são considerados dogmáticos porque afirmam suas ideias e,
nesse sentido, são pouco influenciados pelo ceticismo, embora Anaxágoras já
tenha produzido uma teoria da percepção e deficiência dos sentidos.
[i] Fichamento-resumo de Anaxágoras
– Espírito e Matéria: https://www.youtube.com/watch?v=FhhKDAiv4jk,
canal Filosofia Clássica. Vale ver a aula para conferir as citações e sua parte
visual – professor Fabrício Fontes - https://www.escavador.com/sobre/4764661/fabricio-soares-santos-fontes.
[ii] Atenas do século V, entre 480 e
404 a.C., ficou conhecida como a Era de Ouro de Atenas, sendo a última parte a
Era de Péricles, foi impulsionada pela hegemonia política, crescimento econômico
e florescimento cultural.
[iii] Por ter negado a divindade do Sol,
pois o via como uma pedra incandescente.
[iv] A única resposta logicamente satisfatória para ele era: o pão já deveria conter sementes (ou "homeomerias") de carne, osso e sangue em quantidades muito pequenas. O processo de nutrição e crescimento seria apenas o isolamento e a organização dessas sementes que já estavam lá. Em essência, ele resolveu o problema da mudança: a mudança não é a criação de algo novo do nada, mas sim a reorganização de elementos que já existiam na mistura. (Gemini https://g.co/gemini/share/d8f7d7fd858b)
[v] Ruptura com a Tradição Elementar. Anaxágoras é classificado como um filósofo pluralista, e sua ruptura se deu contra as escolas monistas (Um Elemento): Filósofos como Tales (água), Anaxímenes (ar) e Heráclito (fogo) buscavam a Arché (princípio originário) em um único elemento e dualistas/pluralistas Limitados (Dois ou Quatro Elementos): Empédocles, por exemplo, estabeleceu os famosos quatro elementos (terra, água, ar e fogo) como os princípios básicos imutáveis da realidade. Anaxágoras, ao postular que a matéria não se resume a quatro elementos, mas sim a uma infinidade de sementes com diferentes qualidades (haveria sementes de ouro, sementes de pedra, sementes de carne, e assim por diante), introduziu um grau de pluralismo qualitativo muito mais radical. Para ele, os elementos de Empédocles eram apenas substâncias complexas e perceptíveis, e não os verdadeiros constituintes últimos e eternos da realidade. (Gemini https://g.co/gemini/share/d8f7d7fd858b)
[vi] Anaxágoras chamava essas
substâncias de sementes ou espermata.
[vii] Uma homeomeria (omoioméreia) é
toda parte elementar igual ao conjunto que com outras partes conforma, em onde
o todo composto pelas partes é similar às partes mais elementares e
indivisíveis da matéria (https://pt.wikipedia.org/wiki/Homeomeria).
[viii] Cabe ressaltar que esse movimento rotatório se expande indefinidamente e, através da força centrífuga, começa a separar e ordenar a matéria. Onde antes havia apenas a mistura, agora a matéria mais densa e pesada é jogada para o centro (formando a Terra), e a mais sutil e leve é expelida para a periferia (formando o ar, o éter e os astros). (Gemini https://g.co/gemini/share/d8f7d7fd858b)
[ix] A possibilidade de outros lugares
iguais ao nosso também estaria presente na teoria de Anaximandro, conforme o
autor.
[x] Ar e éter remetem diretamente à forma como Anaxágoras descreveu o resultado do grande turbilhão cósmico iniciado pelo Nous. Em sua cosmogonia, o ar e o éter surgem como as substâncias que foram separadas da mistura primordial: a Matéria Pesada (Terra): durante o movimento rotatório, a matéria densa e úmida foi forçada para o centro, resultando na formação da Terra. O Ar e o Éter, matérias mais leves e sutis (que eram originalmente "quentes, secos, brilhantes e tênues") foram expelidas para a periferia pelo movimento giratório. Essa matéria leve deu origem ao Ar (a camada mais próxima da Terra) a ao Éter (a camada mais externa e rarefeita, onde os corpos celestes se formaram). Para Anaxágoras, os astros (como o Sol e a Lua) eram pedras incandescentes que foram arrancadas da Terra e, graças ao movimento acelerado do éter, foram arremessadas para o espaço. O calor dos astros vinha da velocidade do movimento e da fricção com o éter. Portanto, o ar e o éter são elementos cruciais na física de Anaxágoras, pois representam as porções mais leves e quentes da matéria que foram separadas para formar o cosmos ordenado.
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