quinta-feira, 31 de dezembro de 2015

Reclusão de fim de ano

São 17h30 do dia 31 de dezembro de 2015. Abandonei por 20 minutos o cativeiro (muito aconchegante por sinal) ao qual estou recluso nesses três dias em virtude de dores abdominais e sintomas provenientes. Ao fazê-lo, percebi que alguém se vai: 2015. As casas de comércio, muitas delas, já estavam com as portas fechadas, o movimento de automóveis estava bem retraído e poucos transeuntes se aventuravam por aí (alguns já de branco). Do que me indaguei: é possível falar em fim de ano?
Um ano é uma convenção unilateral e temporal, decreto lei que dita os ciclos de estudo, trabalho, a nossa idade individual e coletiva; regulamento que determina um ritual de virada, de sai-ano-entra-ano (sorte que não fiquei muito tempo na rua, porque agora cai uma tremenda chuva). Pois bem, dada essa demarcação temporal do ano, se ganha a reboque sua demarcação final, o que acontecerá daqui aproximadamente 7 horas. Então, convencionalmente, fala-se de fim de ano, escreve-se sobre ele.
Fisicamente percebemos o passar do tempo, sentimos que envelhecemos, percebemos que nossa moda passa e constatamos que os mais novos estão crescendo. Mas, precisamos do ciclo? Precisamos de um calendário novo? É assim que vivemos: repetindo. Toda projeção futura será revista em um ano, nossas ações têm data de validade. Mais um dia 31 de dezembro está por terminar e esperamos, ansiosamente, agora a pouco tempo, por um suspiro fatalista que encerre esse ciclo e abra um outro. E o novo ciclo chegando já será velho porque já temos as datas previstas para os eventos, já calculamos os gastos das contas que temos, enfim, já nos planejamos.
Chatinho isso, né? Nietzsche trouxe à pauta o eterno retorno, que não ficou eternamente esquecido: há uma quantidade limite de energia que, quando é atingida, tudo recomeça. Sabe-se lá em qual rodada de recomeço estamos. Eu aqui escrevendo, você aí lendo, esses fatos já aconteceram e acontecerão novamente e queremos isso: tudo igual, exatamente igual (sem entrar no mérito da igualdade separada pelo tempo, se é possível ou não). Tempo eterno, situações repetitivas, repetidas, ó ciclo! O eterno retorno esconde uma ética: viver o mesmo exatamente do mesmo modo, nem mais, nem menos. Queremos viver o mesmo porque gostamos de como somos, do que somos, vamos nos querer sempre assim.
Percebo que a chuva já passou e volto ao meu "passeio teste" de fim de ano de minutos atrás (teste bem sucedido: sinto que vou me despedir do amado e eterno 2015 na rua...). No passeio, eu vi aquelas coisas e senti algo: 2015 me tocou, me disse que ia embora. Eu fiquei atônito, não sabia se pedia para ele ficar mais um pouco, ou que fosse logo! Não sabia se ria ou se chorava, não sabia se olhava para o céu, para as pessoas ou para o nada. Eu senti 2015, física e psiquicamente, eu percebi que uma convenção humana - um ano - pode se tornar um fato e o quão perverso, poderoso e perigoso isso pode ser. É possível falar em fim de ano? Eu estava inebriado, queria viver aquele momento como se fosse o único, mas sabendo que ele retornará daqui a um ano. Queria que durasse mais porque eu tinha muito a refletir e a dizer sobre o fim de ano, mas compreendi que o tempo segue e nós seguimos com ele e que esse fim de ano é só uma noite a mais, só umas horas a mais. Sei também que muitos trabalharão e não presenciarão esse momento da maneira que gostariam. Enfim, sei que esse momento é como outro qualquer (ou não é?). Pensando bem, vou sair da reclusão e pensar em uma boa resolução de fim de ano...

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